Agricultores indianos, que protestam há meses contra a desregulação do seu setor acampados em redor da capital, invadiram o histórico Forte Vermelho, na terça-feira, Dia da República. As paradas militares deste feriado nacional, aniversário da independência, foram interrompidas quando centenas de milhares de agricultores – muitos em tratores, outros a cavalo – avançaram sobre bloqueios policiais e barreiras de betão em quatro artérias de Nova Deli. Foram recebidos com gás lacrimogéneo, granadas atordoantes e bastonadas, num confronto caótico em que morreu pelo menos um manifestante, ficando feridos dezenas de polícias e agricultores.
Mesmo com a rede móvel cortada para dificultar a mobilização de manifestantes e boa parte dos transportes da capital paralisados, a polícia demorou horas a controlar a multidão.
Viram-se imagens de soldados com metralhadoras apontadas a bocas de metro, enquanto agricultores – alguns deles armados com espadas – tomavam autocarros e usavam-nos para bloquear estradas, a poucos quilómetros de onde o primeiro-ministro, Narendra Modi, assistia ao desfilar de tropas e tanques, com caças a cruzar os céus.
Quando o Dia da República começou, era difícil imaginar que acabasse assim. No dia anterior fora até permitido aos manifestantes marchar no Dia da República com um máximo de cinco mil tratores. Contudo, com cada vez mais agricultores à acorrer à capital, vindos de todo o país, de repente, o número de tratores ultrapassava os 200 mil, estimam vários sindicatos – algo que confirma os protestos de agricultores e o interminável impasse das negociações como uma das maiores ameaças enfrentadas por Narendra Modi em seis anos de governação.
Modi em xeque Do alto das ameias do Forte Vermelho, obra do arquiteto do Taj Mahal, símbolo da rebelião contra o Império Britânico, os revoltosos apontaram o dedo ao Governo. Acusam as reformas agrícolas – que o Governo defende como maneira de aumentar o investimento privado – de beneficiar grandes empresas agroalimentares, ao permitir-lhes comprar mais terrenos e negociar diretamente com os agricultores. Dessa maneira podem contornar os preços tabelados dos mercados comunais, que sempre foram regra na agricultura indiana desde a independência.
Trata-se de reformas que nenhum Governo alguma vez se atrevera sequer a propor, arriscando virar contra si um setor que emprega mais de metade da população. Alguns analistas vêm no timing de Modi uma tentativa de aproveitar a pandemia para abafar a expetável contestação. Se o plano era esse, falhou em toda a linha.
“Temos protestado nos últimos seis meses e o Governo não quis ouvir-nos”, explicou Diljender Singh, oriundo da região do Punjab, conhecida como a “tigela de arroz da Índia”. Como muitos dos seus companheiros, Singh brandia com orgulho a Nishan Sahib, a bandeira dos sikh, a partir das muralhas.
“Ao longo da história, os nossos antepassados tomaram várias vezes este forte de assalto”, lembrou o agricultor ao Guardian. “Esta é uma mensagem para o Governo de que podemos voltar a fazê-lo, e mais que isto, se as nossas exigências não forem atendidas”, prometeu.