Há doentes a serem transportados para as urgências sem critério

Sociedade de Emergência Pré-Hospitalar pede revisão de protocolos que levam ao transporte de doentes sem gravidade em ambulância.

Com os hospitais de Lisboa a viver o maior número de internamentos por covid-19 no país e serviços no limite da capacidade, intensificou-se o apelo para que os doentes não recorram aos serviços de urgência se não tiverem critérios de gravidade. Foi o Centro Hospitalar Lisboa Norte, nos últimos dias com filas de ambulância à porta do atendimento de covid-19, a fazer o pedido mais direto na noite de quarta-feira, mais uma em que o corredor de ambulâncias se prolongava quase até à Av. Prof. Egas Moniz, no centro de Lisboa, e um vídeo gravado de uma janela do hospital, publicado nas redes sociais, mostrava a fila de luzes com mais de 15 ambulâncias. Eram 23 horas quando o Centro Hospitalar Lisboa Norte fez o esclarecimento, reiterando que está a aumentar a capacidade e que muitos dos doentes nas ambulâncias que têm sido fotografadas à porta do hospital não deviam ter sido para ali transportados. “Quase metade dos utentes (que chegam à urgência) são transportados de ambulância, mas destes só 15% apresentam situações que justificam o recurso a uma urgência hospitalar. Os restantes 85% são triados com prioridade verde ou azul, representando uma sobrecarga evitável, na medida em que o local de atendimento previsto para estas situações são os centro de Saúde, que dispõem de um atendimento específico para estes doentes”, indicou o hospital, dando ainda nota de que o processo de ampliação da urgência fica concluído este fim de semana e que cerca de 70% das pessoas atendidas na urgência de Santa Maria pertencem a zonas de influência de outros hospitais. “Apela-se por isso à população que só recorra ao transporte de ambulância em situações justificadas e se dirija ao Centro de Saúde nas situações de ausência ou sintomas ligeiros, permitindo que os recursos hospitalares, em situação de grande sobrecarga, se concentrem no tratamento dos doentes com situações de maior gravidade.”

Se o hospital indicou que iria “diligenciar junto da Saúde 24 para que os utentes enviados com situações de baixa prioridade clínica passem a ser encaminhados para os Centros de Saúde”, para a Sociedade Portuguesa de Emergência Pré-Hospitalar (SPEPH) o problema está mesmo no Sistema Integrado de Emergência Médica” (SIEM) e nos protocolos que estão a ser seguidos pelo Centros de Orientação de Doentes Urgentes do INEM. Ao i, Carlos Silva, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Emergência Pré-Hospitalar (SPEPH), diz que este é um problema que se arrasta há vários anos. Num momento crítico, admite que esta situação pode comprometer a resposta a doentes verdadeiramente urgentes e adianta já ter sido solicitada uma audiência com o Conselho Nacional de Ética para a Ciência da Vida. “Quando uma pessoa liga para o 112, as chamadas são triadas pelo técnico de emergência pré-hospitalar no CODU. Já há muito tempo que alertamos que são enviadas ambulâncias para situações todas, sejam ou não emergentes. E o que defendemos é que os protocolos sejam revistos. Um hospital vem dizer que só 15% têm critérios para serem atendidos à urgência, pelo que isto significa que os protocolos têm de ser revistos. O problema já existia, mas numa situação destas evidenciou-se.” O elevado número de doentes com pulseiras verdes e azuis nos hospitais, em particular na zona de Lisboa, é um dos problemas cronicamente identificados no Serviço Nacional de Saúde, no passado ligado já ligado à falta de cobertura de médicos de família, também menor na região de Lisboa e Vale do Tejo. No ano passado, até novembro, apesar da quebra nas afluência aos serviços de urgência, 42,6% dos doentes atendidos nas urgências dos hospitais públicos foram triados com pulseiras verdes, azuis ou brancas, as urgências que habitualmente se consideram evitáveis e que significa que as pessoas não procuraram ou não tiveram acesso a outros locais de atendimento mais adequados. Em 4,2 milhões de episódios de urgência ao longo dos 11 meses do ano, uma quebra de 28% face ao ano anterior, foram 1,7 milhões de episódios triados com pulseiras de menor gravidade, casos em que os doentes podiam ter sido atendidos fora de hospitais. Em Lisboa e Vale do Tejo, a percentagem foi 47,9%, com uma ligeira quebra nestes casos face ao ano anterior.