A noite eleitoral das presidenciais ditou que Ana Gomes, ex-eurodeputada socialista, fosse a segunda candidata mais votada e a mulher mais votada de sempre em eleições presidenciais. Ainda assim, esteve longe do mais de um milhão de votos de Manuel Alegre, por exemplo, em 2006, quando o PS apoiou Mário Soares e o eleitorado dividiu-se, ou quando o PS não apoiou ninguém e Sampaio da Nóvoa, que chegou a sonhar com o apoio formal dos socialistas, obteve 1 061 390 votos.
Na hora de reagir aos resultados, Ana Gomes, que obteve 12,97%, ou seja, 541 347 votos, assumiu os resultados, mas responsabilizou António Costa, o líder do PS e primeiro-ministro, pela deserção do partido destas eleições. E deixou um lamento e um apelo à reflexão. «Lamento a não comparência a estas eleições do meu partido, o PS, que assim ajudou a garantir a vitória do candidato da direita democrática. Foi uma deserção que critiquei e pela qual decidi apresentar esta candidatura». Agora, espera «que os militantes ajudem a direção do PS a refletir sobre a sua atuação».
Na noite eleitoral, Costa não a cumprimentou e deixou calorosas saudações a Marcelo Rebelo de Sousa, e a única referência por parte da direção do PS foi feita por Carlos César, ao destacar «todos os candidatos que, não vencendo as eleições, se empenharam na valorização e aprofundamento da coesão social, da democracia e da nossa ordem constitucional». Naturalmente, incluiu Ana Gomes nesta lista, mas nada mais. Por fim, insistiu que «fez bem o Partido Socialista, valorizando dessa forma o que entende ser a natureza unipessoal desta eleição e a sua condição não partidária».
Ora, no PS houve quem defendesse que deveria haver um candidato oficial, que não se podia desertar destas eleições, como preconizou Manuel Alegre, ou quem achasse que, havendo liberdade de voto, o PS deveria ter dado orientações para que se apoiasse um candidato moderado, como Marcelo Rebelo de Sousa, ou então, o candidato comunista João Ferreira, quanto mais não fosse porque o PCP deu a mão ao Governo nos Orçamentos, sobretudo no último, e era preciso dar cimento a esta cooperação. Foram várias as leituras e interpretações sobre o caminho que se deveria ter seguido. Certo é que Ana Gomes tem, neste momento, um capital político de mais de meio milhão de votos. E prometeu na noite eleitoral que não iria reformar-se.
No PS, o ministro Pedro Nuno Santos atravessou-se pela candidatura de Ana Gomes. Houve quem lhe aplaudisse a coragem e a coerência, houve quem lembrasse ao Nascer do SOL que ele cometeu um «erro clamoroso ou deu um passo maior que a perna». As consequências, no imediato, são praticamente nulas, até porque entre socialistas há quem lembre que o partido está parado, há uma pandemia, e teme-se que o atual cenário de guerra que o país enfrenta por causa da covid-19 desgaste ainda mais o Governo. Há quem atire culpas à ministra da Saúde, Marta Temido, porque não preparou bem o levantamento de profissionais de saúde para o inverno… no verão. Mas a hora não é de pedir cabeças e os efeitos das presidenciais serão uma batalha para se ter bem mais à frente.
Um destacado militante socialista lembra ainda que a atitude de Pedro Nuno Santos não terá efeitos num cenário de congresso em que, um dia, o ministro seja candidato. Quando esse dia chegar, diz, haverá militantes que «votaram em Marcelo» mas que votarão nele também. Mais, Ana Gomes é vista por alguns como uma outsider. Certo é que Ana Gomes é do PS e endossou o seu apoio a uma eventual candidatura, no futuro, de Pedro Nuno Santos.
À esquerda, João Ferreira, apoiado pelo PCP, teve mais percentagem do que o seu antecessor, Edgar Silva, mas não chegou aos 5%. A estratégia dos comunistas fica, para já, intacta, com ações já previstas como o comício de 6 de março ou uma ação de luta descentralizada marcada pela CGTP para 25 de fevereiro – isto além de uma referência ao «apoio de eleitores que nunca antes tinham apoiado um candidato proposto pelo PCP», como se pode ler no comunicado do Comité Central do partido. De realçar que vários socialistas manifestaram apoio também a João Ferreira.
Do lado do Bloco de Esquerda, a direção reúne-se hoje para avaliar os resultados de Marisa Matias (3,95%), mas
Francisco Louçã, fundador do partido, já deu argumentos para a leitura dos resultados: «Havia alguma especulação sobre se haveria uma punição ao Bloco por ter sido combativo no Orçamento e uma recompensa ao PCP por ter cedido no Orçamento», recordou à Lusa. O ex-dirigente concluiu que «essa narrativa provou ser ridícula porque não há nenhum efeito nem de punição nem de recompensa que seja legível nestes resultados». A única conclusão é que, à esquerda, perderam todos.