«O lítio é da maior importância porque faz parte da cadeia de valor das baterias e é muito importante para a mobilidade elétrica (…) queremos posicionar Portugal no centro da cadeia de valor». A declaração do secretário de Estado da Energia, João Galamba, tem quase dois anos e servia, à época, para confirmar e justificar a aposta do Governo português na exploração e processamento de lítio no país – que terá as maiores reservas deste metal na União Europeia.
Mas, apesar das intenções anunciadas, Portugal acabou por ficar de fora do Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI na sigla inglesa) para o lítio, perdendo o acesso a um pacote de ajudas públicas que podem chegar aos 2,9 mil milhões de euros e que permitiria atrair financiamento privado na ordem dos nove mil milhões.
A Comissão Europeia aprovou, esta semana, um projeto europeu conjunto, no âmbito deste IPCEI (que existe desde 2019), para reforçar a aposta na investigação e inovação de toda a cadeia de valor das baterias. O projeto, que dura até 2028, contempla toda a cadeia de valor das baterias – desde a extração das matérias-primas e o desenho e produção das células e conjuntos de baterias até à reciclagem e sua eliminação dentro da economia circular – e inclui 12 Estados-membros (Alemanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Áustria, Suécia, Finlândia, Polónia, Eslováquia, Croácia e Grécia) e um total de 42 empresas (entre as quais as gigantes Tesla, BMW ou Fiat Chrysler), membros da Aliança Europeia das Baterias (AEB).
Mais surpreendente é o facto de as próprias Lusorecursos e Savannah Resources também integrarem a AEB. As empresas que já têm contratos assinados com o Governo português para o desenvolvimento de projetos de mineração de lítio em Montalegre e Boticas, respetivamente, ambos no distrito de Vila Real (e em fase de avaliação de impacte ambiental), ficam, todavia, impedidas de recorrer a estes apoios.
O Governo português deverá lançar ainda este ano a estratégia nacional do lítio que, desta forma, vai continuar a desenvolver-se de forma isolada e sem uma solução comunitária integrada – o que contraria aquilo que tem sido o discurso oficial.
A própria comissária europeia da Concorrência, Margrethe Vestager, reagiu publicamente à aprovação do plano, manifestando a importância de existirem, nesta fase, sinergias transfronteiriças. Numa mensagem publicada na rede social Twitter, a vice-presidente da Comissão Europeia afirmou que «o risco poderia ser demasiado grande para um Estado-membro ou uma empresa investirem sozinhos. Ainda bem que os Governos europeus se juntaram». O Nascer do SOL questionou o Ministério do Ambiente sobre as razões que levaram o Executivo a não apostar no projeto pan-europeu para o lítio mas, até ao fecho da edição, ainda não tinha obtido qualquer resposta.
O nosso jornal contactou Jorge Costa Oliveira, antigo secretário de Estado da Internacionalização de António Costa e ex-consultor da Lusorecursos (da qual se desvinculou há três meses), para tentar perceber esta decisão. O jurista – que já esteve nos dois lados que, à partida, estariam interessados nestes apoios – admite que «o grande problema, neste momento, passa por não existir nenhuma estratégia nacional definida para o lítio». «Não se consegue perceber porque existe uma estratégia nacional para o hidrogénio, um recurso para o futuro, mas, por outro lado, não existe nada de concreto para o lítio. O que existe, para já, é só uma resolução do Conselho de Ministros que é dificilmente inteligível», diz.