Restauração em desespero

Há cerca de um ano encerrados ou a funcionar sob apertadas restrições, empresários da restauração e hotelaria dizem estar aflitos. Perdas já superam as centenas de milhares de euros e cortes nos apoios só pioram a situação.

por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

A notícia caiu que nem uma bomba junto de um empresário das Caldas da Rainha. «Desde o dia 18 até agora recebemos alguns milhares de candidaturas na sua situação, o que levou a esgotar a dotação e a encerrar o aviso. Lamentamos, mas já não é possível receber a sua candidatura». Esta foi a resposta dada pela equipa técnica do programa a Azimbhai Momade Ali, sócio e gerente de três microempresas, duas delas com mais de 40 anos de existência e uma com sete, e que o vai obrigar a encerrar portas no final do mês e despedir os seus funcionários.

«Vamos mesmo ter de fechar este mês e despedir funcionários com mais de 20 anos de casa e que só dependem deste emprego, e são chefes de família que possuem fracos recursos», revela ao Nascer do SOL.

A questão ganha maiores contornos depois de o empresário ter sido ‘obrigado’ a regularizar os capitais próprios negativos para poder submeter a candidatura, o que exigiu investimento da sua parte. «Para submeter a candidatura foi necessário regularizar os capitais próprios negativos e o aviso com a alteração destas regras foi apenas publicado no dia 18/01/2021. Após vários dias a tentar submeter a candidatura ao Apoiar.pt, a página do Balcão 2020 apresentava sempre erros de indisponibilidade e, com isso, fomos impossibilitados de submeter a nossa candidatura. Quando finalmente conseguimos submeter, no dia 6, fomos surpreendidos ao constatar que o programa se encontrava encerrado». esclarece ao nosso jornal.

 Esta situação já o levou a apresentar o caso ao Presidente da República, primeiro-ministro, ministro da Economia, ministra da Segurança Social e secretária do Estado do Turismo, apelando a que sejam reabertas as candidaturas, uma vez que defende que a indisponibilidade do site não é da sua responsabilidade e lamenta que tenha sido concedido um prazo bastante curto (15 dias úteis) para a resolução da situação das microempresas. «Sendo este o principal apoio destinado a empresas como as nossas para conseguir garantir a sua sobrevivência, não nos parece razoável que os fundos destinados se esgotem em tão curto espaço de tempo, sem que a intenção de os reforçar tenha sido sequer admitida até ao momento».

 

Incerteza, medo, desespero

Ao jornal i, as associações empresariais que representam o setor da hotelaria e da restauração já tinham denunciado esta situação. Também a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados alertou para os problemas que já estavam a causar o fim do programa, acusando mesmo o Governo de criar falsas expetativas nas ajudas às empresas. «O Apoiar.pt fechou repentinamente sem se perceber muito bem porquê. Na sexta-feira, um aviso ao final do dia deu conta de que terminou. Nas candidaturas, nunca há pré-aviso, mas tínhamos conhecimento de que ainda havia plafonds. Não me parece nada claro nem transparente este encerramento repentino», admite Paula Franco.

Também a secretária-geral da AHRESP tem vindo a apelar ao reforço de verbas, por parte do Governo, aos empresários que foram obrigados a fechar por decreto. E deixa uma garantia: «O setor não pode ficar encerrado como está durante mais algum tempo sem sabermos exatamente quanto temos de apoios que nos permitam aguentar esta tragédia», lembrando que mais de metade das empresas estão com atividade totalmente suspensa e não estão a funcionar nem em take-away nem em delivery.

Por seu lado, Daniel Serra, presidente da Associação Nacional de Restaurantes – Pro.var, recorda que grande parte dos estabelecimentos não tiveram apoios e os incumprimentos já começam. «Neste momento, 90% dos estabelecimentos já não estão a conseguir cumprir com os fornecedores. E há já um número considerável de empresários que não estão a conseguir pagar salários aos trabalhadores», referiu ao i. O responsável acrescenta ainda que, sem ajudas do Estado, empresários de 50 mil empresas dizem estar com muitos problemas e sentem-se «enganados», uma vez que «mantiveram os trabalhadores para poderem receber os apoios, endividaram-se assumindo responsabilidades e percebem agora que, sem apoios, essa função deveria competir ao Governo».

 

Solução sem fim à vista

A preocupação com o facto de a restauração não ter data para reabrir é uma constante no setor. Apesar de muitos perceberem que as medidas são necessárias, o facto de serem apenas setores como a restauração e o comércio a ‘pagar a fatura’ causa revolta.

É essa a opinião do chefe Vítor Sobral. «Hoje tive de ir pôr o meu carro na revisão e tive de sair cedo de casa. O meu espanto é que o trânsito é o mesmo que costumo encontrar quando saio às 9h da manhã para trabalhar. A pergunta que eu faço é a seguinte: porque é que só o comércio e a restauração é que têm de estar a pagar esta fatura? É uma pergunta que me deixa sem resposta», diz ao Nascer do SOL.

As ajudas do Estado, na sua opinião, não são suficientes e chegam tarde. Vítor Sobral tem quatro restaurantes e admite que o Estado até tem ajudado com o layoff, mas não chega. «Há toda uma despesa corrente, não há ajudas. Não é suficiente. E estamos a falar de um segundo confinamento».

Dos vários funcionários, o conhecido chefe tem muitos em layoff e, face às despesas, não renovou alguns contratos. «O layoff não chega no fim do mês para pagar os ordenados», garante. E justifica: «Nós temos de adiantar, temos de ter fundo de maneio. E a pergunta que faço é: como é que se tem fundo de maneio sem faturar e com a tesouraria já completamente deficiente».

O chefe diz falar com vários colegas da restauração e estão «todos nas mesmas condições». Por isso, não tem dúvidas: «As coisas começam a mostrar um cenário de grandes dificuldades e grandes incertezas».

Os custos continuam e o plano de contingência da empresa é outra despesa «necessária», uma vez que todos os funcionários que apresentem sintomas de covid-19 são testados e os custos são assumidos pelo chefe.

Ao Nascer do SOL, Vítor Sobral volta a frisar a injustiça que sente pelos apoios e pelas medidas que não chegaram a todos os setores: «Neste momento é uma tremenda injustiça anunciarem-nos medidas para nos ajudarem e elas não virem para o terreno. E é ainda uma injustiça maior que, na verdade, o comércio e a restauração é que estão a pagar esta fatura», acusa.

A consciência de que os espaços de restauração não podem abrir portas existe, mas o empresário defende que para estarem fechados, as medidas têm de chegar às empresas. «Anunciar e, depois, elas não acontecerem ou demorarem três ou quatro meses a acontecer, toda a gente morre asfixiada. Quando nós temos falta de ar, ou nos dão ar ou morremos», lamenta.

As expetativas para o futuro «não são fantásticas», até pelo cenário de incerteza, que é grande. Tão grande que lhe tira o sono. «Todos os dias nos deitarmos com incertezas quando temos, no meu caso, 80 colaboradores dependentes de mim e as suas famílias, a incerteza torna-se ainda mais pesada e as noites de sono cada vez são pior dormidas».

Quanto às perdas, diz não poder falar adiantado, mas são grandes. «Isto ainda não acabou mas, se eu perder 600 mil ou 700 mil euros só, é fantástico, é muito bom. A partir do momento em que nos tiraram os fins de semana tiraram-nos, provavelmente, 50% da faturação». E junta-se agora um novo confinamento.

 

Adaptação

Também o chefe Rui Rebelo, criador de três espaços em Lisboa – restaurantes Oficina do Duque, Oficina Craft Snackery e Editorial –, mostra algumas preocupações com o momento que se vive, mas o novo encerramento era «uma decisão inevitável». Agora, para que tudo corra com o menor prejuízo possível, «é preciso reforçar e criar apoios para esta nova decisão», diz a este jornal.

Questionado sobre a possibilidade de a restauração estar de portas fechadas até ao final de abril, Rui Rebelo garante que «era algo expetável». «A grande questão é ter as condições de pagamentos alargadas em dois, três anos para que o setor do turismo possa voltar a contribuir com mais de 16% do PIB nacional», defende.

Pela localização dos restaurantes, o chefe não optou pelo take-away mas, nestas alturas, a reinvenção é palavra de ordem. «Estamos a pensar fazer uma experiência num dos nossos restaurantes e ver como corre», confessa. Até porque já pensou deixar cair um dos restaurantes mas, para já, fica o novo formato. E, depois, logo se vê.

Até ao momento, as perdas são já superiores a meio milhão de euros. E apesar de defender que os apoios do Governo não são suficientes, «ajudaram bastante». «A questão é que as empresas, pela duração da pandemia, estão a ficar descapitalizadas porque os apoios não cobrem o suficiente», diz.

E dadas as perdas, o chefe teve de pedir o apoio do Estado, tal como milhares de restaurantes por todo o país. «Com a quantidade de impostos que pagamos todos os anos, fomos obrigados a pedir apoios nesta altura de crise. Nós já pagamos estes apoios através de impostos e certamente que nos vão ser cobrados de alguma forma no futuro. No entanto, foram fundamentais para mantermos a nossa operação», acrescenta.

O futuro? É incerto. «Achamos que vai ser difícil, vai deixar marcas, mas vamos ter de passar por isto, continuar a trabalhar e vencer», finaliza.

 

Números

O mais recente inquérito da AHRESP junto do setor mostra que 51% das empresas indicam estar com a atividade totalmente encerrada; 36% das empresas ponderam avançar para a insolvência, dado que as receitas realizadas e previstas não permitirão suportar todos os encargos que decorrem do normal funcionamento da sua atividade. A associação garante que as conclusões «evidenciam contínuos despedimentos e empresas no limite da sua sobrevivência» e, por isso, «é urgente o reforço imediato dos apoios a fundo perdido».

Para as empresas inquiridas, a quebra de faturação do mês de janeiro foi «avassaladora»: 79% das empresas registaram perdas acima dos 60% e, como consequência da forte redução de faturação, 18% das empresas não conseguiram efetuar o pagamento dos salários em janeiro e 18% só o fizeram parcialmente.

Perante esta realidade, 44% das empresas já efetuaram despedimentos desde o início da pandemia. Destas, 19% reduziram em mais de 50% os postos de trabalho a seu cargo. Dezanove por cento das empresas assumem que não vão conseguir manter todos os postos de trabalho até ao final do primeiro trimestre de 2021.

Os dados da Pro.var, também com base num inquérito aos empresários do setor, mostram que duas em cada três empresas não têm como pagar salários e quase 60% estão em situação de insolvência. De acordo com a mesma informação, em 2020, 61,4% das empresas perderam mais de metade da faturação homóloga, enquanto um quinto tinham os salários em atraso e dois terços não conseguiram pagar todas as despesas. Ainda face ao ano passado, 46,3% das empresas estavam em situação de insolvência ou falência.

Este ano, o cenário agrava-se. «Ainda não fez um mês que o país está em confinamento total e o setor da restauração já reflete os piores cenários», disse Daniel Serra.