Quase duas semanas depois da última reunião do Infarmed, que levou o Governo a assumir a intenção de adotar um modelo de testagem massiva para despistar casos de covid-19, incluindo assintomáticos, e a uma revisão da estratégia de testagem por parte da Direção-Geral de Saúde, o número de testes no país ainda não deu o salto. Pelo contrário, e como aconteceu nas anteriores vagas da doença, à medida que a incidência baixou diminuíram os testes, que atingiram um pico em janeiro quando chegaram a ser feitos mais de 70 mil testes por dia no país. Nos últimos dias têm rondado os 30 mil e o último relatório semanal do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças sobre a situação epidemiológica em cada país, divulgado esta sexta-feira, mostra que na segunda semana de fevereiro Portugal caiu para 17.º lugar na UE no número de testes semanais por 100 mil habitantes, quando no pico desta terceira vaga de casos esteve no top 10. «Por enquanto as coisas vão-se segurando porque estamos confinados, o número de contágios felizmente reduziu muito depressa e mesmo com menos testes a positividade tem continuado a descer. O problema não é aqui, é quando começarmos a desconfinar», diz ao Nascer do SOL Manuel Carmo Gomes, que defendeu na última reunião do Infarmed que a testagem devia ser a ‘arma’ contra a pandemia e não o confinamento. Com os atuais indicadores, o especialista considera que não se pode falar ainda de testagem massiva: «Os nossos testes continuam a guiar-se pelos casos positivos e não estamos a conseguir ampliar os testes rápidos em contexto ocupacional como seria desejável». Para o investigador, o reforço deveria acontecer antes de o país começar a levantar medidas restritivas. «Em qualquer altura devíamos ampliar a testagem. Se estamos a pensar que vamos ampliar de repente a testagem quando os casos começarem a subir podemos não ter tempo. Quando há aumento de casos é exponencial e é muito difícil aumentar a testagem a esse ritmo. Não digo que seja impossível, mas é melhor ter as coisas preparadas antes e começar a testar muito mais antes de começarmos a desconfinar. Isso é que era o ideal», diz.
A estratégia de testagem revista pela DGS na sequência do pedido feito pelo Governo depois da última reunião de peritos prevê não só testes a todos os contactos de alguém infetado como rastreios em escolas e fábricas de concelhos com incidência superior a 480 casos por 100 mil habitantes. Mas as orientações emanadas ainda não estão a ter reflexo significativo no número de testes do país e nos últimos dias o número de testes ainda não tornou a descolar de apesar de ter havido algumas iniciativas de testagem pelo país. Em Castro Marim a autarquia avançou para a testagem massiva da população.
Positividade não era tão baixa desde outubro
A taxa de positividade, um dos indicadores usados internacionalmente para avaliar a situação epidemiológica já que dá uma ideia se a malha de deteção de infeções está mais ou menos apertada – quanto mais baixa, maior probabilidade de estarem também a ser apanhados casos assintomáticos que ajudam a travar a transmissão – tem estado a diminuir, depois de ter atingido os 22% em janeiro. Na segunda semana, 8,8% dos primeiros testes à covid-19 em Portugal davam positivo, o valor mais baixo desde o final de outubro. Ainda assim, entre os países que estão a testar mais na Europa há vários com uma incidência de casos mais baixa e menor positividade. E não é apenas a Dinamarca, que no início do ano liderava a testagem a nível europeu, lugar agora ocupado por Chipre, país com 1,2 milhões de habitantes, o que distorce um pouco a comparação com países maiores, o que de resto acontece com o Luxemburgo. A Áustria, com 8 milhões de habitantes, surge agora em segundo lugar com 14 mil testes por semana por 100 mil habitantes. E na semana passada tinha metade da incidência de novos casos de covid-19 a 14 dias que Portugal e uma taxa de positividade de 0,6%, mantendo a trajetória de aumento de testagem. Dos 16 países a testar mais do que Portugal, que na semana passada tinha ainda uma incidência de 589 casos por 100 mil habitantes e fez 2 114 testes por 100 mil habitantes – o indicador avaliado pelo ECDC em cada país a partir dos dados reportados pelas autoridades nacionais – nove tinham uma taxa de positividade abaixo dos 5%, o valor recomendado em maio do ano passado pela OMS para que os países desconfinassem com maior segurança e que tem sido usado desde então como referência. E 13 estavam com menos novos casos por 100 mil habitantes.
No último fim de semana, em entrevista ao Público, a diretora-geral da Saúde estimou que o país possa chegar aos 100 mil testes por dia. «Se conseguíssemos manter durante dois ou três meses cerca de 70 mil a 80 mil testes, seria bom. A média foi de 51 mil em janeiro e um bocadinho mais baixa em fevereiro, 41 mil», afirmou Graça Freitas, que garantiu já esta semana que a testagem está a ser operacionalizada. Um dos cenários apontados foi a hipótese de rastreios oportunísticos em pessoas que se desloquem a centros de saúde. Também a ministra da Saúde admitiu na semana passada que estava a ser ponderada a possibilidade de virem a ser disponibilizados testes gratuitos sem necessidade de prescrição médica, o que acontece por exemplo na Dinamarca. Esta semana, no entanto, ainda não há dados que mostrem que o país esteja a fazer mais testes e nos últimos sete dias a média foi de 29 179 testes por dia, ao nível do final de setembro.
UCI ainda no vermelho
Na próxima semana está agendada uma nova reunião no Infarmed e a hipótese de um início de desconfinamento a curto prazo tem sido afastada pelo Governo. Os indicadores epidemiológicos são agora ainda mais favoráveis do que há duas semanas mas o número de doentes com covid-19 internados nos hospitais, nomeadamente em cuidados intensivos, ainda está longe de chegar aos patamares de segurança apontados pelos intensivistas e que o Governo já mostrou intenção de seguir. O Executivo não fixou no entanto ainda metas concretas e os especialistas ouvidos regularmente quer no Infarmed quer por Mariana Vieira da Silva e Marta Temido em reuniões semanais têm estado a trabalhar numa matriz de indicadores para desconfinar mas também para voltar a apertar restrições quando a subida de casos, esperada mal se levantem medidas, exceda o que vierem a ser definidas como as linhas vermelhas.
Segundo o Nascer do SOL apurou, os trabalhos ainda não deverão ser apresentados na próxima reunião, também porque as modelações estão a ser feitas. «As Unidades de Cuidados Intensivos ainda estão excessivamente preenchidas para se começar a pensar em desconfinamento», disse ao Expresso Mariana Vieira da Silva. O tema no entanto é incontornável e apesar de poder não constar formalmente na ordem de trabalhos da reunião do Infarmed, acabará por estar mais uma vez em cima da mesa. Com o número de diagnósticos a cair de forma abrupta, a pressão sobre os hospitais é o único indicador ainda no vermelho tendo em conta o que têm sido as recomendações dos intensivistas, de que o país deve ter menos de 300 doentes com covid-19 em UCI para haver segurança na resposta a todos os doentes e retoma da atividade cirúrgica, prejudicada nesta terceira vaga. Esta semana houve uma descida significativa dos doentes em UCI, que esta quinta-feira ao final do dia eram 669, menos 177 nos últimos sete dias. Mantendo-se a trajetória desta semana, uma redução de 20%, dentro de uma semana continuarão no entanto a ser precisas mais de 500 camas para doentes críticos com covid-19, ainda mais do que no início do ano. A 1 de janeiro estavam internados em UCI 483 doentes. Depois de um pico no iníco de dezembro, os doentes em UCI tinham estabilizado e rapidamente escalaram. Já o número global de doentes internados tem estado a diminuir mais rapidamente e só nos últimos sete dias há menos 1646 doentes com covid-19 hospitalizados no SNS. Mantendo-se a trajetória de descida, no final da próxima semana pode já haver menos doentes com covid-19 internados nos hospitais do que na altura do Natal. Com base na análise dos dados da DGS, é de esperar que se passe dos atuais 3500 doentes internados para cerca de 2400. No pico de internamentos a 1 de fevereiro os hospitais chegaram a ter 6869 doentes internados com covid-19, mais do dobro do máximo em novembro e cinco vezes mais do que na primeira vaga, quando os hospitais tiveram no máximo 1302 doentes com covid.