Desconfinamento. Peritos preparam indicadores para aliviar e apertar medidas

Peritos estão a trabalhar nos indicadores para criar níveis de risco a nível nacional, regional e por concelho e também pacotes de medidas a aplicar quando forem ultrapassadas linhas vermelhas. PR afastou abertura antes da Páscoa, mas há quem defenda ‘teste’ antes das férias.

Duas semanas. O primeiro-ministro anunciou ontem a data para a apresentação do plano de desconfinamento – 11 de março – e fechou o prazo que têm agora os ministérios e os grupos de trabalho que têm estado a dar apoio ao Governo para finalizar o trabalho técnico para criar as balizas do que será uma nova prova de fogo na resposta do país à pandemia. Depois de uma semana de pressão crescente para que o Governo apresentasse planos e metas, com uma reunião no Infarmed marcada pelas linhas vermelhas dos intensivistas, que defendem que o SNS só pode acomodar até 285 camas de UCI para doentes com covid-19 para poder manter resposta a todos os doentes, uma carta aberta a pedir a abertura de escolas já no início de março e até um suposto plano de desconfinamento feito por um colunista do Observador a tornar-se viral nas redes sociais, que levou o Governo a admitir queixa na Justiça e o responsável a dizer que se tratava de um trabalho de cidadania que não havia intenção de divulgar publicamente – António Costa reiterou a posição do Executivo: «Ainda não é o momento». Mas se o Presidente da República se tinha antecipado de véspera descartando qualquer desconfinamento antes da Páscoa, António Costa não descartou nenhum cenário. «Temos de ficar confinados nos próximos 15 dias. Esta é a principal mensagem», afirmou, acrescentando: «O meu desejo é seguramente o desejo de todos: que em 11 de março seja possível avançar para o desconfinamento».

Segundo o Nascer do SOL apurou, os peritos que habitualmente participam nas reuniões no Infarmed, incluindo o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, que não esteve na última, têm estado a trabalhar não só em critérios para desconfinar mas numa matriz de indicadores que responda às ‘linhas vermelhas’ pedidas por António Costa há duas semanas. Se as propostas não estão ainda fechadas, o consenso vai no sentido de criar indicadores de risco a nível nacional, regional e concelhio que reflitam a situação epidemiológica a cada momento, desde a incidência de novos casos de covid-19 e taxa de positividade nos testes à ocupação dos serviços de saúde ou pressão sobre as equipas de saúde para rastreio. E que substituam os patamares de risco por concelho.

Na reunião do Infarmed, a diretora da Escola Nacional de Saúde Pública apresentou os modelos seguidos nos outros países e o resultado cá deverá ser afinar o esquema que vigorou no final do ano passado, agora com pacotes de medidas acopladas caso seja atingida uma linha vermelha, para aplicação mais imediata, e indicadores mais abrangentes.

Na semana em que o Governo apresentará o plano já era expectável que houvesse uma nova reunião do Infarmed e que os planos ou propostas fossem então apresentados. A lógica deverá manter-se: reunião, audiências dos partidos, renovação do estado de emergência, Conselho de Ministros e apresentação do plano final, não obstante até lá continuarem a decorrer trabalhos.

 

400 doentes em UCI na próxima semana

O alívio da pressão sobre os cuidados intensivos e a nova estratégia de testagem em operacionalização, e que segundo esclareceu esta semana a DGS será fechada setor a setor com os respetivos ministérios, são algumas das áreas a seguir de perto. Nos hospitais a situação é agora mais confortável do que no início do mês mas há ainda 522 doentes com covid-19 internados em UCI, em linha do que sugeria a tendência de diminuição de doentes há uma semana. Mantendo-se a tendência dos últimos 7 dias, os dados da DGS, que o Nascer do SOL analisou, sugerem que no final da próxima semana deverá haver cerca de 1600 doentes com covid-19 internados dos hospitais, dos quais cerca de 400 em UCI. Ainda assim, durante a primeira quinzena a linha vermelha defendida pelos intensivistas, de haver idealmente até 242 doentes com covid-19 internados nos hospitais, poderá ser atingida. E era a última em falta no que diz respeito a grandes indicadores que ao longo das últimas semanas têm sido defendidos publicamente pelos peritos e médicos ouvidos pelo Governo, uma vez que o RT se mantém, de acordo com o relatório semanal ontem divulgado pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, nos 0,68 – continua a ser o valor mais baixo da Europa, embora esteja já a subir, o que significa uma descida mais lenta de casos. E esta foi a segunda semana com menos de 2000 casos diários.

Nos últimos sete dias foram diagnosticados em média 1143 novos casos por dia, com a região Norte a registar uma média diária de 275 novos casos, a região Centro 155, Lisboa e Vale do Tejo 536, Alentejo 45 novos casos por dia e Algarve 48. Números que não se viam desde setembro. A positividade também já baixou para os 5%. A incidência cumulativa a 14 dias caiu a pique e Portugal saiu formalmente do patamar de risco elevado de contágio: ontem registava uma incidência a 14 dias de 209 casos por 100 mil habitantes, o que já não acontecia desde o final de outubro. 

António Costa recordou que ainda se está bastante pior do que quando se desconfinou em maio. A 4 de maio, quando o país começou a reabrir depois de mês e meio em confinamento, registava-se uma incidência cumulativa a 14 dias de 45,2 casos por 100 mil habitantes. Note-se que na altura também se testava menos. E a epidemia estava controlada no Norte, mas o RT estava acima de 1 em Lisboa desde os últimos dias de abril. Agora a diferença entre regiões também pode ser relevante.

O RT tem estado a subir ligeiramente em todas as regiões e em Lisboa, onde há ainda mais casos, já é de novo de 0,71, isto segundo o cálculo do INSA para 21 de fevereiro. O valor mais baixo foi atingido a 12 de fevereiro, 0,63. No Algarve o RT é superior, 0,73, mas são muito menos casos. Abaixo de 1, os casos continuam a descer, mas um eventual recrudescimento em Lisboa, onde se estima também maior prevalência da variante inglesa, mais contagiosa, é uma das luzes vermelhas que podem acender. E se o RT continuar a subir, e nos dados de mobilidade parece haver já um aligeirar no confinamento, as decisões podem tornar-se mais difíceis.

 

Teste antes da Páscoa?

O consenso de que o desconfinamento terá de ser faseado e com travão de emergência à mão são algumas ideias que vão estando em cima da mesa. Entre os especialistas, há também quem defenda que, embora possa haver vantagens em baixar a incidência o mais possível e aliviar os hospitais ao longo de março, também poderia ser vantajoso começar a reabrir a 15 de março, desde logo as creches e escolas de alunos mais novos, também como ‘teste’. Isto porque haveria duas semanas de aulas e depois o período das férias da Páscoa, revisto para 29 de março e 1 de abril, que todos os sinais quer do PR quer do Governo são de que deverá manter-se com restrições. «Ao abrirem esses 15 dias, teríamos uma indicação do impacto da abertura dessa atividade. Até aos 12 anos seria 1 270 000 crianças e seria uma maneira de ter alguma indicação do impacto da abertura e possível maior mobilidade dessas famílias. Havendo a Páscoa, conseguiríamos ter um período para avaliar o impacto com maior segurança», defendeu Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que trabalha com o epidemiologista Manuel Carmo Gomes. «A ideia é que se não o fizermos antes da Páscoa, teremos de o fazer depois e isso vai atrasar a abertura dos outros ciclos escolares», considera.

Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, sublinha que o planeamento é essencial nesta fase, não só dos indicadores mas de toda a vertente de testagem e rastreio, que será necessário quando o país começar a reabrir. «As escolas não podem abrir já porque não temos condições para isso. E não temos ainda por não termos confinado mais cedo, pela semana entre 15 e 22 de janeiro em que por má fundamentação se mantiveram as escolas abertas. É evidente que vamos ter de desconfinar começando pelas creche e pelo ensino primário, o problema será escolher o momento certo. E é evidente que se tivéssemos confinado as escolas logo no dia 15 essa decisão hoje seria mais fácil».