Foi uma das notas de preocupação deixadas pela ministra da Saúde no final da última reunião do Infarmed no início da semana passada: sinais de relaxamento no confinamento. “Sabemos que os valores a que chegámos são valores que resultam de um esforço e, se esse esforço se inverter, voltaremos a atingir números de incidência e números de risco de transmissão que não são compatíveis com o que precisamos de garantir”, apelou Marta Temido. As análises de mobilidade tanto da Google como do Facebook têm mostrado uma ligeira subida na mobilidade em Portugal, depois de um confinamento que já não foi tão acentuado como o do ano passado. Apesar do apelo, os dados mais recentes, desde logo deste fim de semana, mostram que a tendência para sair de casa continua a aumentar. Viu-se nas ruas, mas não só.
Ao i, Nuno Santos, analista de dados da consultora PSE, que monitoriza diariamente a mobilidade numa amostra representativa da população portuguesa, sublinha que a tendência de desconfinamento tem sido gradual e ligeira mas “sustentada” e os dados dos últimos dias reforçam-na. Este sábado, com bom tempo, é ilustrativo: se a redução de mobilidade aos sábados no primeiro confinamento chegou a ser no ponto máximo de 75% face ao que eram as deslocações normais, neste confinamento foi no máximo de 67% na primeira de semana de fevereiro após o fecho de escolas e este fim de semana a quebra já foi apenas de 49%, com mais 10% de pessoas na rua do que na semana anterior. Antes da pandemia, estima a PSE, costumavam sair de casa ao sábado cerca de 6,5 milhões de portugueses.
Agora terão sido de novo perto de 3,3 milhões na rua. “Significa grosso modo que houve mais um milhão de pessoas na rua do que nos sábados anteriores. Foi o sábado com maior mobilidade desde o início do ano”, diz o responsável.
Durante a semana passada manteve-se também a tendência de aumento da mobilidade, diz Nuno Santos, com o maior “desconfinamento” desde o fecho das escolas a 22 de janeiro. Segundo a análise da PSE, o confinamento atingiu o ponto máximo na semana em que fecharam as escolas, quando houve uma redução de 40% da mobilidade, menor que no primeiro confinamento quando chegou a ser de 60%.
Desde então, foi subindo e na última sexta-feira já se verificou 75% da mobilidade normal pré-pandemia, ou seja, uma redução de 25%. Antes da pandemia, os dados da consultora permitem estimar que diariamente circulavam no país 7,5 milhões de pessoas, Na semana em que fecharam as escolas saíram de casa 4 milhões e na última sexta-feira já houve quase 6 milhões de pessoas a fazer deslocações de algum tipo.
Homens e classes mais baixas saem cedo de casa O estudo feito pela PSE, que começou em 2019, segue a mobilidade de 3760 pessoas no país, que autorizam a monitorização das deslocações através de GPS. Dados que até à pandemia eram usados em marketing, exemplifica Nuno Santos, e se tornaram mais uma ferramenta para avaliar a mobilidade em tempo de covid-19, tal como as disponibilizadas pelas gigantes tecnológicas que utilizam dados mais gerais como check-ins em determinadas localizações.
Nuno Santos explica que além de uma visão geral sobre mobilidade, o painel permite ter um ideia de diferenças comportamentais em diferentes segmentos populacionais, já que é uma amostra representativa da população quer em termos de faixas etárias quer de estratos sociais. Aqui, o analista sublinha que o comportamento parece ser idêntico ao do primeiro confinamento: quando aumenta a perceção do risco associado à pandemia, quando há mais casos e mais mortes, há um reforço da tendência a ficar em casa, sobretudo nas pessoas com mais de 50 anos e nas mulheres, que têm tido maiores índices de confinamento.
Já quando os sinais são de melhoria epidemiológica, a tendência é para um alívio do confinamento, sendo que se verifica com maior preponderância nos homens e segmentos da população com menores rendimentos, assinala Nuno Santos, que considera que este tipo de diferenças devem ser tidas em conta pelos decisores quando traçam objetivos e metas para a mobilidade da população. “A nossa análise permite-nos perceber que existem quatro tipos de perfis. As pessoas que cumprem sempre, as pessoas que cumprem pontualmente, as pessoas que não conseguem cumprir porque não têm condições e as pessoas que nunca cumprem, que são uma minoria. E por isso deverá ser tido em conta nas estratégias e na comunicação e medidas”, defende. “Temos 35% a 40% que quando podem ficam em casa, mas que acabam por continuar a deslocar-se, seja pela atividade que exercem ou pela sua estrutura familiar. Se as autoridades entendem que é necessário prevenir o desconfinamento, é preciso criar condições para tal e educar”, salienta.
Além de estar a aumentar a frequência com que se sai de casa, Nuno Santos nota que também se verifica um aumento das deslocações mais longas. A percentagem de pessoas que sai de casa quatro ou mais vezes por semana já subiu de 30% para 36% e também 35% fizeram na última semana deslocações superiores a 15 quilómetros, que classificam como de média e alta intensidade. Para o analista, os próximos dias serão importantes para perceber se existe uma estabilização desta tendência ou se o “desconfinamento” prossegue, salientando que fatores como as condições meteorológicas acabam por ser uma das variáveis, nomeadamente ao fim de semana. Se o desconfinamento vinha a aumentar ligeiramente, neste o salto acabou por ser maior do que no anterior, com pior tempo.
Mobilidade igual a maio do ano passado A esta altura os níveis de mobilidade já são idênticos aos que existiam em maio do ano passado, quando o país saiu do primeiro confinamento, assinala Nuno Santos, sublinhando que ainda assim ainda há muita gente em casa: as que antes da pandemia já saíam menos, que estimam que sejam 25% a 28% da população, a maioria idosos. E cerca de 30% a 25% que se mantém confinada. O investigador salienta que era expectável que houvesse um alívio gradual por fatores como a fadiga pandémica, mas defende que estes dados devem ser tidos em conta na definição de metas. “Os estudos têm apontado que é preciso haver uma redução de 40% na mobilidade para ter impacto na incidência de novos casos de covid-19. Este confinamento conseguiu na primeira semana essa redução. Agora já estamos abaixo de 30% e na sexta-feira foi 25%. O grande desafio é definir um quadro de regras e de indicadores objetivos como neste momento os especialistas estão a tentar definir e se chegar à conclusão que é preciso reduzir o stock de mobilidade 5%, 10%, 15%, a situação a cada momento e as diferenças comportamentais são aspetos centrais a ter em conta”.