Maioria dos contratos do Estado publicados sem data e prazo de execução

Nova auditoria do TdC conclui que persistem “insuficiências e deficiências” na publicitação de contratos públicos. Ao longo de 2020 contratos “covid” envolveram mais de mil milhões de euros.

É a terceira avaliação do Tribunal de Contas aos contratos feitos por entidades públicas ao abrigo do regime excecional que simplificou as regras das compras públicas para uma resposta mais célere à pandemia e a terceira vez que surge a mesma advertência, ipsis verbis: a divulgação dos contratos no Portal Base e comunicação ao TdC continua a não ser respeitada, com a maioria das comunicações a não indicarem a data de celebração ou o prazo de execução do contrato. “Tais insuficiências e deficiências, também já identificadas nos relatórios anteriores, limitam a melhor e mais fina apreciação dos contratos, pelo que motivaram a formulação reiterada de recomendações dirigidas às entidades adjudicantes no sentido de procederem ao registo completo da informação”, reforça o TdC na avaliação divulgada esta quinta-feira, que diz respeito ao último trimestre de 2020 e fecha a análise do 1o ano da pandemia.

Em causa está o regime excecional de contratualização pública que entrou em vigor há um ano. Os ajustes diretos deixaram de ter um limite de valor quando se trate de contratos que visem a prevenção, contenção, mitigação e tratamento da doença, bem como para reposição da normalidade, em razão de “imperiosa urgência”. O Governo aliviou outras regras, com a obrigatoriedade de contratação através de acordos-quadro, limitação de adjudicações ao mesmo cocontratante e várias entidades passaram a estar isentas da fiscalização prévia dos contratos pelo TdC, inicialmente em contratos até 350 mil euros e a partir de julho até 750 mil euros. Em contrapartida, os contratos devem ser publicitados e remetidos ao tribunal quando tal se aplica no espaço de 30 dias.

De acordo com a auditoria, em 81,3% dos contratos (5.046 de 6.208) a informação preenchida no Portal Base não inclui a data de celebração. Na mesma proporção falta também a referência sobre o prazo de execução. “Continuam a existir ‘demasiados’ casos em que o campo ‘local de execução’ está apenas preenchido com ‘Portugal’, ou seja, incompleto”, lê-se ainda na análise. “Do cruzamento da informação obtida através do Portal BASE com a recebida no TdC detetaram-se adjudicações/contratos que não foram publicitados naquele portal e vice-versa”, assinala ainda o TdC, admitindo que em alguns casos ainda se estivesse, à data da elaboração da auditoria, dentro do prazo.

81 contratos sem visto representaram 68% da despesa

Com base nos dados disponíveis, o tribunal conclui que dos 6208  contratos abrangidos pelo regime excecional entre outubro e dezembro, 81 foram situações em que houve dispensa de visto prévio, a maioria no intervalo entre 350 e 750 mil euros. Apesar de serem a minoria dos contratos sinalizados, representam 68,1% da despesa neste período, 172,2 milhões num total de 252,8 milhões de euros gastos pelas diferentes entidades públicas. O TdC conclui que a despesa foi menor do que nos dois trimestres anteriores e que os contratos de maior valor foram outorgados por entidades da área da saúde, o que nem sempre aconteceu nas avaliações anteriores. Cascais e Força Aeréa chegaram a estar no top 25.

O relatório apresenta os contratos com valores mais elevados fechados neste período. A lista é encabeçada pelo contrato feito entre os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e a MEO para Exploração do Centro de Contacto do SNS (SNS24). Contrato no valor de 32 milhões de euros (mais IVA). Este é um exemplo em que o formulário no Portal Base está preenchido: foi celebrado a 24 de novembro e o prazo de execução é de 1095 dias (três anos). Em segundo lugar surge um contrato entre a Direção-Geral da Saúde e a Gilead para o fornecimento do medicamento remdesivir, acima de 19 milhões.

O Ministério da Saúde foi o setor responsável pelo maior número de contratos e 85,3% da despesa (€ 215 ME), seguindo-se os contratos feitos por autarquias. Já do lado das empresas com maiores valores contratualizados surge em primeiro lugar a MEO, com 33 contratos, no valor de 39,5 milhões (sendo o maior o do SNS24). O top 25 é de seguida dominado por farmacêuticas, com a Gilead e a Roche em cima. Agora com o ano fechado, a auditoria revela que ao longo de 2020 um total de 19.762 contratos “covid” representaram uma despesa superior a 1002 milhões de euros. Maio foi o mês com mais “compras”. Já os contratos isentos de visto prévio, 489 no total, ascendem a 758 milhões de euros.