O bairro de São João de Brito, na freguesia de Alvalade, próximo do aeroporto, tem sido, ao longo de quase 50 anos, um espaço marginalizado. Agora, parece ganhar o estatuto de parte integrante da cidade. Mas importa, sobretudo, destacar o exemplo de persistência e de resistência da sua população.
Na passada terça-feira estive, com orgulho e emoção, na cerimónia que assinalou o início da requalificação do espaço público do bairro de São João de Brito. Orgulho, porque testemunhei o início da concretização de uma aspiração daqueles moradores que sempre procurei acompanhar, especialmente quando alguns a tentaram eliminar. Emoção, porque há mais de trinta anos (trinta e um, mais precisamente) que testemunho, acompanho e apoio a vontade destas pessoas de quererem viver num sítio ‘normal’, apenas com as condições mínimas de uma cidade que as ignorou durante demasiado tempo. Emoção especial, porque fui convidado para estar ao lado deles, entre eles, num dia importante que também foi especial para mim.
Bem sei que estas obras, por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, têm início quando se aproximam eleições autárquicas e que nestas coisas não costuma haver coincidências. Mas confesso que, neste caso, é o que menos me importa. Interessa-me ver estas pessoas alcançarem aquilo porque sempre lutaram. É de justiça que se trata.
O bairro de São João de Brito nasceu por altura do regresso de muitos portugueses das antigas colónias que construíram, com os seus parcos recursos e com muito esforço, as suas casas modestas em terrenos cedidos pela Câmara Municipal que logo depois ignorou a sua situação. A situação deste bairro sempre foi dúbia: por um lado não era ilegal, mas também nunca foi legalizado. É um bairro de ‘autoconstrução’ em que as pessoas eram donas das suas casas, mas não do terreno onde estavam implantadas.
Foi na freguesia de São João de Brito (atual freguesia de Alvalade) que comecei a fazer política autárquica – daquela que vale a pena. Em 1989, como vogal na Junta de Freguesia, tomei consciência da falta de condições de um bairro onde viviam centenas de pessoas em cerca de 200 habitações. Então, empenhámo-nos em proporcionar condições mínimas como água canalizada ou pequenos arranjos, apelando sempre à atenção da Câmara Municipal. Do município, sempre uma enorme dificuldade em colaborar.
Depois, em 1996, já na Assembleia Municipal, juntei-me aos moradores contra a intenção da CML em proceder ao realojamento forçado de pessoas que queriam continuar a viver no seu bairro. Apesar das pressões, conseguimos. Depois (tempo demais), pouco ou nada foi feito a não ser alguma limpeza. Mais tarde (em 2017) foi dado um novo impulso quando o aeroporto deixou de insistir na pretensão de reservar aquela área para a sua expansão e, enquanto vereador, apoiei o processo de legalização deste bairro através de uma operação de loteamento que permitiu que as casas passassem a ser propriedade dos seus moradores. Foi um momento importante. Ao longo de todos estes anos fui mantendo o contacto, escutando e acompanhando aqueles lisboetas como eu.
Na passada terça-feira, testemunhei, com satisfação, mais um passo na concretização da aspiração de quase 50 anos de uma população que esteve esquecida tantos anos: viver num bairro, ‘apenas’, com condições normais.
Esta é a política que vale a pena, independentemente dos partidos: corresponder e concretizar os anseios das populações. Quando recebi o convite para estar presente nesta cerimónia, só podia responder afirmativamente. Este exemplo de persistência e entrega à comunidade é inspirador.