O Presidente da República tomou posse esta semana e, tal como aconteceu há cinco anos, depois da tomada de posse, reuniu-se com os representantes de várias religiões na Câmara Municipal do Porto. Fez, também, uma visita ao Centro Cultural Islâmico da mesma cidade. É um gesto relevante num momento em que parece que o papel das religiões foi reduzido à insignificância e só são chamadas à colação quando surge um conflito.
No seu discurso, Marcelo Rebelo de Sousa pediu aos dirigentes religiosos que cultivem a tolerância. Penso, no entanto, que o conceito de tolerância é muito pequeno para curar os males da sociedade em que nos encontramos. Nós cristãos conhecemos um conceito que vai além da tolerância – o amor aos inimigos. Sim, em Cristo, existe um amor mesmo àqueles que não nos amam. Ele morreu por nós quando ainda éramos pecadores, isto é, Cristo morre por nós, não pelas nossas virtudes, mas para nos salvar. O próprio Senhor diz que «não há maior prova de amor do que dar a vida pelos amigos».
Em todo o caso, nós sabemos que a tolerância é o princípio do amor. No entanto, é muito curto o conceito. É curto, porque a tolerância não implica um renunciar à sua própria vida, mas apenas não me meter na vida do outro, nas ideias do outro. A tolerância é um conceito tão pequeno que nem mesmo os políticos sabem o que significa: pendem tolerância os que são muito pouco tolerantes.
Há muitos anos que estudo a relação entre o espaço público e a religião e penso que seria chegado o momento de pedir às religiões mais do que tolerância para a construção de um espaço público inclusivo. É tempo de nos sentarmos todos – religiões e políticos – e de nos escutarmos vivamente uns aos outros. Conhecermo-nos uns aos outros e conhecer a sabedoria milenar que existe em cada uma das religiões.
Não se trata de fazer um sincretismo religioso, mas de encontrar um espaço de encontro e de partilha capaz de reconhecer no outro uma força transformadora. Este encontro entre o Presidente da República e os representantes das diferentes religiões é um encontro, de certa maneira, profético. No entanto, precisa de ser alargados às diferentes dimensões da vida pública portuguesa, porque nós, hoje, não nos sentimos representados nem escutados por quem nos deveria representar.
O filósofo Jürgen Habermas considera a filosofia crítica como herdeira da religião e, desta forma, substituta da mesma. O desencantamento do mundo, de Max Weber, profetizava uma saída da religião do espaço público e da vida das instituições que estaria inerente ao processo de secularização próprio das sociedades modernas. No entanto, parece que a religião não desapareceu e, de certa forma, está a reconfigurar-se: os evangélicos ganham poder na América Latina e nos Estados Unidos da América; o islão começa a dominar a Europa e é palco de vários conflitos e diferentes países africanos, etc.
Não podem os políticos pedir-nos tolerância às opiniões contrárias às nossas, quando nunca nos perguntam as nossas razões e opiniões. Se há seja intolerante, neste momento, são os poderes públicos que relegam os fenómenos religiosos para esfera do privado e depois, quando há problemas, pedem ajuda para resolver esses mesmos problemas.
Talvez devamos deixar a tolerância de parte e passarmos ao amor. A tolerância respeita todas as posições, mas o amor escuta todas as posições. Não há democracia verdadeira sem escuta das razões de cada um e nós vivemos, supostamente, numa democracia.
É, pois, chegado o momento de se criarem formas de escuta e de consideração da sabedoria religiosa que se possa ter em conta na vida pública portuguesa. É preciso ousar e criar espaços de diálogo representativos da sociedade. Isso é democracia! Isso é escutar! Isso é amar!