José Ribeiro e Castro: “Portugal precisa de superar o esquecimento em relação a Olivença”

Olivença encontrou em Lisboa um aliado. Ribeiro e Castro ‘apaixonou-se’ pela terra e pelas suas gentes, contribuindo decisivamente para que, hoje, mais de 1.300 oliventinos já tenham requerido a nacionalidade portuguesa.

 

Tem-se dedicado, nos últimos anos, à causa de Olivença. Como ‘despertou’ para esta terra e para as suas gentes?

A questão de Olivença é conhecida da minha juventude. Nos anos de 1970, visitei a cidade mas nem percebi a sua riqueza extraordinária. Só em 2010, quando era presidente da comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia da República, é que despertei verdadeiramente para Olivença, através de uma petição antiga, que estava pendente e resolvi ‘desenterrar’. A petição era sobre Olivença e é nesse processo, através dos peticionários que pertenciam ao Grupo ‘Amigos de Olivença’, que conheci a associação ‘Além Guadiana’. Já tinha lido algumas coisas sobre o que se passava em Olivença, a recuperação de registos e património de origem portuguesa, a toponímia ou a calçaça nas ruas… E sabia que esse era um trabalho desenvolvido, desde 2008, pela ‘Além Guadiana’. Convidei-os a virem à Assembleia da República e foi aí que os conheci. Havia quatro grandes impulsionadores: Joaquin Becerra, José Carrillo, Eduardo Machado e Raquel Antuñez, ‘Os Três Mosqueteiros’, como lhes chamava (que neste caso também eram quatro). A partir desse momento, tem sido uma relação muito intensa. E tenho visitado assiduamente Olivença.

Assumiu um papel fundamental para que os oliventinos pudessem passar a requerer a nacionalidade portuguesa. Porquê e como?

Surgiu nessa altura, nas conversas na Assembleia da República. Perguntaram-me se os oliventinos poderiam, se quisessem, requerer nacionalidade portuguesa e disse-lhes que sim. A posição oficial do Estado português é que Olivença é portuguesa, portanto, quem nasce em Olivença nasce em Portugal. Mais tarde, vim a encontrar um parecer da Procuradoria-Geral da República de 1951 que tinha sido homologado e dava enquadramento legal para que os oliventinos pedissem a nacionalidade. Aliás, o grosso dos oliventinos que têm obtido a nacionalidade portuguesa têm-no conseguido por nacionalidade originária. O processo levou algum tempo a implementar, mas está nos ‘carris’ desde 2014/2015.

E como tem assistido a este ressurgimento do interesse dos oliventinos por Portugal? Foram apresentados até ao momento mais de 1.300 pedidos de nacionalidade portuguesa…

Creio que é muito natural. Os próprios oliventinos vivem isso com naturalidade. E em Espanha isso não causa celeuma. Às vezes, o problema é mesmo do lado de cá. Temos uns mitos que bloqueiam um bocadinho o processo mental relativamente a Olivença. E os oliventinos, de alguma forma, sentem isso. Há um grande contraste entre a intensidade das reclamações destas pessoas, que sentem Olivença como terra portuguesa, e o enorme desinteresse de Portugal e da maioria dos portugueses em relação a Olivença.

Foi para despertar Portugal para Olivença que lhe dedicou o seu discurso de despedida da Assembleia da República?

Sim, Portugal precisa superar o esquecimento em relação a Olivença.

O passado tem sido tema polémico e de debate em Portugal. Acontece em relação aos Descobrimentos, aconteceu na morte de Marcelino da Mata. Olivença é outro exemplo de como é difícil para os portugueses lidarem com o seu passado?

Creio que essa questão não se atravessa com Olivença. Acho que o problema, aqui, é um pouco ao contrário. Sente-se que há ali uma injustiça histórica na relação com Espanha e, muitas vezes, é isso que vem ao de cima. Existe, de facto, um diferendo entre Estados, porque Portugal entende, e bem, que tem a razão jurídica do seu lado e Espanha entende que a posse daquele território deve estar, de facto, do seu lado. Há aqui um problema de melindre. Por exemplo, há uma história bastante conhecida das curvas e contracurvas burocráticas para a construção da nova Ponte da Ajuda, no final do século passado, mas também acredito que existe uma solução para isso. E na prática as pessoas aceitam-na. O discurso que há bocado referiu foi muito nessa linha: Portugal tem de declarar que Olivença é um território português sob administração espanhola. E declará-lo com naturalidade. A partir daqui, tudo o que fizermos em colaboração com as autoridades espanholas, sejam nacionais, regionais ou locais, fica coberto por esta declaração e não podem ser utilizadas contra Portugal. Isso é fundamental. Por exemplo, se houver interesse de se aprender português em Olivença, o Ministério da Educação poderia organizar cursos na cidade.

Mas as autoridades locais já implementaram o ensino do português nas escolas…

Sim, mas o importante é essa cooperação ser feita de forma oficial. Esta é uma situação um bocadinho ridícula.  Se eu quiser fazer um festival de fado em Olivença, com o apoio do Ministério da Cultura, não posso, mas em Badajoz ou Mérida já posso. Há aqui um complexo que é preciso vencer, sem quebra da posição portuguesa, que permita normalizar as relações entre países. Esta fórmula parece-me suficiente e satisfatória para os dois lados.

Faz então mais sentido, nesta fase, falarmos de Olivença através da história e da cultura e não tanto de política ou território.

Sim, e isso não nos deve chocar. Eu chamo a Olivença a nossa pequena Alsácia, a região disputada por França e Alemanha. É natural que nas zonas raianas existam fenómenos de ‘osmose’ entre as duas presenças. São as duas culturas que coincidem no mesmo espaço e isso até pode ter um simbolismo para o futuro. Olivença foi um ponto de conflito entre os dois vizinhos mas pode agora ser um nó da paz entre Portugal e Espanha. É terra franca.

É curioso ser o Estado espanhol, com tantas questões delicadas em matéria de nacionalidades, estar hoje mais ativo na defesa da cultura portuguesa em Olivença do que Portugal.

O que sinto é que existe  na nossa diplomacia uma hipersensibilidade, um receio, um medo, um pavor de ferir suscetibilidades.

O facto de Olivença ser uma ‘ferida aberta’ desde 1801 explica essa posição?

É a origem de todo o problema, mas não é certo que sejam os oliventinos que sentem Portugal a pagarem o preço. A evolução na qual tenho participado é natural, sem crispações. Tenho a maior amizade pelos nossos vizinhos espanhóis. O próprio Tratado de Zamora, em 1143, não foi precedido de nenhuma guerra ou batalha. E não queremos fazer de Olivença um ponto de conflito. Existe o diferendo, mas é preciso que os Estados encontrem a sabedoria para fazer evoluir a questão de acordo com os interesses das populações. A mim interessam-me sobretudo as pessoas daquela terra.

Até onde podemos chegar. Há quem aponte para oito mil portugueses oliventinos nos próximos anos…

É possível. Um querendo já é bom. Agora quantos ‘uns’ vão ser não sei. Essas questões são muito pessoais, as histórias e as razões são muito diferentes. É um processo pessoal e que se desenvolve com grande naturalidade. É com naturalidade, por exemplo, que todos os anos, de forma simbólica, muitas vezes com mais dignidade do que em muitas terras portuguesas, se comemora o 10 de junho em Olivença. Foram também muito significativas as duas missas celebradas recentemente em português na Igreja da  Madalena,  algo que já não acontecia desde meados do século XIX.

Em Olivença sente-se que há oliventinos a sentirem Portugal como o fazem os emigrantes ou quem vive desenraizado…

É verdade que houve uma aculturação espanhola muito intensa em Olivença, principalmente a seguir à Guerra Civil espanhola. Depois também a rádio e a televisão ‘esmagaram’ o português que era, de facto, a língua que se falava em Olivença até à década de 1930. É preciso, portanto, aceitar este quadro de biculturalidade, esta dupla pertença, respeitando aquilo que é a história das pessoas e de uma terra que, sendo nosso território, é administrada pelos nosso vizinhos. E creio que esta é também a agenda que melhor interessa aos oliventinos, o facto de ser um território com esta identidade torna esta terra muito atraente do ponto de vista turístico e pode ser um fator de procura. E vale muito a pena conhecer Olivença.

Como viu o facto de Portugal ter encerrado a nova Ponte da Ajuda para controlar a pandemia? Foi fechada uma fronteira que Portugal, por lei, não reconhece…

Isso é normal. Entendo a curiosidade, mas não julgo que seja um caso. Trata-se de uma fronteira por razões sanitárias e as barreiras seriam postas no local definido pelas autoridades espanholas que administram o território. Até seria mau se Olivença se tornasse notícia por ser um ‘furador’ do sistema de segurança sanitária das populações. Ainda bem que o não foi.

Terminamos esta conversa falando muito de história, de cultura, mas pouco de política. É o fim da ideia romântica de, um dia, Olivença poder regressar a Portugal?

Acho que essas questões têm de ser encaradas com os pés bem assentes na terra e olhando o dia-a-dia. Temos é de vencer as dificuldades, um dia de cada vez, e não darmos passos maiores do que a perna, porque isso não corresponde aos problemas que existem e até pode resultar ao contrário. O que posso dizer é que me tenho empenhado a responder às pessoas. Quanto ao passado, há uma certeza: nem Deus o pode modificar. Quanto ao futuro, só Deus o sabe. Quanto ao destino político de Olivença, isso é uma questão que os Estados têm de decidir na altura própria. Não tenho uma agenda de desforra, isso seria muito negativo e acho que foi o excesso dessa agenda que prejudicou durante 200 anos a evolução do problema. Acho muito importante que existam na sociedade portuguesa grupos como os ‘Amigos de Olivença’, que recordam a essência do problema, mas é necessário que outras pessoas vão ao encontro das pessoas, respeitem as autoridades, percebam as circunstâncias e façam avançar as relações entre Olivença e Portugal.