De acordo com o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, a proposta do Chega de castração química para reincidentes em casos de violação aponta inconstitucionalidades "insanáveis", é descomunal e "redunda numa pena cruel, degradante e desumana",
A proposta vai ser votada, esta quarta-feira, na comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, depois de ter sido pedido pelo Presidente da Assembleia da República a 9 de março, quando o Chega entregou um projeto que visa aumentar as penas para o crime de violação e a criação de uma pena acessória de castração química para reincidentes.
"As inconstitucionalidades identificadas são insanáveis no decurso de um eventual procedimento legislativo", lê-se no documento escrito pela deputada-relatora não inscrita Joacine Katar Moreira, acedido pela agência Lusa, acrescentando que a proposta "não reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em plenário".
Em 14 páginas, Joacine cita vários constitucionalistas e aponta que "a pena acessória de castração química, a aplicar ao agressor sem que este dê a sua anuência, não só não constitui uma sanção proporcional ou necessária (…) para a concretização dos fins do Direito Penal, quer de prevenção geral, quer de prevenção especial", porém também é "manifestamente lesiva da dignidade da pessoa humana" e "redunda numa pena cruel, degradante e desumana".
Segundo o parecer, "dificilmente poderá considerar-se que existem dados empíricos satisfatórios para alicerçar a crença de que 'este é um passo decisivo na luta contra a criminalidade sexual em geral', ou para argumentar a favor da essencialidade ou eficácia da proposta", sendo que a proposta do Chega também "não oferece fundamentação densificada para sustentar esta tese".
Joacine Katar Moreira explica que "neste sentido, parece aderir-se a uma ideia de retribuição ou vingança como objetivos últimos do Direito Penal".
A deputada-relatora não inscrita alega que o projeto de lei do partido de extrema-direita propõe a utilização da pena acessória da castração química "sem, no entanto, regular o início e término do tratamento, […] podendo o autor do crime ficar sujeito a esta pena acessória durante o decurso da sua vida", ao violar o nº1 do artigo 30º da Constituição, que determina que "não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida".
Além dos problemas que esta pena pode causar ao nível da reprodução, também poderá ter efeitos secundários consideráveis "em resultado do uso mais ou menos prolongado dos medicamentos hormonais", tais como depressão, convulsões ou perda de memória e capacidades cognitivas.
Joacine Katar Moreira salvaguarda que o reconhecimento do direito à integridade pessoal não impede que "sejam concebidos programas de intervenção que promovam a minimização dos índices de reincidência", a partir de medidas que promovem o tratamento, a reabilitação e a reintegração em sociedade dos autores destes crimes, com uma abordagem "flexível e terapêutica".
Caso o parecer seja aprovado pela comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o presidente da Assembleia da República irá decidir se a iniciativa do Chega poderá ser debatida em sessão plenária ou se será excluída da apreciação pelo parlamento.