Remodelação à vista no Governo

Perito em resistir às pressões – tanto da Oposição como do Presidente Marcelo – para renovar o Executivo, o primeiro-ministro só fez ‘mexidas’ no Governo nos momentos em que entendeu. Agora, a ‘exaustão’ da equipa da Saúde pode ser o móbil para uma remodelação mais alargada.

António Costa tem mantido uma forte resistência a remodelações ou a alterações do seu Executivo. Seja quando algum dos membros do  Governo fica sob fogo da Oposição – como é agora o caso do ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, envolvido na polémica questão da venda de barragens da EDP e noutros dossiês não menos polémicos, como o hidrogénio e o lítio –, seja quando as críticas vêm do próprio Presidente da República – como aconteceu com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, na sequência do caso da morte de um cidadão ucraniano às mãos de inspetores do SEF, ou da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, com a contestada nomeação do procurador europeu.

Sempre que teve de proceder a alterações no Governo – tanto na legislatura passada, como na atual –, António Costa fê-lo quase sempre por iniciativa (ou a pedido) dos próprios ministros. Ainda que, na maioria das vezes, tenha aproveitado o pedido de saída de um para mudar mais uns quantos (foi assim na saída de Constança Urbano de Sousa, em final de 2017, ou de Azeredo Lopes, no ano seguinte).

Ora, com vários ministros desgastados e na mira tanto da Oposição como do Presidente da República, cresce a expectativa entre os próprios socialistas, e não só, de que António Costa estará a preparar-se para ‘refrescar’ o Governo, aproveitando a ‘exaustão’ da equipa da Saúde, há mais de um ano incansavelmente a responder à pandemia da covid-19 e manifestamente já muito próximo do limite para a continuidade, como é notório nos bastidores do setor e da Política.

Entre os socialistas as opiniões divergem sobre o ‘timing’ mais apropriado para Costa dar novo élân ao seu Executivo, não faltando quem defenda que as mudanças deveriam acontecer ainda antes do fim da presidência portuguesa da União Europeia – ainda em abril ou o mais tardar em maio –, por forma a haver tempo de eliminar os focos de descontentamento que poderão ter reflexos negativos nas eleições autárquicas.

Aliás, entre destacados socialistas ouvidos pelo Nascer do SOL, há quem proponha que a melhor forma de ‘lançar’ uma «remodelação que não é apenas desejável mas necessária» seria anunciar a candidatura de João Pedro Matos Fernandes à Câmara do Porto. Isto porque, dessa forma, sem dar razão às críticas da Oposição, Costa poderia matar dois coelhos de uma cajadada: eliminaria dois ativos tóxicos do Executivo (o ministro e o seu também muito contestado secretário de Estado, João Galamba), porque estão inclusivamente sob investigação do Ministério Público, e resolveria o problema da ausência de candidato do PS ao Porto (sendo que as estruturas do partido estão divididas entre o vereador portuense Manuel Pissarra e o secretário-geral adjunto do partido, José Luís Carneiro). Além disso, seria uma forma de fazer justiça a Marta Temido por todo o esforço feito no último ano, retirando-lhe a carga de ser ele o pretexto para a remodelação do Governo. 

 

Candidatos à saída

Com efeito, a inevitabilidade da saída de João Pedro Matos Fernandes e de João Galamba é admitida entre as próprias hostes socialistas, face às revelações públicas dos próprios casos a que estão associados. Entre as quais pesa também o facto de o próprio primeiro-ministro ter sido também apanhado em escutas no âmbito de processos de investigação do MP que têm membros do Governo como alvo. «E Costa não pode admitir ser envolvido a esse ponto», afirma uma fonte próxima do líder socialista.

Já no que respeita ao dossiê EDP, com a venda das barragens  e a isenção do pagamento de mais de 100 milhões em imposto de selo, se a oposição não larga o tema (ver páginas 8-9), os socialistas reclamam que a responsabilidade primeira é da própria Autoridade Tributária, que, tal como Matos Fernandes defendeu,  é a única instituição que «está em condições de classificar se este negócio devia ou não devia pagar imposto de selo».

Para as mesmas fontes, na próxima remodelação governamental uma das ‘vítimas’ praticamente certa é o ministro da Administração Interna, que ainda a semana passada foi desautorizado por António Costa a propósito da data para a realização das próximas eleições autárquicas – o ministro avançou com a hipótese de as eleições poderem decorrer em dois fins-de-semana consecutivos, mas, quando a Oposição já se preparava para alimentar o debate, o primeiro-ministro veio atalhar caminho e afastar qualquer alteração: é um dia tal como sempre esteve previsto e não há mais conversa.

Eduardo Cabrita, fragilizado pelo caso das ‘golas inflamáveis’ compradas pelo Estado e distribuídas aos bombeiros depois dos incêndios de 2017, ficou com guia de marcha carimbada com o caso Ihor Homeniuk, torturado até à morte por inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nas instalações do aeroporto de Lisboa. A ausência de medidas adequadas à gravidade do caso e a demissão tardia da diretora do SEF (apenas meses depois do sucedido e apenas perante a pressão mediática), deixou o ministro sem condições para se manter na pasta por muito mais tempo – como, aliás, o próprio Marcelo Rebelo de Sousa repetiu na campanha eleitoral para as presidenciais que ditaram a sua reeleição.

Também na lista de ‘remodeláveis’ está o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, que falhou por completo todas os prazos e compromissos de distribuição de computadores aos alunos dos ensinos básico e secundário. Depois de ter prometido no Parlamento que todos os alunos estariam em condições de ter aulas via internet no início do ano letivo, Tiago Brandão Rodrigues só encomendou em janeiro deste ano os computadores que deveriam ter sido distribuídos em setembro de 2020.

Quem já parece ter ultrapassado a pior fase de constetação é a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, cuja permanência no cargo foi posta em causa pela celeuma causada pela nomeação do representante português na procuradoria europeia. Assumidos parcialmente os erros cometidos, nada mudou de substancial – manteve-se em funções o procurador português que acabou por ser escolhido em detrimento da procuradora que ficou em primeiro lugar no concurso –, mas Francisca Van Dunem já parece ter saído da mira da Oposição.

Por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, parece que vai continuar a distanciar-se como recordista de tempo em funções governativas desde o 25 de abril, uma vez que emitiu nota já publicada no Nascer do SOL segundo a qual é falso que tenha pedido a António Costa para deixar o Governo no final da presidência portuguesa da União Europeia (em julho).

 

Em outubro logo se vê

Ouvido pelo Nascer do SOL, o politólogo João Pereira Coutinho confessou duvidar que António Costa mexa no Executivo antes das eleições autárquicas. «António Costa sempre gostou de manter uma fachada de unidade nos momentos mais difíceis. Basta lembrar os incêndios de Pedrógão e o tempo que demorou a perceber que a ministra da Administração Interna não era a indicada para o lugar». Para Pereira Coutinho, só a «falta de dinheiro» poderá obrigar a mexidas no Executivo. E acrescentou que António Costa não terá facilidade em fazer ‘alterações de fundo’. «Este é um Governo fraquíssimo, composto por gente fraquíssima», argumentou o politólogo, reforçando: «Esta dificuldade de António Costa já era sentida muito antes da pandemia nos bater à porta, e, quando há tantos sinais de desorganização, ser secretário de estado ou ministro não é a carreira de sonho para ninguém».

No mesmo sentido, um destacado deputado socialista defendeu ao Nascer do SOL que, além de tudo o mais, António Costa não tem interesse em alterar os membros do seu Executivo, porque lhe servem de ‘escudo’ nas diferentes polémicas em que o Governo está envolvido.

António Campos, fundador do PS e histórico do partido, confessou ao Nascer do SOL, ainda assim, desvalorizar a realização ou não de uma renovação no Governo, que diz não ser a situação mais importante a ter em conta num momento pandémico, classificando as diferentes polémicas como «pequenas coisas» em relação aos «grandes problemas com que nos defrontamos». O socialista não coloca a questão da remodelação do Governo, acreditando que no momento pandémico «todos os ministros estão fragilizados» e «não há heróis». «A grande preocupação neste momento é como resolver o problema em outubro. Agora há uma cobertura boa que é a da pandemia, que todos nós vivemos com intensidade, e depois voltaremos ao ciclo político normal da discussão», conclui António Campos.