Há quanto tempo não vê as suas filhas?
Há quase dez anos.
Como é a vida de um pai que passa quase uma década sem ter uma única notícia dos filhos?
É um pesadelo, um permanente sobressalto. Como se nos tivessem arrancado parte de nós e a ferida não sarasse. Mas não é um pesadelo só para mim: é para os avós, para as primitas com quem cresceram. E para elas próprias também deve ser, mesmo que as tentassem ‘envenenar’ contra mim, pois é impossível apagar as boas memórias de infância a alguém. Não as roubaram só de mim – arrancaram-nas a toda a família, de repente, e fizeram o mesmo com elas. Isso é criminoso.
Das diligências que eu fiz para tentar localizar as suas filhas (e hoje são ambas maiores de idade), nem elas, nem a mãe, nem o namorado com quem foi viver depois da vossa separação, trabalham. Pelo menos, não fazem descontos. Os cartões de cidadão e passaportes de todos estão caducados há muito tempo. Estejam onde estiverem, estão ilegais… O mais certo é não estarem no país…
Ou estarem mortas. Ou serem escravas sexuais… Quando nada se sabe, teme-se o pior. E a Justiça parece achar isto normal. Desaparecem três pessoas, não há rasto delas e parece estar tudo normal (voz trémula).
Apresentou duas queixas pelo desaparecimento das suas filhas – uma na PSP e outra na PJ – e ambos os processos foram arquivados. Só agora teve acesso a eles. Do que leu, houve alguma coisa que o chocasse?
O que mais me surpreendeu foi ter percebido que, depois de deixar de saber do seu paradeiro, e apesar dos avisos que fiz às autoridades em relação ao companheiro da minha ex-mulher, elas ainda ficaram em Portugal durante um ano e a Polícia não as conseguiu apanhar. Aliás, houve até um elemento da PSP que encontrou a minha filha mais velha, a Beatriz, mas deixou-a ir.
Porquê?
Porque a Beatriz lhe disse que ela e a irmã estavam bem e nem percebia por que é que eu as procurava, uma vez que, depois da separação, em 2011, nunca me preocupei com elas. Ora, até elas desaparecerem, em maio de 2012, eu estive com elas todos os fins de semana que ficaram estipulados. Nada na nossa relação se tinha alterado, a não ser já não estarmos juntos todos os dias. Éramos muito carinhosos uns com os outros. Bastava a PSP ter falado com os amigos e a família, para saberem que isso era falso. Depois havia muitos sinais preocupantes, pois elas tinham mudado completamente os seus hábitos: antes passavam a vida no Facebook e, de repente, desapareceram das redes sociais. Os telefones foram desligados, ninguém mais as conseguiu contactar.
A sua filha Beatriz tinha acabado de fazer 18 anos. Era maior. A Polícia não a podia forçar…
Mas a Raquel tinha apenas 12 anos, abandonara a escola e ninguém sabia se estava bem ou não. Aliás, a resposta da Beatriz não faz sentido algum. Havia bem pouco tempo que me tinha pedido para ficar a viver comigo, porque não gostava do companheiro da mãe. Será que não passou pela cabeça desse senhor da PSP que ela estivesse com medo, que temesse represálias, que estivesse a ser coagida? E deixou-a ir embora sem os tentar localizar? Aliás, como eu verifiquei agora no processo, o namorado da minha mulher, o João Coelho, estava foragido à Polícia. Percebe-se melhor porque nunca quiseram que se soubesse a morada onde viviam! E com os meus direitos como pai e o meu desespero, alguém se importou? E, afinal, estavam tão perto de mim! Vivo em Alcobaça e elas estavam em S. Martinho do Porto, a pouco mais de vinte quilómetros.
Quando a sua mulher lhe pediu o divórcio e saiu de casa com as suas filhas, alguma vez pensou que ela pudesse fugir com elas?
Não. Porque a Sandra sempre foi boa mãe e nunca me ocorreu que pudesse privar as meninas do contacto com o pai. E apesar de, na altura, eu estar muito apaixonado por ela, e ter sido um choque a separação, nunca lhe criei qualquer obstáculo. Até para salvaguarda do bem-estar psicológico das minhas filhas.
Mas sabia que a sua mulher já vivia com outra pessoa?
Não percebi de imediato que havia outra pessoa. Ela escondeu. Só soube pela minha sogra. Mas mesmo quando fiquei a saber, começámos a tratar do divórcio e da regulamentação do poder paternal amigavelmente. Tínhamos chegado a um acordo: eu podia visitar as minhas filhas quando quisesse e elas passariam os fins de semana comigo, de quinze em quinze dias. Tudo correu bem durante um ano…
E as suas filhas não lhe falaram do namorado da mãe?
Falavam pouco. Percebi que tinham receio, que estavam instruídas. Como já lhe disse, um dia a Beatriz disse-me que não queria voltar para casa da mãe, que queria ficar a viver comigo. Mas eu não a podia separar da irmã, que estava muito fragilizada com o divórcio. Expliquei-lhe que talvez um dia isso pudesse acontecer, mas agora eu não as queria separar.
Isso podia ser um sinal de que alguma coisa não estava bem…
Pois, e hoje arrependo-me muito por não ter feito mais. Mas como é que eu ia adivinhar? Pensei que, como passara pouco tempo desde a separação, fosse a reação típica de uma filha que não gosta de ver o pai substituído.
Quando as suas filhas o iam visitar, a mãe colocava-as na camioneta e depois regressavam pelo mesmo meio. Isso não é muito comum… Parece que as miúdas eram uma encomenda ou um embrulho. O Ricardo não tinha carro?
O problema foi sempre o sigilo em torno da morada deles. Não sei o que se passou com a Sandra. Sempre foi uma mulher doce e, de repente, ficou quezilenta. Não me atendia o telefone e as minhas filhas tornaram-se ‘mensageiras’ entre ambas as partes. As meninas, que deviam ter medo, diziam que não queriam que eu as levasse porque a mãe proibira. O meu erro foi ter feito tudo para respeitar o espaço da Sandra. Só soube a morada deles quando fugiram e o senhorio me procurou para cobrar as rendas que eles nunca pagaram.
Acha que a Sandra pode ser também uma vítima?
Acho, acho! Acho que, quando ela percebeu quem era o João Coelho, já era tarde demais para saltar fora. Já estaria tão embrulhada nas coisas dele que já não lhe era possível voltar atrás. Se ela tivesse recuado, tinha ficado com a casa, como eu lhe prometi, e com as meninas. Nem sei como ela conseguia sustentar as minhas filhas… Quando desapareceu, deixou muitas dívidas nos cartões de crédito. Fui eu que tive de as pagar.
Não pediu os extratos desses cartões? Através deles era possível localizar por onde tinham andado…
Eu não tinha esse tipo de raciocínio. Nem sabia que isso era possível. Não sou investigador, a Polícia é que devia ter pensado nisso e nada fez quanto a essa matéria.
Que elementos tinha sobre a pessoa com quem a sua mulher passou a viver?
Quando apresentei a queixa à PSP, sabia muito pouco: apenas que ele tinha negócios em Itália e um BMW de dois lugares e matrícula italiana. Parecia ser rico. Aliás, a Sandra tinha-me pedido autorização para ir com as meninas de férias a Itália e eu não deixei, foi uma reação instintiva. Só uns meses mais tarde é que a minha sogra – com quem eu falava muito e que era da Igreja Universal do Reino de Deus – me disse que estava muito apoquentada por a filha se ter ligado ao João Coelho, que era um ex-pastor da IURD e tinha feito um desfalque à igreja. Então, tentei procurar mais informações sobre ele e descobri uma entrevista que ele lhe deu a si uns anos antes de as minhas filhas terem desaparecido. Tratava-se de uma espécie de confissão de que tinha sido pastor da IURD, mas que abandonara a igreja após a ter assaltado. Nessa entrevista, ele contava-lhe (não sei se é verdade ou não) que tinha entrado em esquemas de lavagem de dinheiro e que a igreja se dedicava ao tráfico de armas, diamantes e prostituição. Percebi, pela maneira como ele falava, que era uma pessoa fria e sem escrúpulos. Entrei em pânico e fiz chegar essa entrevista ao processo, mas não serviu de nada.
O Ricardo deixou de ter notícias das suas filhas nos finais de maio de 2012, apresentou queixa na PSP em junho e, no mês seguinte, o MP arquivou o processo. Que leitura faz disso?
Acho que nunca levaram o caso a sério. Aliás, eu estive três vezes na PSP para apresentar queixa e eles arranjaram sempre um pretexto para eu desistir. Só quando fui lá com uma pessoa amiga, que trabalha no Tribunal de Alcobaça e que os conhece a todos, é que aceitaram.
Com que justificação?
Porque achavam que era apenas uma chatice entre o casal, diziam que a minha ex-mulher ia voltar e mandavam-me pensar melhor no assunto. Mas, pelo que vi agora, nesse inquérito não fizeram uma única diligência. Nem sequer pediram o cadastro do João Coelho, isso só foi feito pela PJ muito mais tarde. Só agora soube que nessa altura o João Coelho estava contumaz, por causa de um assalto por arrombamento.
O Ricardo diz que só teve acesso ao processo agora. Mas então não tinha advogado que o fosse colocando a par do desenvolvimento dos inquéritos?
Eu tive uma advogada oficiosa. A minha separação da Sandra, e posterior desaparecimento das minhas filhas, aconteceu num péssimo momento da vida da minha família. Eu trabalhava com o meu pai, que tinha uma empresa de construção civil muito conhecida aqui em Alcobaça. Até aí, vivíamos muito bem, mas a construtora tinha como principal atividade empreitadas de obras públicas. Quando começou a crise que levou à intervenção da troika, em 2011, o Estado deixou de pagar e abrimos falência. O meu pai achou que tinha de pagar tudo aos funcionários, fornecedores e bancos, e então vendemos o que tínhamos para fazer face às dívidas. Fiquei no desemprego e não tinha dinheiro para pagar a um advogado. Só resistiu a perfumaria da minha mãe, onde a Sandra trabalhou mesmo após a separação, mas por pouco tempo. Aliás, essa era outra das minhas preocupações. Um dia, a Sandra entregou a chave da perfumaria e despediu-se. E não tinha condições económicas para cuidar das nossas filhas, conforme se veio a confirmar.
O Ricardo não se conformou com o primeiro arquivamento do MP e apresentou nova queixa, mas desta vez na PJ. Porquê?
Para já, porque não ia fechar os braços sem saber se as minhas filhas estavam bem. A investigação da PSP durou um mês! Só podiam estar a brincar!
O MP entendeu que, como não havia a regulamentação do poder paternal, o caso não podia ser considerado um crime de subtração de menores e arquivou.
Mas havia! Nós estávamos a divorciar-nos amigavelmente, já tínhamos assinado um acordo de regulamentação paternal e isso está no processo. O MP do Tribunal de Família tinha até dado o despacho positivo ao acordo. Só faltava o juiz decretar o divórcio e os acordos celebrados pelas partes. Isso não aconteceu porque ela, entretanto, fugiu. Quem estava em incumprimento era a mãe, mas o MP entendeu que, como não havia ainda o acordo de regulamentação paternal, não havia subtração de menores – e arquivou. E os meus direitos de pai onde entravam no meio disso tudo?
Em 2013, o processo, já nas mãos da PJ, acabou por ser arquivado pelas mesmas razões. A Judiciária ainda pediu ao MP que se fizesse o rastreamento dos telemóveis, mas este não autorizou porque o tipo de crime não o permitia. E no despacho de arquivamento, o MP ainda deu uma ‘bicada’ à PJ, dizendo que esta nem tinha competência para investigar aquele crime…
Eu ainda acredito na Justiça, mas não consigo entender a posição que o MP foi tendo ao longo de todo este processo. Ainda gostava de me encontrar com essa senhora magistrada para lhe dizer que passaram 10 anos e nunca mais vi as minhas filhas. Gostava que soubesse o mal que me fez. Queria perguntar-lhe, olhos nos olhos, se isto tivesse acontecido com os seus filhos ou netos teria tido o mesmo entendimento.
A lei pode ser muito complicada e, levada à letra, pode até ser uma injustiça.
Mas aqui houve dois pesos e duas medidas. Essa senhora magistrada ainda mandou que me investigassem para ver se havia queixas de violência doméstica que justificassem a fuga da minha mulher com as nossas filhas. Claro que não encontraram nada! Em contrapartida, em relação ao namorado da minha mulher, que tinha registo criminal e estava a ser procurado por um crime cometido em Lisboa, não fez nada. Nada!
Havia mesmo indícios que não foram valorizados. Até relatos de que a sua mulher não seria uma pessoa propriamente feliz.
Sim. A diretora de turma da Raquel disse à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) que a última vez que esteve com a Sandra ela chorava compulsivamente, o que não era nada típico da sua personalidade. Mas também disse que a minha filha tinha enviado uma mensagem a uma colega dizendo que a mãe não lhe permitia ter telemóvel nem computador para que o pai não soubesse onde se encontravam, e que estava a usar o telemóvel da mãe às escondidas. A última vez que a minha filha me ligou já não foi do telefone dela, mas de um telemóvel italiano…
Não era italiano, era inglês e pertencia ao companheiro da sua mulher. É típico: quando alguém não quer ser apanhado em interceções telefónicas, usa um cartão de outro país. Aí, as polícias só podem pedir escutas se estiver em causa criminalidade transnacional.
Eu não sei nada disso, não sou polícia. Apenas pensei, quando me ligaram de um telemóvel estrangeiro, que as minhas filhas já podiam estar noutro país. Mas então, pelo que percebi, o facto de João Coelho andar em Portugal com um número estrangeiro, e face aos seus antecedentes criminais, ainda o tornava mais suspeito. Tinham a obrigação de ir atrás dele e não fizeram nada.
Aí foi o MP que colocou muitos entraves à PJ. Aliás, neste despacho de arquivamento percebe-se que a magistrada nem acredita na sua versão. Acha que, se a vítima do rapto tivesse sido uma mulher, as coisas teriam sido diferentes?
Lamento dizê-lo, mas acho que sim. Socialmente, ainda está instituído que os homens são os maus da fita e as mulheres as vítimas. A magistrada não só pensou que a minha ex-mulher podia ter fugido por eu ser um agressor (e até acho legítimo que o mandasse apurar), como aproveitou o facto de eu ter dito uma vez que o último telefonema que recebi foi da Beatriz, e de outra vez disse ter sido da Raquel, para me considerar um aldrabão. Será que a senhora magistrada não percebeu que um pai naquelas circunstâncias está desesperado? Eu tinha perdido tudo: a mulher que amava, as minhas filhas e, financeiramente, estava num buraco. Não foram tempos fáceis. Pensei suicidar-me. Nem gosto de falar nisto… (contém as lágrimas). A minha sorte foi ter uma família muito unida que sempre me amparou.
E a sua sogra? Acha que ela não sabia onde estava a filha?
Acho. Pelo menos naquela altura, não. Aliás, a minha sogra chegou a ligar para a Polícia a dizer que estava muito preocupada em relação à segurança e bem-estar da filha, pois o João Coelho tinha um ascendente tal sobre ela que a virara contra a família e temia que a envolvesse na prostituição. Mas nada disto foi levado em consideração. Ela também passou uma má fase. Esteve até internada num hospital psiquiátrico, precisamente por não saber nada da filha nem das netas.
Mas cinco meses depois do arquivamento de 2013, com base numa denúncia anónima que chegou à CCPJ de Oliveira do Bairro, o processo é reaberto e aí já como um crime de sequestro…
A pessoa que fez a denúncia dizia que as minhas filhas estavam há um ano num hotel, enclausuradas nos quartos, apenas com a televisão para se distraírem, e que o dito João Coelho, que as levou para lá, não pagava as contas e raramente lá aparecia. Os donos até tinham medo dele porque achavam que era da Mafia. Só as deixou lá ficar – segundo ele diz, mas eu acho muito estranho – porque tinha pena delas.
Como é que soube disso?
Alguém da CCPJ ligou-me a contar e disse-me o nome e a morada do hotel que ficava em Oliveira do Bairro.
Com essa informação, o que fez? Comunicou à PJ?
Não. Como até ali ninguém me tinha ajudado, parti logo para lá com algumas pessoas da família para me darem apoio, uma vez que estava muito em baixo. Um pai, nestas circunstâncias, faz tudo. Estava disposto a só sair de lá com as minhas filhas.
O que aconteceu quando lá chegou?
Falei com o gerente, identifiquei-me e disse que queria ver as minhas filhas. Disse-me que já lá não estavam e teve a lata de me dizer que não podia dar mais informações por causa do sigilo do cliente.
Ao consultar o processo, o Ricardo apercebeu-se de quem foi responsável por as suas filhas já não se encontrarem lá?
Não sei, não. Sei que a PJ só lá foi uns dez dias depois de mim e que eles estiveram hospedados no hotel e saíram sem pagar a conta. O que revelava a perigosidade desse tal João Coelho e o perigo que as minhas filhas corriam.
É que a CPCJ, em vez de comunicar logo a denúncia à Justiça, decidiu ligar primeiro ao dono do hotel a perguntar por elas. Este, com medo de ter chatices, avisou a sua ex-mulher que estava a ser procurada. A denúncia é de junho e só chegou à PJ um mês depois. Se o Ricardo tivesse chegado 13 dias antes, ainda as tinha encontrado…
Mas a CCPJ podia fazer isso?
Não! Um mês depois, fizeram chegar a denúncia por fax ao MP, dizendo que aguardam instruções para poderem articular as intervenções em conjunto. Ora, nessa altura, já tinham agido por sua conta. Ao aperceberem-se de que tinham feito asneira, tentaram salvaguardar-se. A partir daí, estava tudo perdido. Eles fogem.
Não pode estar tudo perdido. Não podem fazer as asneiras e ficarem ilesos. Aqui, toda a gente se portou mal. Ninguém investigou isto a sério. Acha normal que eu tenha sido a única pessoa a ser ouvida neste inquérito? Nem as amigas das minhas filhas, nem o resto da família, nem os pais do João Coelho. Eles agora não lhe disseram que não sabiam dele nem queriam saber? Acredita que um pai não queira saber do filho, por mais pulha que ele seja?
De facto, há muita coisa que ficou por fazer. Como já lhe disse, o MP não deu muita margem de manobra à Polícia. Cingiu-se à lei.
Então mudem a lei! Cada vez há mais casos iguais ao meu, é só acompanhar as notícias na comunicação social. Vão continuar a discutir se é sequestro ou subtração de menores até eles acabarem por desaparecer! Em 2014, depois da denúncia, arquivaram de novo o processo sem tentarem localizá-las no estrangeiro. Agora dizem-me que, criminalmente, não há nada a fazer porque as minhas filhas já são adultas. Há três pessoas que se eclipsaram – ninguém sabe o que lhes aconteceu, se estão vivas ou mortas – e não há mais nada a fazer? E esperam que um pai se conforme com isto?
Por que acha que as investigações não correram bem?
Porque eu não sou inglês, nem sou rico. A menina inglesa que desapareceu, tal com as minhas, já fez 18 anos e o processo não foi encerrado, nem será. Não acho mal que se faça tudo para encontrar uma criança desaparecida, mas a lei tem de ser igual para todos.
Ao longo destes anos, ainda não desistiu. O que pensa fazer agora?
Fiz uma exposição ao Presidente da República, que sempre mostrou ser uma pessoa sensível a estes problemas. A Casa Civil respondeu-me na semana passada a dizer que Marcelo Rebelo de Sousa tinha remetido o assunto para a procuradora-geral da República.
Recuperou a esperança?
Sim, até porque já recebi um e-mail do MP a confirmar a receção. Há três pessoas desaparecidas, sem documentos, ilegais, alguém vai ter de procurar saber se estão vivas.
Acha que hoje conseguiria reconhecer as suas filhas, se as encontrasse na rua?
Algo me diz que sim, apesar de não as conseguir imaginar já mulheres e a minha memória visual parou no tempo. Vejo constantemente as fotografias delas, sempre sorridentes, esforço-me por me lembrar do cheiro delas, do toque, dos beijos, mas não consigo. Para ter algum equilíbrio, tento só pensar nos momentos bons. Mesmo em relação à minha ex-mulher, porque nós sempre fomos corretos um com o outro. Até ela fugir com elas, claro…
Já lhe aconteceu ir atrás de alguém na rua por achar que é uma delas?
Tantas vezes! Uma vez fui atrás de uma pessoa que parecia a Sandra. Depois ela parou e reparei que era mais alta. Mas olhei e vi a Sandra, fiquei ansioso, ‘não pode ser’, larguei tudo para ir atrás dela. Trabalhei num aeroporto. Sabe o que é olhar para todas as pessoas que entram e saem, para ver se encontro as minhas filhas? É uma procura sem fim.