Hoje, ver a cidade de Pemba, em Cabo Delgado, palco de uma catástrofe humanitária, onde tanta gente desesperada se refugia de jiadistas (ver texto ao lado), descrita como «um local aprazível e relaxante» parece bizarro. No entanto, ainda há uns anos, a capital desta província tão rica em recursos naturais – desde rubis e gás, até ao carvão, madeiras raras e ao camarão – era paragem incontornável em qualquer guia turístico da costa de Moçambique.
Pemba, repleta de hotéis e resorts luxuosos, «é situada perto de praias de areia branca, repletas de palmeiras e árvores baobá», mesmo à beira do «mais belo litoral de África», lia-se num guia da TAP de 2015, dois anos antes do eclodir da insurreição. Aí, recomendava-se o arquipélago das Quirimbas, conhecido pela sua incrível fauna e flora, onde «os visitantes podem dedicar-se ao mergulho e descobrir as maravilhas subaquáticas dos corais que rodeiam as ilhas» – desde então, o arquipélago transformou-se numa placa giratória do tráfico de droga no Índico, entre ataques dos jiadistas.
Longe vão os tempos em que a diária num hotel de Pemba podia rondar as centenas de dólares. A grande aposta das autoridades moçambicanas era o turismo de qualidade em Cabo Delgado, que se tornava o destino de eleição para cada vez mais estrangeiros e para as elites do resto do país.
Apesar do luxo que os turistas viviam na costa, mergulhando com os golfinhos ou passeando de dhow, uma embarcação típica do Índico, os índices de pobreza da população de Cabo Delgado mantinham-se gritantes, sendo que, em 2015, mais de metade dos bebés ainda sofriam de malnutrição, segundo dados oficiais.
Contudo, ao menos ainda havia algum trabalho na pesca do camarão tigre – quando tinha camarão apetitoso e gigante à sua mesa, cá em Portugal, havia uma boa probabilidade que viesse da costa de Cabo Delgado. Até isso é cada vez complicado, não só pelo caos causada pela insurgência, mas também, devido à exploração dos megaprojetos de gás liquefeito, na península de Afungi, no norte da província, perto de Palma.
«Lembro quando estive em Pemba, era difícil apanhar camarão porque ninguém podia ter exercer atividades económicas a norte da baía», refere Milissão Nuvunga, diretor executivo do Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento, enquanto falava ao Nascer do SOL da falta de emprego que deixa tantos jovens desesperados em Cabo Delgado, vulneráveis ao recrutamento por jiadistas. «Os helicópteros perseguiam os barcos, não se podia andar em segurança. Por isso é que os barcos chegavam de manhã, porque à noite o Governo não tem capacidade de controlo».
Já o ‘El Dorado’ do gás liquefeito, rubis e grafite, em que as autoridades prometiam tornar Cabo Delgado, continuou a ser uma miragem para a vasta maioria dos seus habitantes – os investimentos foram surgindo, mas os lucros nunca chegavam à população.
Mesmo em tempo de guerra, as disparidades continuam a notar-se. Talvez ainda mais. «Quando estive lá de novo, em novembro, fui jantar fora, como bom turista», conta o sociólogo. «Ficámos num hotel em que era só atravessar a estrada e estávamos na areia da praia. Passamos por um hotel que era uma espécie de quartel-general dos generais. Não era o quartel-general da guerra, era dos generais», explica. «Estavam lá eles, a dar uma receção no pátio do hotel, a conversar, beber, no bem-bom», menciona. «Do outro lado da curva da baía estavam os milhares de refugiados que chegam por dia. Aí, abandonados».