por Felícia Cabrita e João Amaral Santos
O juiz Ivo Rosa anuncia hoje se José Sócrates vai ou não a julgamento pelos 31 crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documento de que é acusado. O juiz de instrução tem em mãos três opções: um despacho de não-pronúncia, mandando arquivar todas as acusações contra o antigo chefe do Governo; um despacho de pronúncia que acompanhe ipsis verbis o libelo acusatório do Ministério Público (MP), remetendo o antigo governante para julgamento; ou um despacho de pronúncia apenas em relação a uma parte das acusações.
José Sócrates, o arguido mais mediático da Operação Marquês, está acusado de ter recebido, enquanto primeiro-ministro, comissões ilícitas que totalizam mais de 34 milhões de euros, as quais, para esconder o verdadeiro beneficiário, terão sido depositadas em contas na Suíça em nome, primeiro, do seu primo José Paulo Pinto de Sousa e, posteriormente, do seu amigo Carlos Santos Silva, empresário da área da construção civil (ambos também arguidos no processo) – os dois são considerados pelo MP testas-de-ferro do ex-líder socialista.
Crimes fiscais, sim. Corrupção, talvez Parece inevitável que José Sócrates vá a julgamento pelos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais, dado o vasto conjunto de elementos probatórios que constam no processo apresentados pelo MP e pela Autoridade Tributária (AT). O juiz Ivo Rosa considerou, aliás, na reta final da instrução, que o número de crimes fiscais cometidos pelo antigo primeiro-ministro é mesmo superior aos apontados pela acusação pública e defende que Sócrates deveria responder por 40 crimes e não por 33. “O enquadramento jurídico feito pelo MP quanto aos crimes fiscais está incorreto e inconsistente”, argumentou em fevereiro de 2020. Segundo Ivo Rosa, na acusação constam três crimes fiscais; no entanto, contabilizando um por cada ano de entrega de IRS entre 2006 e 2015, Sócrates terá cometido neste período dez crimes de fraude fiscal – e a mesma lógica deverá ser utilizada para aumentar o número de crimes atribuídos aos arguidos Carlos Santos Silva, Armando Vara, ex-ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, e Henrique Granadeiro, antigo administrador da Portugal Telecom (PT). A moldura penal de Ricardo Salgado e Zeinal Bava pelos crimes fiscais de que estão acusados também deverá ser alterada para penas de prisão entre dois a oito anos (e não até cinco anos).
Caso Ivo Rosa valide estas acusações, assume automaticamente que o dinheiro pertence, de facto, a José Sócrates, apesar de nunca ter estado depositado em contas das quais era titular. O MP defende que Sócrates recebeu 34 milhões provenientes de três grupos económicos: o Grupo Espírito Santo (GES) de Ricardo Salgado, o grupo Lena, de José Maria Barroca, e o empreendimento Vale do Lobo, liderado pelo empresário Diogo Gaspar Ferreira. Mas, neste ponto, existem interrogações quanto à posição do magistrado judicial face à questão da corrupção, até porque em diversos processos alusivos a crimes de colarinho branco as suas decisões tenderam a desvalorizar – ou a ignorar mesmo – as chamadas provas indiretas, contrariando sistematicamente as posições dos acusadores públicos. Na prática, Ivo Rosa poderá admitir que Sócrates recebeu esses pagamentos, mas afirmar que não existem provas de que os mesmos terão resultado destes crimes de corrupção, mas de outros prestados enquanto governante.
Dois anos à espera A fase de instrução da Operação Marquês foi requerida pela defesa no final de 2018 e teve início em janeiro do ano seguinte – depois de um inquérito que se arrastou quatro anos e culminou na acusação a um total de 28 arguidos (19 pessoas e nove empresas). Durante os últimos dois anos, os advogados dos principais acusados tentaram derrubar a argumentação presente no despacho de acusação assinado pelo procurador Rosário Teixeira com base em nulidades e alegadas ilegalidades que o MP terá cometido na obtenção da prova (apenas José António Barreiros, advogado de Zeinal Bava, procurou desmontar a acusação de corrupção). O MP continua, por seu lado, a defender que há dados que constituem irrefutável prova direta da participação de Sócrates: nos negócios da PT, como a OPA da Sonae e a internacionalização da empresa no Brasil (com a venda da Vivo e a compra da Oi); na atribuição de projetos públicos ao grupo Lena; e na aquisição de Vale do Lobo.