O Governo decidiu tomar as primeiras medidas diferenciadas por concelho, mas no global a situação é considerada “estável” e o país avança na segunda-feira para a terceira etapa do desconfinamento. As escolas e faculdades reabrem em todo o continente, mesmo nos 11 concelhos sinalizados como sendo de maior risco, onde o desconfinamento tem agora o primeiro travão. Ao todo serão 700 mil os jovens de regresso à escola, cerca de 300 mil alunos do ensino secundário e 400 mil estudantes universitários.
O anúncio foi feito por António Costa após o conselho de ministros. O primeiro ministro começou por traçar o ponto de situação epidemiológico e a situação do país na matriz de risco adotada para monitorizar o regresso à normalidade. São dois os eixos, incidência de novos casos de covid-19 durante 14 dias e índice de transmissão, o RT. António Costa salientou a “clara redução no bom sentido” da incidência cumulativa de novos casos desde 9 de março, de 118 para 69 casos por 100 mil habitantes atualmente, sem referir no entanto o aumento nos últimos dias deste indicador, que chegou a baixar para os 60 casos por 100 mil habitantes e está agora de novo a subir. A incidência cumulativa mantém-se abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes, portanto fora da zona laranja da matriz, que travaria o desconfinamento, pelo que neste eixo a situação está dentro do patamar de segurança.
Já quanto ao índice de transmissão, o primeiro-ministro afirmou que não tem sido boa a evolução. Desde a reunião do Infarmed, o cálculo do INSA já tornou a subir e o RT divulgado ontem pela DGS situava-se em 1,06. “Estamos a dirigirmo-nos para o lado perigoso desta matriz”, disse o primeiro-ministro, sublinhando o apelo para que se mantenham os cuidados e que a “batalha” não está ainda terminada. “Estamos uma incidência baixa porque os portugueses o conquistaram num processo de confinamento muito doloroso e a única forma de continuar é ter comportamentos adequados a esta situação. Sempre que possamos ficar em casa, devemos ficar em casa. Sempre que pudermos reduzir os contactos sociais, devemos reduzir os contactos sociais, de forma a evitar que a epidemia volte a crescer”, pediu o primeiro-ministro.
País a três velocidades
Com o apelo à responsabilidade e palavras de “solidariedade” para com os autarcas dos concelhos que ficam para trás no calendário de reabertura – e que já ontem começaram em alguns casos a criticar a decisão – o Governo mantém a estratégia e medidas de travão ou recuo na abertura só são tomadas após duas avaliações consecutivas. Assim, esta quinta-feira estavam em causa decisões sobre os 19 concelhos sinalizados há 15 dias como estando acima do patamar dos 120 novos casos por 100 mil habitantes a 14 dias. Esta semana há 13 que surgem pela primeira vez acima deste patamar, mas só terão medidas daqui a 15 dias, caso a situação não melhore.
Dos 19, em oito a incidência baixou e prossegue o desconfinamento. Sete mantiveram-se com uma incidência cumulativa entre 120 e 240 casos por 100 mil habitantes, pelo que vão permanecer na segunda etapa do desconfinamento. Em quatro dos 19 concelhos esta semana a incidência era superior a 240 casos por 100 mil habitantes, a linha vermelha adotada pelo Governo. Nestes concelhos, a decisão foi que regressam à etapa anterior. Ou seja, as esplanadas, lojas e museus que abriram na semana passada voltam a fechar nos concelhos de Odemira, Portimão, Moura e Rio Maior, onde volta a haver também proibição de deslocação para fora do município. Ainda assim, também nestes concelhos as secundárias e faculdades vão reabrir e pelo que pelo menos a comunidade escolar continuará também a circular entre concelhos.
Questionado sobre o apelo de alguns especialistas para que a decisão desta quinta-feira fosse adiada, António Costa argumentou que o plano de desconfinamento foi apresentado no sentido de haver previsibilidade e que essa decisão teria impacto nas empresas, dando o exemplo de restaurantes que já se abasteceram. “Tem risco, sim. Por isso é que daqui a 15 dias estaremos novamente a avaliar a situação”, disse António Costa. Pelo menos mesmo motivo, o Governo não adoptou o indicador apresentado na reunião do Infarmed pelo investigador Óscar Felgueiras, que propunha uma avaliação da situação a nível concelhio tendo em conta os concelhos limítrofes, corrigindo a incidência a partir da situação nos municípios à volta, o que no caso de concelhos mais pequenos, com poucos habitantes, poderia suavizar situações em que poucos casos levam a que seja ultrapassada a linha vermelha. Uma questão que ontem após o anúncio mereceu críticas de alguns autarcas que ficam a marcar passo.
O primeiro-ministro defendeu ainda que o calendário das medidas tem de estar orientado com o do estado de emergência, renovado esta semana, justificando que algumas medidas têm suporte nesse diploma e afastando a hipótese de decisões intercalares. Sobre a substância da recomendação, não haver ainda dados para avaliar a segunda etapa do desconfinamento, não houve declarações. O apelo para que a decisão de avançar para a terceira etapa do desconfinamento fosse adiada pelo menos uma semana foi feito pelo epidemiologista Manuel Carmo Gomes e pela equipa da ARS Norte que delineou o plano de desconfinamento para o Governo, que não está a ser seguido na íntegra, já que previa que os concelhos acima dos limiares de risco não fossem desbloqueadas as etapas seguintes do desconfinamento e não ao fim de duas avaliações consecutivas. O argumento de Carmo Gomes, Óscar Felgueiras e Raquel Duarte foi de que seria prudente esperar mais uns dias uma vez que os dados atualmente disponíveis ainda não permitem avaliar com segurança o impacto da segunda etapa, que arrancou a 5 de abril e há uma inversão da situação epidemiológica, com o índice de transmissão a aumentar. Os cálculos do RT do INSA, por exemplo, referem-se ainda à situação epidemiológica a 9 de abril, infeções que terão sido contraídas essencialmente durante o fim de semana de Páscoa.
Reforço de testagem e novos critérios para o futuro
Com a reabertura das secundárias e faculdades, a próxima semana arranca com operações de testagem no ensino universitário e nas escolas, depois de a testagem já ter sido bastante reforçada desde a semana passada. António Costa pareceu dirigiu-se aos autarcas: vale a pena testar, apanhar mais casos e depois fechar, perguntou, para dar a resposta. “Aquilo que nos permite ter o retrato mais claro é a testagem massiva. Não ganhamos nada em não conhecer a realidade porque ela vem sempre ter connosco”. O primeiro-ministro admitiu também que vacinadas todas as pessoas com mais de 60 anos, o que se espera no fim de maio, deverão ser estudados novos critérios para monitorizar a situação epidemiológica do país, defendendo que é preciso começar a pensar o futuro. Agora o pós-desconfinamento.