Porfírio Silva considera que José Sócrates tem “razões de queixa” do sistema judicial e admite “intenção política” na sua "captura", no âmbito da Operação Marquês.
Num texto publicado esta sexta-feira no seu blogue, 'Máquina Especulativa”, o dirigente socialista considera que o ex-primeiro-ministro “não é o primeiro, e não será o último, a ter razões de queixa da justiça portuguesa”.
“Creio que José Sócrates tem razões de queixa do sistema judicial, mas também creio que seria profundamente errado pretender que isso é tudo o que há a dizer sobre a matéria”, escreve Porfírio Silva, membro do Secretariado Nacional do PS e vice-presidente do Grupo Parlamentar socialista.
“A detenção mediatizada do antigo primeiro-ministro, ser preso para ser investigado, as condições da sua prisão preventiva, os anos à espera de que seja feita justiça, as constantes fugas seletivas de informação do meio processual para alimentar as campanhas de ódio no espaço público, as reviravoltas da acusação e da pronúncia, dão, no seu conjunto, um retrato horrível daquilo que um poder do Estado pode fazer ilegitimamente contra um cidadão”, critica o deputado, que considera que “o que se está a passar com Sócrates já se passou, embora com espetáculos de menor duração, com outras pessoas”, nomeadamente com Paulo Pedroso.
“Há casos de, no mínimo, flagrante incompetência do sistema de justiça, que deixam marcas profundas e dolorosas na vida de muita gente e um ferrete na vida coletiva: Basta lembrar a ignomínia de que foi vítima Paulo Pedroso, um dos mais competentes e brilhantes políticos portugueses”, considera.
O deputado socialista questiona-se então sobre se pode ter havido “intenção política” na decisão de “capturar” o antigo socialista no âmbito da Operação Marquês. “Pode. Como pode ter havido em casos interiores”, defende.
Contudo, “essa acusação não deve ser feita levianamente – porque já estamos cansados de acusações formuladas levianamente”.
“O próprio Sócrates pode perfeitamente ter sido vítima de acusações formuladas levianamente e não curamos a doença espalhando mais veneno”, afirma, deixando depois um aviso em relação ao recurso a analogias, neste caso com Lula da Silva e Sérgio Moro.
“Invocar Lula e Moro é uma analogia apelativa, mas fazer dela uma dedução automática para outro caso ainda seria proceder pelo método dos julgamentos populares. Ora, não há julgamentos populares bons e julgamentos populares maus: são todos iníquos”, refere.
“O que não temos é de aceitar como normal, ou irrepreensível, qualquer comportamento que não seja criminalizável. Neste caso concreto, atendendo a declarações do próprio, é perfeitamente concebível que Sócrates tenha tido comportamentos que, não sendo crimes, são condenáveis. Condenáveis à luz de algum critério ético muito geral, ou condenáveis simplesmente à luz de escolhas de valores próprios de um determinado grupo humano”, sublinha, considerando que, assim, tendo em conta os papéis que Sócrates desempenhou no PS, é legítimo "que os socialistas tenham uma valoração dos seus comportamentos à luz daquilo que os próprios socialistas consideram coerente com os seus princípios políticos".
“Isso tem algum valor para uma condenação criminal? Não tem. Tem, não obstante, um valor ético. E ninguém nos pode pedir que prescindamos desse critério ético. Nem se nos pode pedir que deixemos o juízo ético para depois do juízo penal”, lê-se.
Porfírio Silva recusa a instrumentalização do PS para causa individual, numa alusão às críticas feitas por Sócrates à direção do PS.
“Nenhuma pessoa, nenhum socialista, tem o direito de querer que o PS se transforme num partido de uma causa individual, por mais justa que ela seja. Os socialistas têm o dever de honrar o património de um partido que sempre colocou o bem comum acima de qualquer causa particular”, defende.
“Também merece uma apreciação ética – aqui, uma apreciação negativa – a tentativa de emparedar um grande partido popular, que foi e continua a ser fulcral na construção e sustentabilidade da democracia portuguesa, tentando metê-lo no beco de um específico processo judicial, mesmo que dele seja preciso extrair consequências para a coisa pública”. sublinha.
“Os partidos não são um fim em si mesmos, os partidos são instrumentais – mas devem ser instrumentais exclusivamente para o bem comum”, remata.