A freguesia da Ajuda vai sofrer grandes alterações que vão deste o terreno da Rua da Bica do Marquês até à Alameda dos Pinheiros. Mas que projeto é este? A ideia da Câmara Municipal de Lisboa é «dinamizar a vivência urbana no local e promover a fixação de residentes», a par da «reconversão urbanística e reestruturação da malha urbana degradada», assim como a preservação e valorização do sistema de vistas da frente ribeirinha.
Para isso, a ideia é estabelecer novas ligações locais, requalificar o Pátio do Bonfim e recuperar o edifício da Quinta das Damas, implementar novas edificações associadas a usos habitacionais, culturais e sociais, criar um amplo espaço verde de utilização pública, contíguo ao Palácio Nacional da Ajuda e contribuir para a preservação e valorização do sistema de vistas sobre a frente ribeirinha.
No entanto, para que sejam feitas todas estas alterações, há moradores que terão de sair, bem como associações que se situam naquela zona há largos anos, como é o caso da Sociedade Recreativa ou os Escoteiros de Portugal. Escola da Voz do Operário ou Junta de Freguesia da Ajuda não deverão sair do sítio.
O PCP, o único partido a votar contra esta proposta em novembro do ano passado, diz que esta proposta prevê construir 260 apartamentos de luxo, num condomínio com o seu próprio jardim privativo; criar um jardim público na parte mais inclinada da encosta, de difícil acesso e usufruto para quem tem menos mobilidade e ainda demolir os edifícios ao lado da Voz do Operário até ao fim do quarteirão bem como o edifício da Academia Recreativa da Ajuda, «despejando quem lá está, e construir prédios ao longo da Bica do Marquês com 5 pisos de altura».
Esta é a preocupação também espelhada por moradores nas redes sociais. A página Cidadãos pela Ajuda faz, na rede social Facebook, uma série de questões que querem ver respondidas: Porque foi a UEA constituída apenas para os terrenos abaixo do palácio, excluindo o outro lado da Rua D. Vasco, para o qual o proprietário apresentou igualmente proposta de construção? E qual o destino desses terrenos? Qual a percentagem de renda acessível/custos controlados prevista na UEA? Os atuais moradores vão ser despejados? E realojados? Onde estão os equipamentos culturais? O que acontece à Voz do Operário, Escoteiros, Curifa e Academia Recreativa?
Perguntas que, para já, contam com vaga resposta. Na sessão pública de apresentação deste projeto, o vereador do urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, Ricardo Veludo, diz que «em relação às entidades que estão na área de intervenção e / ou famílias que lá possam residir, não está na eminência a saída de ninguém e será, naturalmente, encontrada uma solução, na medida do possível, para ficarem dentro da própria área de intervenção ou, se as características das instalações, não forem possíveis de acomodar, numa área de proximidade».
O vereador garante ainda estar atento às preocupações dos escoteiros, associação recreativa e outras entidades.
No entanto, a proposta da Câmara Municipal de Lisboa dá a entender que os edifícios da Junta de Freguesia da Ajuda e da escola da Voz do Operário se manterão no local. «No âmbito da Unidade de Execução da Ajuda prevê-se a cedência de uma área de 14.316,70 m2 (1,4 hectares), localizada na contiguidade com a Alameda dos Pinheiros, para a espaços verdes para recreio e lazer de utilização pública. A área delimitada pela unidade de execução inclui dois equipamentos existentes, que ocupam uma área de 4.307,50 m2 e que serão mantidos na proposta, a saber: a Junta de Freguesia da Ajuda (equipamento institucional) e a Escola da Sociedade da Instrução e Beneficência A voz do operário, com oferta de pré-escolar e 1º ciclo (equipamento escolar) prevendo-se a respetiva entrega ao Município», lê-se num documento sobre ‘Perguntas Frequentes’.
Já os Escoteiros de Portugal, que terão de sair do local, não parecem estar muito satisfeitos com esta decisão e está até já a circular uma petição – que ao fecho desta edição contava com mais de 3.640 assinaturas – com o título «Os Escoteiros não podem ficar sem sede». Os signatários da petição dizem entender «a necessidade de reestruturar e modernizar a freguesia» mas essa requalificação urbana não pode ser feita «obliterando a comunidade que está enraizada no local».
Também o grupo municipal PAN entregou à Assembleia Municipal de Lisboa uma denúncia sobre a eventual demolição deste edifício, defendendo que é também importante perceber o que vai acontecer à Voz do Operário, uma vez que este edifício dos Escoteiros é utilizado como zona de recreio para a escola.
Sobre esta questão, Ana Vara, vereadora do PCP, diz que as soluções para estas pessoas que terão que sair «não são explícitas» e, portanto, diz saber «o mesmo que se sabe porque as respostas dadas pela Câmara, pelo vereador Ricardo Veludo, são bastante vagas». E acrescenta: «Não garante a permanência nem da escola nem dos Escoteiros, como da sociedade recreativa naquele lugar. A Câmara resolverá o melhor possível mas não é nada concreto e é à custa de edificado camarário que escusaria de ser resolvido se as coisas pudessem permanecer no mesmo lugar, que acaba por ser a vontade das pessoas», lamenta.
Habitação acessível?
Além da saída de várias entidades, fala-se ainda do arrendamento acessível que, à partida, não será possível num edifício luxuoso. O PCP diz ainda que este unidade de execução quer construir «mais um condomínio privado, inacessível para a maioria dos ajudenses e que pouco contribui para a dinamização da vida da freguesia, demolindo instalações de associações e casas de habitação, levantando uma barreira de betão na Bica do Marquês que transformará a vivência dos atuais moradores daquela zona e não garantindo o que efetivamente é preciso na Ajuda: habitação a custos acessíveis e espaços verdes para todos».
Ana Jara lembra que a Ajuda tem, neste momento, «uma série de condomínios fechados que têm provocado uma transformação enorme na forma como a habitação é tida em consideração e este é mais um a adicionar a outros que têm vindo a transformar a estrutura da zona da Ajuda numa espécie de bairro gentrificado ou prestes a ser bastante gentrificado».
Os dados revelam que, nos últimos anos, esta freguesia lisboeta perdeu 30% da população. Dados que a vereadora considera «assustadores» até porque, «o que tem vindo a ser implementado são intervenções que, para além de retirarem alguma da habitação que aqui existe não têm trazido assim tantos mais habitantes e não têm resolvido os problemas de habitação que são à escala da cidade mas na Ajuda talvez tenham tido um reflexo maior que na média da cidade».
Recorde-se que esta intervenção será feita sobre um terreno do Ministério das Finanças e um terreno da Maxirent, um fundo imobiliário – que recentemente foi vendido a um fundo cotado em Singapura que é controlado pelo milionário francês Pierre Castel.
Mas há uma parcela de terreno que é propriedade pública e que até poderia ser usada para outras coisas. «A ajuda há muito tempo que reivindica várias coisas: o pavilhão desportivo, posto de saúde – que já está mas não tem as melhores condições -, centro de dia… Há várias coisas. Esta zona não tem um parque infantil…», diz. «E mesmo o que ali está, está em risco de sair», lamenta.