Cascais apresentou ontem o que espera vir a ser o início de um sistema local de saúde, com respostas à população complementares ao Serviço Nacional de Saúde. No imediato, os munícipes passam a ter acesso gratuito a teleconsultas de medicina geral e familiar e pediatria no espaço de meia hora, 365 dias por ano e 24 horas por dia, que serão prestadas por uma empresa de serviços médicos domiciliários contratada pela autarquia. A médio prazo, o objetivo é que além da consulta por telefone/internet, os munícipes possam fazer marcações para telesconsultas a partir de “cabinas” que serão instaladas no concelho e que permitem que durante a consulta sejam feitos exames complementares, de eletrocardiogramas a medição da pressão arterial e glicose ou rastreios visuais e dermatológicos.
No início em fase “piloto”, a primeira cabina, que está nos antípodas da velha cabina telefónica e parece uma cápsula médica saída de um filme futurista, está já instalada no polidesportivo da Abóboda, com tecnologia que permite juntar num metro quadrado, se tanto, equipamentos que por vezes ainda não estão disponíveis em todos os consultórios e gabinetes de consulta. Começa a receber utentes em maio. Na apresentação, Carlos Carreiras apontou outros caminhos que poderão tirar proveito da “transição digital” nesta área, incluindo a hipótese de no futuro se poder fazer exames como ecografia em casa, com equipamentos geridos pelas juntas de freguesia. “Não é ficção científica, hoje em dia há equipamentos que acoplados a telemóveis conseguem fazer ecografias em casa”, exemplificou.
Para já, e no ensaio do conceito de dispositivos públicos que vão para casa das famílias, a autarquia investiu na compra de termómetros e oxímetros, que este ano começaram a ser disponibilizados aos doentes com covid-19 seguidos em casa pelos médicos dos centros de saúde nos casos em que os clínicos entendem que existe mais-valias em ser monitorizado esse parâmetro. Disponíveis apenas nos últimos meses, foram usados em cerca de 20 casos. Nesta altura, Cascais está com uma incidência baixa de covid-19, com 45 casos por 100 mil habitantes, indicou Carreiras e nenhum óbito nos últimos 12 dias.
“Não queremos ser um mero regulador de betão” Cascais não quer ser “um mero regulador de betão”, começou por descrever Miguel Pinto Luz, vice-presidente da autarquia, na sessão que apresentou o projeto Vida Cascais e onde foi transmitido que a iniciativa visa também ajudar a dar resposta a consultas que ficaram por fazer nos últimos meses no Serviço Nacional de Saúde, focado na resposta à covid-19. “Não tem de haver uma dicotomia entre Estado Central e Estado local”, afirmou Miguel Pinto Luz, colocando no entanto Cascais na linha da frente da procura de soluções: “Se não conseguem, nós fazemos”.
Carlos Carreiras salientou que este novo canal vem consolidar as respostas do âmbito da ideia de “Estado Social Local” defendida pelo executivo camarário social-democrata e que se junta a outros investimentos municipais na área da saúde, entre os quais cerca de 40 milhões de euros nos novos centros de saúde de S. Domingos de Rana, Carcavelos e Cascais e um espaço que será também cedido para o programa Bata Branca, uma parceria entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, o Agrupamento de Centros de Saúde de Cascais e a União Portuguesa das Misericórdias para garantir resposta a utentes sem médico de família atribuído, cerca de 15 mil dos 218 mil cascalenses.
Este tipo de protocolos que junta setor público e setor social arrancou em 2018 na península de Setúbal e permite garantir maior estabilidade nas consultas de centros de saúde mais carenciados em médicos do que o habitual recurso a prestadores de serviço, médicos tarefeiros. Embora não atribua médico de família a quem não o tem, permite maior acessibilidade à população, explicou ao i fonte clínica próxima do processo.
A ideia é a mesma com o novo programa: haver maior acessibilidade e consultas que não precisem de passar pelos centros de saúde e unidades de saúde familiar serem resolvidas com maior rapidez, indicou Carlos Carreiras, acreditando que o modelo poderá ser replicado noutros pontos do país. “Acredito, e só o tempo o irá comprovar, que é também uma vantagem grande para o SNS, porque obviamente estes serviços que estamos a prestar levarão a que muitos não necessitem de recorrer aos centros de saúde. Muitos, com estas soluções, ficarão com o seu problema resolvido e ao não pressionarem tanto os centros de saúde vai permitir que estes tenham uma outra capacidade de resposta e que poderá desanuviar os hospitais centrais, beneficiando muito da tecnologia”, disse.
Para as teleconsultas, que serão gratuitas para qualquer munícipe e sem limite de utilização, a autarquia fechou um contrato com a SMP – Serviço Médico Permanente, empresa que trabalha por exemplo com seguradoras na prestação de serviços de assistência médica domiciliária. O contrato ainda não está disponível no Portal Base e Carlos Carreiras referiu apenas ao i que os valores negociados foram abaixo do valor habitualmente cobrado. No futuro, a autarquia admite que, na vertente de especialidades hospitalares, possam ser feitos protocolos com hospitais privados no concelho, nomeadamente projetos que venham a instalar-se no município, dando nota de mais dois investimentos no horizonte, na zona de Carcavelos e em Cascais.
No caso destas primeiras teleconsultas, a prescrição de medicamentos, se necessário, será por via eletrónica e o município passa também a disponibilizar um serviço de entrega de medicação. Caso a situação requeira observação, os doentes serão encaminhados quer para o SNS, para o SNS24, centro de saúde ou urgência quer para sistemas de saúde de que possam ser beneficiários.
Para se ter acesso a qualquer um destes serviços é necessário ter o cartão Viver Cascais, que no último ano passou a permitir aos munícipes a utilização gratuita de autocarros no concelho. Com cerca de 59 mil cascalenses inscritos, cerca de um quarto da população, a expectativa da autarquia é que a adesão aumente com o alargamento a serviços de saúde, que têm como porta de entrada no sistema a Linha Cascais – 80 203 186, para uma primeira triagem. “Mesmo numa doença de que ninguém fala e não há comprimidos, que é a solidão, só a segurança de uma pessoa ter à mão algo de que pode socorrer-se para tirar uma dúvida [fará a diferença],”, disse Carlos Carreiras, brincando também com o seu vice Miguel Pinto Luz, que testou o serviço na sessão e embora não tenha conseguido atendimento à primeira, conseguiu alguns minutos depois. “Quem é hipocondríaco tem aqui um serviço extraordinário”.
Tirar do IMI para pôr na saúde Sem adiantar o valor que a autarquia vai pagar por consulta, Carlos Carreira garante que nesta fase a disponibilidade de marcação é “ilimitada”. Já o financiamento no programa Viva Cascais será o equivalente ao que “custaria” em termos de quebra de receitas para a autarquia continuar a descer o IMI, algo que Cascais desvendou que não será agora uma promessa eleitoral.
Este ano Cascais baixou o IMI para 0,34% mas o autarca defende que a descida deve ficar por aqui. “Entendemos que não se justificaria estar a baixar mais o IMI: estaria a poupar mais euros a quem tem propriedades de valor maior, e aproveitar esse valor para distribuir pela comunidade, nomeadamente quem tem rendimentos mais baixos”, disse Carreiras, sublinhando que esta é uma opção ideológica de “democracia cristã que se funde no humanismo”. As taxas do Imposto Municipal Sobre Imóveis são fixadas pelos municípios e podem situar-se entre os 0,3% e 0,45%. Carlos Carreiras salientou que em Cascais a descida do IMI tem sido de 0,1 pontos percentuais ao ano, o que representa 1,4 milhões, o que significa que ao fim de quatro anos este programa teria um investimento de 6 milhões, mantendo o IMI em 0,34% em vez de convergir para a taxa mínima. Projeto que vai assim além do atual ciclo e que Carreiras, que será candidato a um novo mandato, defende que deve continuar “seja quem for o próximo presidente”.