Não há bolas de cristal e no que toca às projeções da pandemia a leitura continua a ser essa: são cenários do que pode acontecer, agora mais leves. Esta semana, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC na sigla inglesa) lançou uma nova ferramenta, que passa a juntar numa mesma plataforma as projeções feitas por diferentes equipas de académicos, e criou um modelo que resulta da ponderação de todos os contributos. Às segundas-feiras, passarão a atualizar as projeções a quatro semanas e, por agora, os cenários parecem animadores para a maioria dos países europeus, incluindo Portugal, que a esta altura continua a ser o país da UE com menor incidência de casos.
No pior cenário, 1500 casos por dia a 15 de maio
Até à semana de 15 de maio, a projeção ‘combinada’ desta nova iniciativa do ECDC é que Portugal se mantenha com uma epidemia estável em torno dos 3500 casos de covid-19 e menos de 40 óbitos por semana, dentro do que tem vindo a verificar-se. Note-se, no entanto, que o conjunto das projeções compiladas pelo novo Covid-19 Forescast Hub do organismo europeu deixa espaço para cenários ainda bastante distintos, com os intervalos de confiança dos diferentes modelos a mostrar que com 95% de probabilidade no limite mais otimista da análise o país pode chegar à segunda quinzena de maio com cerca de mil casos semanais (o que acontecia no verão passado) e, num pior cenário, 10 800. No intervalo mínimo, seriam menos de 200 casos por dia e no limiar superior 1500 casos diários, uma situação como se viveu no pico da primeira vaga mas muito mais suave do que nas piores fases da pandemia. No cenário central, continuaria a rondar os 600 casos por dia. A questão é saber se com tendência para subir ou baixar.
Mais longe nas projeções mas a apontar para uma descida sustentada de casos surge a Universidade de Washington, que recentemente atualizou as previsões até 1 de agosto. Todos os cenários projetados pela equipa do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME) afastam a hipótese de uma nova vaga de covid-19 em Portugal nos próximos meses – note-se, porém, que mesmo no final do verão continuam a assumir que a mobilidade ainda se mantém com uma redução de 18% face ao que era normal antes da pandemia.
A análise do IHME tem em conta a disseminação da variante inglesa, o ritmo de vacinação e que as pessoas vacinadas poderão começar a diminuir o uso de máscara 90 dias após completarem a vacinação_(um critério que procura modelar que impacto terá uma menor utilização de máscaras nos próximos meses). Segundo o modelo, Portugal terá uma progressiva descida de casos nos próximos meses, que pode ser mais lenta em caso de aumento rápido da mobilidade, mas em que não se volta a uma subida significativa das infeções durante o verão. Segundo as projeções do IHME, se os contactos sociais se mantivessem com uma redução de cerca de 50% face ao que eram os valores pré-pandemia, o que em Portugal é cada vez menos a realidade, o país chegaria à segunda quinzena de maio com uma média de 130 casos diários. No pior cenário, assume-se que já só existe a essa altura uma redução de 35% na mobilidade típica pré-pandemia e, mesmo assim, a equipa de Washington projeta menos de 400 casos por dia. Em junho os casos ficariam abaixo dos 100 diagnósticos por dia e em julho seriam já na casa das dezenas – isto assumindo sempre que não se regressa totalmente à mobilidade pré-pandemia já este verão. Ou seja, não há uma projeção para o que pode acontecer se se retomarem todos os contactos e hábitos nos próximos tempos. Recorde-se que um modelo feito por investigadores portugueses e holandeses para a evolução da situação em Portugal estimou que com um desconfinamento ao nível de outono, superior ao que se viveu no verão, o país poderia ainda ter de lidar com uma nova vaga em maio, não da dimensão da de janeiro mas como a de novembro – informações que combinadas permitem perceber o problema que se coloca nas próximas semanas.
A Universidade de Washington estima que continuem a registar-se diariamente óbitos por covid-19 no país, mas os primeiros meses de 2021 foram os mais duros. A equipa do IHME projeta que Portugal possa chegar ao final de julho com um balanço próximo das 17 200 mortes por covid-19 desde o início da pandemia.
Até ao final de 2020 a covid-19 tinha sido a associada a 6 972 mortes no país e só em janeiro, mês em que além da covid-19 se viveu uma onda de frio prolongada, morreram quase 6000 pessoas com covid-19 e a mortalidade global disparou, tendo sido o janeiro com mais mortes de que há registos no último século (mais de 20 mil). Até esta sexta-feira contabilizam-se 16 957 mortes por covid-19 no país, quase 10 mil este ano.
Verão sem máscaras na rua?
Pedro Simas, virologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, considera prováveis os cenários traçados , dada a evolução prevista para a cobertura vacinal e «finalmente» estar-se a vacinar por faixa etária: «Vamos entrar num período calmo e não creio que voltemos atrás», diz, sublinhando, no entanto, que se num país como Israel onde 62% da população já tem a primeira dose da vacina já se pode falar de imunidade populacional e até de fim da situação pandémica, «em Portugal a pandemia ainda não acabou».
Simas salienta que se está numa fase de transição, em que um desconfinamento rápido pode levar ainda a um aumento de casos que mesmo afetando menos os mais velhos, agora mais protegidos em termos de doença grave, em caso de descontrolo pode levar a mais hospitalizações de pessoas jovens, as faixas etárias em que tem havido mais diagnósticos.
Quando aos próximos meses, acredita que é possível pensar num verão mais perto do normal. «Israel dá-nos uma base inequívoca apara dizer que a imunidade populacional funciona com níveis de 60% a 70% de proteção. Estão com redução de casos. Deixaram agora de usar máscara na rua. Acho que chegando perto desse ponto há uma probabilidade forte de entre julho e agosto tirarmos as máscaras na rua, mantendo-as eventualmente em espaços fechados», defende, acreditando que o abrandamento da epidemia não se deve à sazonalidade mas a esse efeito de proteção populacional. «Neste momento temos 35% a 40% de proteção populacional, entre quem já esteve exposta ao vírus e quem já tem pelo menos uma primeira dose da vacina. Penso que já se vai sentir uma grande diferença no final de maio se conseguirmos vacinar todas as pessoas com mais de 60 anos. Se conseguirmos vacinar mais 2 milhões de portuugueses, já ficamos cm 40% de imunidade vacinal, mais a imunidade natural já será o suficiente para termos imunidade populacional no sentido de haver uma barreira a grandes cadeias de transmissão do vírus».
No IHME, o alerta tem sido de que é preciso pensar o próximo inverno, em que pode haver um recrudescimento das infeções pelo coronavírus mais a gripe. Pedro Simas discorda da ideia de que a pandemia possa ‘reacender-se’ no próximo inverno. «A partir do momento em que passarmos de uma situação de pandemia para uma endemia, em que a maioria da população tem alguma proteção, acedito que será um coronavírus como os outros com que contactamos habitualmente nos invernos», diz. Sem temer o somatório das doenças, considera que em relação à gripe há maior incógnita agora: «Este inverno conseguia dizer que possivelmente a gripe não seria um problema devido às medidas implementadas, mas pode ser um problema no próximo inverno e nos seguintes. O que temos tido são epidemias em que as estirpes de gripe em circulação são idênticas no hemisfério Norte e Sul e isso gera um contacto permanente em todo o planeta com as mutações do vírus, mais comuns. Este ano não houve uma estimulação imunitária para responder ao vírus da gripe. Penso que pode não ser muito problemático porque foi global, a gripe como que congelou, mas no passado sabíamos que havia epidemias porque havia menos contactos e acabavam por surgir estirpes em grupos populacionais que depois causavam maior impacto noutros». Da mesma forma, defende que ideias como vacinar toda a população contra a covid-19 ou contra a gripe e mesmo continuar a usar indefinidamente máscaras podem ser contraproducentes, porque, tanto na gripe como no SARS-CoV-2, a estimulação imunitária anual faz parte do equilibrio. Aqui, diz, a solução, como noutros invernos, é vacinar os grupos de risco para a gripe e, se necessário, reforçar a vacinação da covid-19. E planear a resposta dos serviços de saúde.