Portugal tem vindo a desconfinar a conta-gotas. Que balanço faz destas últimas fases e quais as perspetivas para esta terceira etapa?
É evidente que as aberturas foram importantes, até porque abrangeram um conjunto de setores, não só de comércio mas também de serviços pessoais -– desde os ginásios aos cabeleireiros, etc. – que têm vindo a abrir progressivamente. Agora quais são os principais problemas? Há sempre um grau de incerteza em relação à evolução da pandemia. Neste momento, aparentemente as coisas estão bem e estamos a assistir a um esforço bastante grande no sentido de criar condições para melhorar o negócio. No entanto, a maioria das empresas, estão com problemas financeiros. Os problemas de tesouraria são grande porque estiveram estes meses parados, independentemente dos apoios.
E em relação aos apoios, acha que foram suficientes?
De uma maneira geral foram criados no bom sentido, mas demoraram muito tempo a serem postos em prática com limitações e foram sujeitos a alterações frequentes. Primeiro eram só para quem estava fechado, depois alargaram a todo o canal económico que estava correlacionado. Depois era preciso fazer concursos e o dinheiro nem sempre chegou com a rapidez necessária. Atualmente há setores com problemas complicados de stocks. É o caso, por exemplo, do setor do vestiário porque não vendeu grande parte da coleção de inverno. E não só não vendeu essa coleção, como tem stocks e tiveram que optar que tipo de coleção vai ter no verão. Isso tem custos financeiros e, neste momento, está na altura de começarem a fazer as encomendas para o próximo inverno com um elevado grau de incerteza.
E sentiram algum alívio nas rendas?
No fim de março, o Governo iniciou os pagamentos. O que aconteceu é que o processo das rendas foi um pouco atípico. Foi anunciado a 10 de dezembro, depois os regulamentos saíram em janeiro, as pessoas foram concorrem em fevereiro e o dinheiro só chegou no fim de março. Conclusão: as pessoas já tinham que ter pago as rendas dos três primeiros meses do ano quando finalmente o dinheiro chegou às suas contas.
O mesmo se aplicou às rendas dos centros comerciais? Por norma contam com valores mais altos…
Depende. Os centros comerciais têm outro problema. Aliás, houve uma legislação aprovada na Assembleia da República em relação a isso. Nos centros comerciais, as pessoas pagam uma parte que corresponde a uma espécie de condomínio – valor que é pago para as despesas de manutenção, como é o caso da luz, segurança, limpeza, etc. – e a outra parte é variável em função da faturação da loja. Mas há um mínimo fixo. A Assembleia da República satisfez uma das pretensões das empresas que têm lojas nos centros comerciais e definiram que esse valor mínimo fixo deixaria para já de existir. O que significou? Que nos meses em que estiveram fechados só pagaram o valor equivalente à parte do condomínio, o que deu algum alívio financeiro. Neste momento, e não havendo necessidade de mais novos confinamentos, acredito que a recuperação vai ser interessante, apesar de haver uma limitação grande porque o desemprego está alto.
E não está tão alto por causa das medidas de apoio, como o layoff?
Acredito que algumas das medidas que vieram atenuar os números, mas também penso que dos empresários houve um esforço para manter, pelo menos, um quadro de pessoas para poderem conseguir fazer o recomeço. No ano passado isso foi claro, mas, a certa altura, havia a expectativa de que no verão tudo iria baixar. Agora o nível do desemprego está bastante alto e o desemprego real é superior ao desemprego estatístico porque o Eurostat inventou uma categoria que são os desencorajados ou os inativos que são aquelas pessoas que estão desempregadas, mas não procuram emprego durante 30 dias. O que acontece é que, se o desemprego é de 7 ou 8%, são cerca de 400 mil pessoas, depois os desencorajados devem rondar uns 300 e tal mil. Isto quer dizer que o desemprego real são cerca de 750 mil, são 15% da população ativa.
Há risco de muitas empresas não voltarem a abrir?
Acredito que haja situações dessas. Fizemos no passado uma sondagem, ainda antes deste confinamento, e concluímos que uma em cada cinco empresas na área do comércio poderia encerrar. Também a restauração fez inquéritos e chegou à conclusão que 30% ou 40% que poderia encerrar. No entanto, o número de encerramentos em termos de comércio é muito heterogéneo. Há zonas que perderam grande parte da sua movimentação quer pelo turismo, quer pelo teletrabalho, etc. e, por isso, há muitas lojas que ainda estão fechadas. Por outro lado, há situações diferentes em relação ao impacto das rendas, uma vez que, quem entrou no negócio nos anos mais recentes já apanhou as rendas atualizadas. E, nessa altura, muitos dos valores eram especulativos. Acredito que, em termos de encerramentos, a situação que vai ser mais complicada vai ser na restauração.
Agora abriu, mas continua com algumas restrições…
Aí há um mito de que as pessoas estão ansiosas para irem ao restaurante. Mas não nos podemos esquecer que, durante esta crise, muitos chegaram à conclusão que comer em casa é mais económico.
E isso é visível pelos nível de poupança…
Exatamente.
Disse que a recuperação vai ser interessante se não houver outro confinamento. Mas acredita que será um crescimento a conta-gotas ou será repentino?
Não acredito que iremos assistir a um crescimento repentino, mas admito que vamos ter duas recuperações. Por um lado, vamos assistir a uma recuperação em relação aos valores do ano passado, ou seja, será boa, mas em relação a 2019, muitos não vão conseguir atingir os níveis que foram alcançados nesse ano. Além disso, a média anual vai ficar muito condicionada por estes meses em que estiveram encerrados. Temos a expectativa que a evolução seja bastante positiva, mas tudo está dependente de saber se vamos ter um verão com turismo ou não.
E aí pode fazer toda diferença?
Há um grau de incerteza muito grande e, por isso, independentemente de as pessoas estarem ansiosas por consumir, também acredito que, muitos estão preocupados com o grau de incerteza.
No final de dezembro admitiu que o Natal poderia ser um balão de oxigénio. Chegou a ser?
Foi, o Natal globalmente correu bem. Nesse aspeto foi um balão de oxigénio, mesmo não atingindo os números do ano anterior. E, por isso, é que houve um choque tremendo com esta nova necessidade de confinar.
A fatura acabou por ser paga mais tarde…
Mas se, apesar de tudo, o Natal não tivesse tido resultados interessantes então não teria dúvidas que o número de encerramentos seria ainda maior este ano.
Chegou a pedir um choque de consumo face à retoma que tem estava a ser fraca… Chegou a concretizar-se?
O Governo não incentivou ao nível que considerámos que seria interessante. Acabou por haver algum consumo, mas mais pelas pessoas que estavam com alguma ansiedade em consumir porque estavam cansadas de estarem em casa. Já as medidas fiscais como chegámos a propor não funcionaram, mesmo a medida que propusemos em agosto que era a de baixar a retenção na fonte dos IRS. Esta medida não custava dinheiro ao Governo porque, na prática, a retenção do IRS é um empréstimo que fazemos à cabeça ao Governo. Normalmente, o Governo devolve aos contribuintes IRS na ordem dos três mil milhões de euros, mas faz uma medida de 200 milhões de euros no Orçamento do Estado com as alterações retenções, em que não vai ter peso quase nenhum. Há muita gente que vai ter um euro ou dois euros a mais por mês e isso não vai ter grande impacto. Assim como aquele mecanismo dos vouchers que foi aplicado em vários países na restauração. São mecanismos muito complicados, que só vão ter reflexo no trimestre seguinte. A restauração solicitou, como aconteceu em vários países, uma baixa temporária do IVA para as empresas terem massa crítica para se aguentarem mas, nesta área, o Governo foi muito pouco ambicioso. Por outro lado, as medidas que tomou acabaram por entrar em vigor a 1 de janeiro e no Natal não tiveram qualquer efeito no Natal e vamos ver qual vai ser o impacto.
As medidas de confinamento entraram praticamente em vigor ao mesmo tempo com o aumento do salário mínimo nacional… Mais uma agravante para as contas das empresas?
Nas contas das empresas, o aumento do salário mínimo nacional não só veio a agravar, como ainda trouxe uma agravante: o Governo prometeu às empresas uma compensação em relação à parte do aumento do salário mínimo – dos encargos com a TSU, etc. – e isso ainda não está regulamentado e, como tal, não não entrou um euro nas contas das empresas.
E essa era uma contrapartida…
Era para amortecer um pouco o impacto da subida do salário mínimo nacional. Estamos fartos de apertar com o Governo sobre isso e dizem-nos que está a ser visto, mas o que é certo é que, até agora, quer as empresas, quer as associações têm-nos perguntado praticamente semanalmente quando é que vem esse dinheiro e, até à data, não entrou um euro desse dinheiro nas empresas.
Há então uma falha do Governo em cumprir essa promessa….
Sim. O que temos dito ao Governo é que as medidas são tão importantes como o timing em que depois são concretizadas. É muito importante a chegada do dinheiro às empresas.
Como vê o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que já foi apresentado em Bruxelas?
Ainda estamos analisar no detalhe porque, ao mesmo tempo, também saiu o Plano de Estabilidade. O problema é que o terceiro pilar disto que é o Portugal 2030 – o quadro europeu – ainda não se sabe nada. Tudo isto tem de ser articulado. O Governo anunciou que ia deslocar algum dinheiro para as empresas, mas a recomposição tendo em conta o facto de a União Europeia ter chumbado 900 e tal milhões que estavam destinados às infraestruturas – ou seja, parte do projeto de infraestruturas –, concluímos que o aumento que existe globalmente está relacionado não com a parte do dinheiro a fundo perdido, mas com o aumento de recursos dos empréstimos com juros. Isto significa que não houve grandes alterações de estrutura, tendo em conta a primeira análise que fizemos. No fundo, o Governo com o PRR pôs um conjunto de investimentos públicos que apareciam todos os anos nos Orçamentos de Estado e que não eram concretizados.