Portugal, Lituânia e Malta. São estes os três países da União Europeia que ainda não têm qualquer oferta comercial 5G, de acordo com o último relatório trimestral do Observatório Europeu do 5G, deixando assim claro que o nosso país está atrasado no lançamento desta rede. Os atrasos são justificados pela pandemia – continua a decorrer o longo leilão para atribuição de frequências – mas também pelas várias polémicas entre o regulador Anacom e as várias operadoras – Altice, NOS e Vodafone – que nem sempre se mostraram satisfeitas com os trâmites do processo.
A tecnologia 5G é importante para o país mas afinal o que representa? «É a próxima geração de comunicações móveis, e será implementado ao longo dos próximos cinco a seis anos, cada vez com maiores capacidades», começa por explicar ao Nascer do SOL, Rui Luís Aguiar, professor da Universidade de Aveiro e investigador do Instituto de Telecomunicações. «Neste primeiro momento, o 5G será essencialmente um 4G com velocidades de acesso mais rápidas (10 vezes), mas vai gradualmente trazer capacidades de controlo de dispositivos (sensores/ atuadores), serviços interativos mais responsivos, e melhor confiabilidade para comunicações criticas», acrescenta.
Já, Luis M. Correia, professor do Instituto Superior Técnico e investigador do INESC-ID/INOV, explica as principais diferenças, do ponto de vista do utilizador, entre a rede que temos agora, o 4G e o 5G: «O 5G tem três diferenças principais relativamente ao 4G: velocidades de transmissão de dados muito maiores, que permitem a utilização de dispositivos com realidades aumentada e virtual; atrasos de transmissão muito menores, que possibilitam a implementação de veículos autónomos, cirurgias remotas e controlos industriais otimizados; e capacidades de conectividade muito maiores, que criam as condições para a colocação de múltiplos sensores em roupas, veículos, edifícios, etc.».
O professor garante ainda que «as modificações na rede (que não são visíveis para os utilizadores) vão possibilitar a criação de muitos novos serviços e produtos por parte de empresas, usando as redes dos operadores de comunicações móveis».
Percebe-se, então, a importância desta nova geração mas que implicância terá nas nossas vidas? António Rodrigues, professor do Instituto Superior Técnico e investigador do Instituto de Telecomunicações, diz que, «ao permitir pensar em novas aplicações, só possíveis com a capacidade do 5G, o impacto social será enorme ao nível pessoal e ao nível da potencialidade de utilização pela indústria e empresas em geral». Claro que até para a ‘pessoa comum’ haverá mudanças. «Para o indivíduo, a maior visibilidade será notória no entretenimento que poderemos vir a ter disponibilizado nos transportes (públicos e pessoais), nos jogos e formação (com generalização de realidade aumentada e virtual, na saúde (monitorização de doentes e operações remotas), em concertos e eventos desportivos e, no futuro, com a possibilidade de se generalizar a existência de veículos autónomos», diz ainda António Rodrigues.
Já Rui Luís Aguiar não tem dúvidas que «o 5G será um catalisador essencial para a chamada transição digital da sociedade». «Esta tendência, de termos uma sociedade cada vez mais digitalizada, tem impactos em todos os aspetos da nossa vida», garante, deixando como exemplos exemplos a melhoria dos serviços médicos, com atendimento e monitoria dos sinais vitais remotamente; melhoria dos serviços turísticos, com capacidade de fornecer vivencias de realidade aumentada nas nossas cidades; melhoria da eficiência dos nossos portos, com cadeias logísticas totalmente integradas dentro e fora do porto; melhoria das nossas fabricas, com maior flexibilização do sistema produtivo; melhoria dos serviços de entretimento, com vídeos de definição ultra larga em qualquer lugar; melhoria da deteção de fogos, com maior capacidade de sensorização nas nossas matas; entre outros.
Opinião que é partilhada por Luís M. Correia ao garantir que «o potencial de impacto é enorme». Também este professor e investigador deixa vários exemplos da diferença que o 5G fará nas nossas vidas: «A colocação de sensores em roupas e outros objetos ‘vestíveis’ vai possibilitar o desenvolvimento de novos serviços na área da medicina e bem estar, através do controlo de sinais vitais (pulsação, tensão arterial e ritmo de respiração, entre outros), melhorando a qualidade de vida das pessoas, nomeadamente de pessoas com doenças crónicas e idosas», diz.
E a nível empresarial, o 5G vai abrir a possibilidade de não só criar novos serviços e produtos, muito além do que existe atualmente, «e portanto levando ao aparecimento de novas áreas de negócio, mas também aumentar a eficiência de produção, através da utilização de sensores e atuadores para gerir melhor os equipamentos e obter dados importantes», diz Luís M. Correia.
Que mudanças numa primeira fase?
Ao início, apesar das mudanças que trará consigo, o 5G chega tímido, comparado com aquilo que poderá fazer no futuro. A título de exemplo, Rui Luís Aguiar, diz que, numa primeira fase, durante os primeiros dois anos «o que veremos será essencialmente apenas uma melhor internet móvel, e nalguns locais, uma melhoria da cobertura da rede móvel. Os serviços mais inovadores só aparecerão mais tarde».
O mesmo defende António Rodrigues ao garantir que só depois, «à medida que as empresas aderirem, as possibilidades de desenvolvimento de novas aplicações úteis para o nosso dia-a-dia só é limitada pela imaginação e pela capacidade da rede». Também Luís M. Correia lembra que «a disponibilidade de realidades aumentada e virtual depende da existência de terminais compatíveis, pelo que teremos que esperar ainda pela sua comercialização. Espera-se que os protótipos de óculos já desenvolvidos para este fim sejam transformados em produtos comerciais rapidamente».
Teremos carros voadores?
Muito se fala que o 5G trará tanta nova tecnologia aos carros que esta possibilidade não seria de todo descabida. Mas talvez seja um pouco. «Há alguma confusão neste aspeto. O 5G poderá ajudar aos carros sem condutores, e aos drones, mas essencialmente como tecnologia complementar para aumentar a segurança e o conforto do utilizador.
Nalguns ambientes (por exemplo, portos e fábricas) o 5G irá permitir condução remota, mas não nas vias públicas – ou pelo menos, não nos próximos anos», explica-nos Rui Luís Aguiar.
No entanto, as mudanças no mundo dos transportes serão muitas, como diz António Rodrigues: «Toda a indústria de transportes poderá beneficiar do 5G. Na área do entretenimento já referida, na condução de carros, camiões e autocarros de forma autónoma (permitindo poupança de tempo, gastos energéticos e aumento da segurança rodoviária ao excluir o erro humano de condução) e na operação de drones para segurança, sistemas de proteção civil e distribuição», diz o professor, acrescentando que o 5G poderá vir a oferecer uma solução para os sistemas de comunicações dos transportes ferroviários, para a nova rede que venha a substituir/atualizar as funções atuais do SIRESP ou mesmo para comunicações entre veículos espaciais na superfície ou em órbita na Lua ou em Marte.
É como diz Luís M. Correia: «A existência de carros voadores vai seguramente muito além dos desenvolvimentos do 5G», mas os automóveis sem condutor estão perto de se tornar uma realidade. «Atendendo a que os carros têm cada vez mais um número crescente de sensores, é de esperar que as funcionalidades disponibilizadas pelo 5G mudem bastante a maneira como viajamos e como se transportam mercadorias», defende.
E o atraso em Portugal?
Rui Luís Aguiar lembra que Portugal tem sido um dos lideres europeus na implementação de novas tecnologias das redes móveis, o que não acontece desta vez. Por isso, não tem dúvidas: o país «irá pagar este atraso em termos de PIB, aumento de qualidade de vida dos cidadãos, e de preparação das nossas empresas na grande competição internacional em que se encontram. Infelizmente, estarmos um/dois anos atrasados terá sempre este preço inicial, que não sendo impossível de compensar, é sempre uma penalização».
Já António Rodrigues diz que este atraso pode «colocar algum atraso na implementação de algumas aplicações já pensadas por várias empresas (e também por parte dos operadores) que esperam a existência do 5G para lançar as suas ideias». Mas lembra que esta pode ser também uma oportunidade para os operadores verem o que se passa noutros países e fazerem um melhor planeamento.
Por outro lado, Luís M. Correia lembra que as operadoras já estão preparadas «e é de esperar que a oferta comercial comece poucos meses depois do leilão terminar (no segundo semestre deste ano), uma vez que os operadores já têm redes experimentais para testes a funcionar». Por isso, defende que «as consequências do atraso deverão ser menores, e Portugal deve recuperar rapidamente o ritmo de instalação do 5G para ficar a par dos outros países».
Quais são os principais obstáculos e entraves?
Neste ponto, a opinião de Rui Luís Aguiar, António Rodrigues e Luís M. Correia é unânime: um dos principais obstáculos é o financiamento. Mas não só. A ‘guerra’ entre regulador e operadores pode ser também um problema. «Em Portugal temos este conflito inicial que não ajudará a implementação do 5G – se este conflito existente entre o regulador e os operadores escalar para os tribunais nacionais, muitos problemas poderão ir surgindo ao longo do caminho», diz Rui Luís Aguiar. Instalação de antenas e entradas de novos operadores são outros dos possíveis problemas apontados pelos especialistas.
Ainda assim, Luís M. Correiar lembra que «o investimento depende sempre das condições da rede de cada operador e das opções que desejam instalar nas várias fases». Mas como o 5G usa frequências um pouco acima das usadas pelo 4G, «isso implica a instalação de um maior número de estações base». Mas, não há dúvidas: «Os investimentos serão seguramente de muitos milhões de euros».