Desejamos ardentemente as cidades

As pessoas vão continuar a procurar viver nas cidades, vão continuar a querer trabalhar em escritórios ainda que possam morrer soterradas por lava, por atentados bombistas ou surtos pandémicos…

Os humanos constroem cidades há milénios. Em 2018 visitei Pompeia pela primeira vez e não pude conter o espanto e a admiração. Pompeia era uma cidade planeada, tinha zonas distintas de habitações, praças, tabernas, prostíbulos, teatros, lugares de culto. Caminhamos sobre aquelas pedras com milhares de anos, vemos os frescos pintados nas paredes e com um pouco de imaginação, conseguimos ouvir o barulho de milhares de pessoas em frenesim diário. A par da arte que impressiona (pinturas e mosaicos perfeitos de pedras pequenas), está todo o sistema de águas com canalizações e torneiras. O nível de desenvolvimento, de engenho e criatividade são admiráveis, os homens quando se juntam conseguem feitos notáveis. Este apelo de vivermos juntos, em comunidades grandes, multifacetadas, de necessidades conflituantes e complementares existe há milhares de anos porque é inerente ao ser humano.

As cidades que se construíram na Europa a partir da idade média, fizeram-se pelo mesmo motivo, possível satisfação simultânea de necessidades económicas, sociais, culturais e espirituais, as quais, apesar das suas condições insalubres e focos pandémicos, sempre se afirmaram como os lugares onde as pessoas querem viver. Campo e espaço sempre houve com fartura e ainda assim, é nas cidades que as pessoas escolhem viver.

Sonhamos com a cidade, desejamos viver nas cidades e as suas múltiplas possibilidades: para ganhar o pão, para gozar as maravilhas do desenvolvimento, para dar melhor educação aos filhos, pela abertura a novas modas, pelo maior progressismo dos costumes, pela audácia da arte, pela possibilidade de encontrar o amor.

Viver na cidade é difícil, é caro, tem gente a mais, tem ruído a mais, tudo é longe. Em todas as épocas houve quem defendesse que as pessoas iriam voltar ao campo – geralmente um lugar mitificado por snobes que nunca lá viveram.

Em todas as épocas, à medida que as cidades se consolidam, de cada vez que um invento ou avanço tecnológico se afirmam, há sempre quem apregoe que estão reunidas as condições para viver (melhor) longe das cidades. Seja o aparecimento do comboio a vapor, seja o automóvel ou a internet. É verdade que esses avanços encurtam a distância, derrubam barreiras, é verdade que oferecem as condições objetivas para que as pessoas possam viver fisicamente distantes das cidades, mas não oferecem as condições subjetivas. Faltam lá as outras pessoas, aqueles milhares de interconexões pessoais que fazem a humanidade evoluir.

Agora, a propósito da pandemia covid 19, ouvimos outra vez a mesma ficção que desta vez as pessoas iam deixar a vida na cidade, deixar de trabalhar presencialmente nos escritórios. É falso.

As pessoas vão continuar a procurar viver nas cidades, com o seu cortejo de luzes e dificuldades e vão continuar a querer trabalhar em escritórios ainda que possam morrer soterradas por lava, por atentados bombistas ou surtos pandémicos. Milhares de anos depois, permanecemos essencialmente os mesmos, movidos pelas mesmas necessidades e impulsos.