O governo francês e o exército estão a viver um clima de grande tensão depois de o executivo ter condenado uma carta aberta por soldados e ex-generais que afirmavam que o país estava a caminhar para uma «guerra civil» devido ao extremismo religioso, ameaçando intervir devido ao «caos crescente» que se vive no país.
A carta, publicada numa revista de direita a 21 de abril, data dos 60 anos de um golpe de Estado fracassado no país contra Charles de Gaulle, conhecido como «golpe dos generais», foi assinada por cerca de mil membros das Forças Armadas, incluindo 20 generais reformados e centenas de altos graduados, assinaram o documento onde atribuem as culpas pelas divisões na comunidade aos «apoiantes fanáticos» e acusa os islamitas de tomarem conta de regiões do território francês.
O texto afirmava que o «ódio entre comunidades alimentado por um certo antirracismo» e levou o país à «decadência». Os signatários declaravam-se «dispostos a apoiar os políticos que levarem em conta a salvaguarda da nação». Advertiram porém que, caso a «imobilidade dos governantes continue», será necessária «a intervenção dos nossos companheiros no ativo».
«O momento é grave, e a França está em perigo», pode ler-se no documento que está disponível no site da revista semanal Valeurs Actuelles e que foi originalmente enviado para o Presidente francês Emmanuel Macron. «Aqueles que lideram o país devem, imperativamente, encontrar a coragem para erradicar estes perigos», escreveram os militares.
Segundo os autores da carta, caso os políticos não tomem ações, «a guerra civil acabará com este caos crescente e as mortes, pelas quais vocês vão assumir a responsabilidade, chegarão aos milhares».
Os principais autores da carta apresentam ligações à extrema-direita e ao movimento anti-imigração francês, escreve a AFP. O primeiro signatário, Jean-Pierre Fabre-Bernadac, foi líder da segurança do partido de extrema-direita Frente Nacional durante a década de 1990. Entre os subscritores conta-se tambném com o general reformado Antoine Martinez, que fundou o grupo de extrema-direita Volontaires pour la France.
Sanções
Os soldados ativos que apoiaram esta missiva vão ser alvo de sanções. O governo francês denunciou o documento como um desrespeito à lei, acrescentando que não representa a verdadeira opinião das Forças Armadas, que conta com mais de 300 mil membros e milhares de oficiais na reserva.
A ministra da Defesa, Florence Parly, afirmou que os signatários devem ser punidos por desafiar a lei e acusou as suas atitude como «inaceitáveis e irresponsáveis». «Dois princípios imutáveis guiam as ações de militares em relação à política: neutralidade e lealdade», escreveu Parly no Twitter.
Os 18 soldados vão «receber sanções disciplinares militares», anunciou, na quarta-feira o chefe do estado-maior do Exército, general François Lecointre ao jornal Le Parisien, mencionando ainda que serão aplicadas «sanções mais rigorosas para os de patente mais elevada».
Os generais signatários que se encontram na reserva, o que significa que ainda podem ser convocados, podem ser obrigados a passar para a inatividade, acrescentou. «Esses oficiais passarão por um conselho superior militar. Após esse procedimento, será o Presidente da República que assinará um decreto de supressão», informou o general Lecointre.
O primeiro-ministro francês, Jean Castex, disse que esta rara intervenção política por parte dos militares é uma violação dos princípios da República de França e à «honra e dever» do exército.
Esta carta aberta é publicada num contexto sensível: no último ano, França foi alvo de uma série de atentados, levado a cabo por extremistas islâmicos, nomeadamente o assassínio do professor Samuel Paty, que foi decapitado em outubro do ano passado por ter mostrado cartoons de Maomé aos seus alunos de liceu.
O caso foi inclusive citado pelos autores da missiva, que apresentaram o assassínio de Paty como um exemplo da «violência que cresce de dia para dia».