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O fim das third -party cookies  vai trazer grandes desafios aos anunciantes, que dependem cada vez mais de dados precisos e confiáveis, para otimizarem as suas estratégias de vendas

Por Bruno Ribeiro

Qualquer pessoa que tenha navegado na internet nos últimos anos dificilmente não se terá deparado, em algum momento, com o termo cookie. Uma cookie é informação que fica guardada no browser do utilizador, que recolhe dados, nomeadamente as nossas preferências. Por exemplo, quando entrarmos num website com várias opções de idiomas e visualizamos os conteúdos no idioma que escolhemos numa visita anterior, é porque temos uma cookie deste site guardada no browser. Mas há outro tipo de cookies, third-party cookies, que recolhem informação nos sites, tal como as primeiras, mas partilham essa informação com outras entidades, nomeadamente anunciantes. Este tipo de cookies vai acabar. O que pode mudar?

As cookies são instrumentos fundamentais nas estratégias de marketing digital. Através das cookies, third-party cookies, obtém-se informação que permite estabelecer padrões de comportamento, nomeadamente interesses, sites visitados e comportamentos de navegação dos internautas. Com base nesta informação, é possível criar perfis de utilizadores e fazer campanhas segmentadas, dirigidas a públicos específicos. Quantos mais dados, melhor, do ponto de vista de segmentação (assim haja capacidade para os processar, mas essa é toda uma outra questão). Por outras palavras, as cookies captam informação fundamental para se apresentarem anúncios relevantes, com o conteúdo e no momento certos. Se uma pessoa visita um site para procurar alojamento em Paris, é bem provável que durante algum tempo, ao navegar pelos mais diversos sítios, receba vários anúncios com ofertas semelhantes ou complementares à pesquisa de alojamento que efetuou. 

Se alguns dos benefícios das cookies, mesmo as third-party, são evidentes, também é claro que colocam questões sérias no que respeita à proteção de dados pessoais. É certo que quando acedemos a um site pela primeira vez, recebemos um pedido de consentimento de utilização de cookies. Talvez até tenhamos lido um ou outros, quando começaram a aparecer ou quando visitamos um site menos confiável, mas à velocidade que navegamos hoje em dia entre sites, o mais certo é a maioria dos pedidos de consentimento sejam pouco mais do que paisagem. A grande questão com as cookies reside exatamente aqui na proteção dos dados pessoais, combinando-se dois fatores: por um lado a pouca compreensão que os internautas têm quando aceitam cookies, por outro a forma como os nossos dados são partilhados, processados e armazenados. 

O que começa como uma questão tecnológica e depois jurídica, hoje extravasa para um tema ético. Independentemente da eficácia dos esforços para garantir que os dados estão seguros e que as pessoas sabem ao que vão, quererão grandes marcas como a Google (cuja principal fonte de receita é publicidade), a Apple, a Microsoft ou a Mozilla fazer parte desta cadeia? Claro que tratam apenas de fornecer os browsers, nalguns casos até com um bloqueio de third-party cookies ativo, por defeito, mas as várias medidas implementadas têm sido manifestamente insuficientes para prevenir a partilha indesejada de informação. Os internautas também têm estratégias para lidar com estas matérias, programas que bloqueiam as cookies por exemplo. Mas não são soluções que todas as pessoas tenham capacidade de perceber e implementar. 

O fim das third-party cookies vai trazer grandes desafios aos anunciantes, que dependem cada vez mais de dados precisos e confiáveis, para otimizarem as suas estratégias de vendas. Inevitavelmente terão de surgir outras fontes e sobretudo processos de recolha de dados, onde as pessoas desempenham um papel mais ativo no controlo da informação que é cedida. O papel dos anunciantes, diretamente ou através de parcerias com outras plataformas, terão de conseguir criar uma maior proximidade e envolvimento para que as pessoas, de forma (muito mais) voluntária, partilhem os seus dados.

É aqui que voltamos à essência do que é a comunicação comercial: a necessidade de boas ideias para vender um produto (muito diferente de boas ideias para vender a própria ideia). Não há caminhos óbvios, mas certamente que os conteúdos irão desempenhar um papel central num mercado sem third-party cookies. É pela experiência com uma marca, na qual os conteúdos desempenham um papel central, que as pessoas vão avaliar se estão disponíveis para partilhar as suas informações. No limite, pagam-se dados com experiências. 

O fim das third-party cookies terá um grande impacto no mercado da publicidade digital. Perdendo capacidade de direcionar e medir os esforços de marketing, o digital perde algum do seu valor acrescentado face aos restantes meios. O que poderá ter como consequência a aceleração do desenvolvimento de alguns meios, sobretudo offline, no sentido de conseguirem dar melhor resposta ao tema dos dados. 

Por muitas opções que possam surgir até então, a Google anunciou o fim definitivo das third-party cookies para o final de 2022. E com esta mudança, há duas transformações que parecem óbvias: o maior controlo sobre a partilha de informações pessoais e um aumento da consciência para os dados enquanto um ativo com valor, muito valor. É uma boa altura para começar a pensar quanto podem valer os seus e a quem os quer vender.

Senior Manager da Accenture Interactive