A Polícia Judiciária está a investigar as condições em que se encontram os migrantes de Odemira. São condições desumanas que nos devem fazer refletir sobre a vida de seres humanos que a troco de salários de miséria não têm um local digno onde viver, encontrando-se amontoados em contentores numa situação chocante que deveria ter sido proibida pelas autoridades locais e da segurança social. Daí à propagação da covid foi uma inevitabilidade. Odemira ficou em cerca sanitária e os residentes queixam-se legitimamente do confinamento a que estão obrigados.
Este caso não é novo. São muitas as explorações agrícolas onde há uma mão de obra escrava de que só nós podemos envergonhar.
Vivemos num mundo de contradições. A desigualdade no acesso às vacinas é igualmente paradigmático. Como quase sempre acontece, a África subsaariana é a região mais sacrificada. À exceção de Marrocos, as vacinas não chegaram à maioria dos países onde o valor da vida conta muito pouco.
O Papa Francisco nas suas homilias e encíclicas tem falado nos mais pobres entre os mais pobres. São palavras escutadas mas que não modificam a vida de milhões de pessoas que vivem à margem da riqueza produzida a nível mundial mas fortemente desigual na forma como é distribuída. Vivemos num mundo assimétrico.
A pandemia, para além da crise de saúde pública que nos trouxe, veio mostrar-nos um submundo de morte e desumanidade.
Contrastando com as praias de Ipanema e Copacabana, as televisões apresentam todos os dias as imagens de cemitérios a céu aberto, valas comuns, crematórios improvisados e a dor daqueles que não se podem despedir dos seus entes queridos. Absorvidos pelo quotidiano que muitas vezes nos consome as energias, o tempo e o pensamento, vivemos como que anestesiados perante o infortúnio que atravessa países e até continentes. O desenvolvimento que a nova globalização digital trouxe não aprofundou as condições de igualdade e de acesso à escala planetária. Muitos seguem em frente mas muitos outros ficaram para trás. Os vencidos da vida estão ao nosso lado. Os migrantes de Odemira são apenas os que nos estão mais próximos.