Economia vai crescer, mas como?

Vice-presidente executivo da Comissão Europeia prevê uma ‘recuperação bastante forte’ da economia portuguesa no segundo semestre, ISEG acredita que PIB vai disparar até 15% já no segundo trimestre, mas António Costa afasta turismo como motor da recuperação.  O Nascer do SOL falou com João Ferreira do Amaral, João César das Neves, Nuno Teles e Eugénio Rosa para…

O turismo não será «uma grande alavanca da recuperação económica» em 2021. A garantia foi dada por António Costa, apesar de reconhecer que o setor «é uma componente essencial» da base económica nacional. Em entrevista ao Nascer do SOL, Raúl Martins, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, admitiu que só em 2022 é que o turismo vai voltar a recuperar o seu peso nas exportações.

E até lá? Para o vice-presidente executivo da Comissão Europeia não há dúvidas. Portugal vai assistir a uma «recuperação bastante forte» da economia no segundo semestre do ano. Valdis Dombrovskis justifica esse aumento com o levantamento das restrições e com o avançar do plano de vacinação, permitindo assim a retoma do turismo. «A economia portuguesa tem seguido, em termos gerais, o padrão a que assistimos em toda a Europa no ano passado, com uma recessão substancial, principalmente devido a medidas restritivas que foram postas em prática para conter a pandemia», referiu.

Também o grupo de análise económica do ISEG prevê que a economia nacional recupere significativamente no segundo trimestre deste ano. A variação homóloga poderá apontar para um crescimento de 15%.

Menos otimista em relação ao crescimento da economia portuguesa está o Fórum para a Competitividade ao estimar que o Produto Interno Bruto (PIB) suba de 1% a 3% este ano. «Para o conjunto do ano, a incerteza sobre o turismo permanece um dos principais obstáculos, além da timidez do auxílio orçamental, do atraso nos fundos da bazuca europeia e da incógnita do mercado de trabalho», garantiu a entidade liderada por Pedro Ferraz da Costa.

O Fórum sublinhou ainda que existe uma incógnita em torno das falências e do desemprego adiado, considerando que os apoios públicos têm sido «manifestamente insuficientes» e, mesmo que o não fossem, haveria sempre empresas a não conseguir sobreviver a esta crise. E face a esse cenário não deixa margem para dúvidas: «É expectável que nos próximos trimestres haja uma clarificação sobre a destruição de capacidade produtiva e de emprego daí resultante, constituindo um travão à retoma».

Também Mário Centeno defendeu que não se deve tornar permanentes medidas que foram criadas para dar uma resposta temporária à crise.

O Nascer do SOL quis saber junto de vários economistas como vai ser feita essa recuperação e com base em que setores.

 

João Ferreira do Amaral
‘Espero que o crescimento este ano possa ficar acima dos 4%’

Para João Ferreira do Amaral não há margem para dúvidas: «Vamos ter uma recuperação clara em relação ao ano passado», mas garante que iremos ficar longe dos números de 2019. «Se não houver retrocesso nas condições sanitárias vamos ter um recuperação clara em relação ao ano passado, embora provavelmente ainda fiquemos abaixo de 2019».

O economista acredita que todos os setores de atividade irão contribuir para este crescimento e, mesmo em relação ao turismo, está convencido que, em termos anuais, vai ter um aumento relativamente ao ano passado. «Estou confiante que a generalização da vacinação em Portugal e nos países mais importantes do ponto de vista dos turistas que nos visitam vai proporcionar alguma retoma do turismo».

João Ferreira do Amaral admite que o principal risco é o de voltarmos atrás nas condições sanitárias, mas se mantivermos o atual caminho afirma que o crescimento do PIB poderá ultrapassar os 4%.

O responsável aplaude ainda as declarações de Mário Centeno que defendeu que as medidas temporárias não se podem transformar em definitivas. «Não faz sentido prolongar medidas de exceção quando não são necessárias», acrescentando que «o que é importante é garantir uma transição suave para a ‘normalidade’»

 

João César das Neves
‘É um pouco ingénuo assumir que tudo vai correr pelo melhor’

«Este ano o turismo não deve dar grande contributo ao crescimento. Mas o turismo representa apenas 8% do produto português. Os outros 92%, compostos por todos os setores da agricultura, indústria e serviços, vão certamente recuperar muito mais depressa, como aliás já aconteceu na segunda metade do ano passado». A garantia é dada por João César das Neves.

O economista acredita na «recuperação bastante forte» da economia portuguesa no segundo semestre do ano defendida pelo vice-presidente executivo da Comissão Europeia ao afirmar que «é normal que, por razões meramente aritméticas, a economia portuguesa recupere bastante, porque vai comparar com a terrível queda do ano de 2020», acrescentando que «isso não é otimismo, mas uma simples normalização da atividade».

César das Neves deixa um recado. «As perspetivas são boas e provavelmente vai tudo correr bem mas, depois de um ano de horríveis surpresas, é um pouco ingénuo assumir que tudo vai correr pelo melhor. Temos esperanças, mas não certezas e devemos manter a vigilância».

Em relação às metas de crescimento, César das Neves lembra que tudo vai depender se vão existir mais percalços. E dá como exemplo, o aparecimento de uma nova vaga ou de uma variante mais resistente. Ainda assim, defende que medidas que foram tomadas em emergência, perante a pandemia, só devem ser aplicadas durante a catástrofe. «Não podem ser retiradas antes da normalização da atividade, mas também não se devem prolongar para lá das necessidades».

E acredita que as medidas de apoio às empresas, como o layoff simplificado, isolaram o mercado de trabalho da queda produtiva. «O produto caiu brutalmente, enquanto o desemprego mal subiu. As pessoas, que sendo apoiadas não estavam desempregadas, mas também não estavam a trabalhar. Para não haver impactos súbitos no desemprego futuro é preciso que se tenha muita cautela na gestão do calendário dessas medidas de apoio, porque se forem retiradas demasiado cedo podem gerar uma perturbação súbita no mercado de trabalho», referiu ao Nascer do SOL.

 

Nuno Teles
‘‘Portugal precisaria de um forte estímulo de investimento público’

Para Nuno Teles, Portugal, à imagem de outras economias – como a norte-americana – precisaria de um forte estímulo de investimento público que reanimasse vários setores simultaneamente, sobretudo na indústria, que não só ajudasse à recuperação mas que promovesse uma reestruturação da economia nacional. No entanto, admite que o Governo está a apostar essencialmente «na recuperação da economia mundial, que favoreça as exportações de bens transacionáveis e nos efeitos do Plano de Recuperação, que tarda em chegar e se mostra insuficiente face à dimensão da crise».

Apesar de lamentar o foco do Executivo, o economista reconhece que, face ao fim do confinamento, é de prever que a recuperação vá começando a aparecer. No entanto, ainda insuficiente para acabar com as dúvidas. «A questão que se coloca é se é suficiente para rapidamente voltarmos a uma situação pré-pandémica», acrescentando que «dado o impacto desta crise e a complacência do Governo parece-me difícil que tal cenário venha a acontecer no curto prazo», diz ao Nascer do SOL.

E não hesita: «Não consigo vislumbrar um cenário onde a pandemia é uma memória longínqua. Os seus efeitos perdurarão no tempo». Face a esse cenário, Nuno Teles garante que o crescimento do PIB vai estar longe de 2019. «Uma recuperação na forma de uma raiz quadrada invertida parece mais provável. Uma recuperação forte inicial, reflexo do fim do confinamento, seguida por desaceleração da economia ainda marcada pelos efeitos desta crise».

Além disso, o economista apela ao Governo que seja cauteloso em relação ao fim de algumas medidas de apoio e, dá como exemplo, as moratórias de crédito. «O seu fim abrupto pode transformar-se numa bomba relógio para famílias, empresas e, sobretudo, bancos», sugerindo a transformação de alguns apoios conjunturais em permanentes, como aconteceu em França.

 

Eugénio Rosa
‘Portugal levará a anos a atingir a situação existente em 2019’’

«A economia portuguesa caiu tanto (-7,6% em 2020 e -5,4% no 1.º trimestre de 2021) que mesmo com crescimento entre 2% e 40% levará a anos a atingir a situação existente em 2019». A garantia é dada ao Nascer do SOL por Eugénio Rosa que aproveita para chamar a atenção para os erros que têm sido levados a cabo pelo Governo, no que diz respeito à forte dependência com o exterior. «É preciso tornar o país menos dependente e vulnerável ao exterior, como a atual crise revelou, essa dependência teve efeitos devastadores. Para isso, é necessário investir e qualificar muito mais e, mesmo que disponha de 58 mil milhões de fundos da União Europeia até 2030, o nosso país não tem atualmente capacidade para utilizar bem e rapidamente esses fundos dentro dos prazos fixados, como a experiência o tem mostrado».

No entender do economista, a solução passa por mudar o atual perfil produtivo que é dominante na economia portuguesa: produtos e serviços de média-baixa e de baixa tecnologia e conhecimento. «A confirmar isso está o facto de que apenas 4% das exportações portuguesas são de produtos de alta tecnologia, enquanto a média dos países da UE é 17,9%, ou seja, 4,5 vezes mais». Mas admite que essa alteração, a par da mudança assente nos salários baixos – em 2020, o custo médio da mão-de-obra em Portugal era 15,7 euros por hora, enquanto a média na UE era 32,3 euros por hora – e nas fracas habilitações, vai ser «difícil e lento».

E lembra que para selecionar as indústrias que o país deve desenvolver «é necessário começar por analisar, o que não é feito no PRR, a estrutura das importações portuguesas e identificar o que pode ser produzido de uma forma competitiva não só para abastecer o país, mas também para exportar».

Apesar de reconhecer que os riscos ainda são elevados, assim como a imprevisibilidade, Eugénio Rosa acredita que a meta de crescimento do PIB entre os 2% e os 3% parece-lhe o cenário mais credível com os dados que existem atualmente. Quanto às medidas tomadas durante a pandemia garante que têm de ser progressivamente eliminadas à medida que a economia e o emprego recuperem. «É evidente que as medidas temporárias não se podem tornar permanentes, pois nem o país nem o Orçamento do Estado as suportariam. Um aumento significativo da despesa e uma diminuição significativa da receita tornaria a dívida pública incomportável – em pouco mais de um ano aumentou de 117% para 137% do PIB – mas a solução deste problema não passa pelo feito por Mário Centeno/João Leão, pois criariam uma crise económica e social ainda mais grave que a atual», diz ainda.