por Henrique Pinto de Mesquita
Um conjunto de 28 ex-Chefes de Estado Maior (CEM) da Armada, Exército e Força Área dirigiu uma carta “preocupada” aos “titulares dos órgãos responsáveis pela Defesa Nacional”. Estes 28 nomes incluem todos os ex-Chefes de Estado dos três ramos desde o 25 de Abril, com a exceção de Valença Pinto. A carta – a que o i teve acesso – é ‘coroada’ pela assintatura de Ramalho Eanes e mostra preocupação com a “evolução do processo de Reforma da Estrutura Superior das Forças Armadas”. De notar que o Parlamento debaterá o assunto amanhã, pelo que o timing da carta não terá sido casual.
A reforma do Governo procura diminuir o poder trifurcado entre os três ramos das forças armadas (FA) e concentrá-lo na figura do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMFGA). A esta solução, os signatários da carta chamam “jogo de soma zero”. Consideram ainda que, num assunto tão delicado, recomendar-se-ia “prudência e reflexão” em vez de uma decisão “apressada” e “não convencional”. Concluem a carta apelando à promoção de “um debate alargado à sociedade civil, envolvendo a inteligência nacional, a Academia, os Institutos Políticos [e] os partidos”.
Ouvido pelo i, o major-general Carlos Branco revê-se no aviso dos militares: “Isto não dever ser um debate de sound bites, é preciso ir ao fundo da coisa. Se querem reformar vamos reformar a sério: não é fazer um paliativo. Eu sou um grande apologista de uma reforma, mas não desta: da própria Defesa que, por arrasto, traz as FA”. E, em particular, contesta: “O Conselho Estratégico Militar não faz sentido ser algo cuja decisão resida num indivíduo apenas, neste caso, no CEMGFA. Nada contra a pessoa, mas se tal poder se centralizar apenas nela far-se-ão acertos de contas”.
No documento, os militares explicam que uma razão que levou à Reforma foi “a necessidade de se responder aos ‘desafios e objetivos que levaram a grande maioria dos países aliados com Forças Armas de referência’ a procederem de igual modo”.
Carlos Branco esclarece: “A minha interpretação é que o Governo tenta mimetizar ou inspirar-se no estilo dos outros países. Não só da NATO como da União Europeia”. E acrescenta: “Já que estão tão preocupados em seguir tendências, não o devem fazer consoante lhes apeteça mas sim seguindo a sua integralidade”.
Outra ideia que os militares deixam patente na carta é a de que toda a Reforma foi preparada nas suas costas: “As linhas gerais da reforma foram apresentadas, sem consulta anterior ou conhecimento prévio, aos CEM dos três ramos das Forças Armadas”». Explicam ainda que, após o ministro da Defesa ter tornado público – embora sem qualquer pormenor – que seriam feitas reformas, o “processo começou a evoluir rapidamente […] [sem ter sido] objeto de adequada ponderação ou deliberação participada a nível institucional, nomeadamente, por parte dos CEM”. Vão mesmo mais longe, descrevendo a reforma como “uma espécie de exercício político e administrativo degradado”, que provocou perturbação “no ambiente das Forças Armadas”. Ao i, o major-general fala mesmo em Reforma “feita às escuras por um diretório secreto”. E não tem dúvidas quanto ao culpado: “Esta carta resulta de um erro crasso do senhor ministro. Ele é o único responsável desta reação”. No seu entender, Cravinho mostrou uma “inaceitável falta de respeito pela instituição militar”. E garante:_“O controle democrático das FA não é um exercício de tiranetes”. Mas faz questão de tranquilizar o povo: “As pessoas não pensem que é um golpe de estado. Os militares portugueses são respeitadores da ordem democrático. Eles, aliás, é que a instauraram”.