Governo garante contrato do lítio à Galp

O Governo contribuiu para acordo entre Galp e Northvolt quando outro privado português, a Lusorecursos, estava em jogo. Ministério do Ambiente confirma que AICEP promoveu petrolífera em Estocolmo.

O Governo promoveu a parceria da Galp com a Northvolt – a “gigante” sueca que pretende criar fábricas na Europa para produzir baterias de lítio para veículos elétricos e rivalizar com a norte-americana Tesla –, permitindo-lhe ganhar a corrida a outros players e tornar-se na fornecedora de lítio português da empresa sediada em Estocolmo. Para tal, Governo e Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) colocaram-se no terreno no início de 2020, numa altura em que o mercado ainda desconhecia a aposta da petrolífera no lítio e quando a Northvolt mantinha em aberto conversas com a britânica Savannah e a portuguesa Lusorecursos, empresas com contrato assinado para a exploração de lítio em Boticas e Montalegre, respetivamente.

O primeiro contacto da Northvolt com Portugal surgiu na sequência da falência da canadiana Nemaska Lithium, a sua principal fornecedora de lítio. Sem matéria-prima, a empresa passou a olhar para o mercado europeu e, em particular, para o país – à boleia da anunciada aposta do Governo no lítio.

O i sabe que Northvolt e Lusorecursos reuniram-se duas vezes no último trimestre de 2019 (em outubro em Portugal e em novembro na Suécia), mas tudo mudou quando, no primeiro semestre do ano passado, o presidente da AICEP, Luís Castro Henriques, foi destacado pelo Governo para se deslocar a Estocolmo e reunir com os responsáveis da empresa sueca. O encontro foi usado para colocar o nome da Galp em cima da mesa, o que foi confirmado ao nosso jornal por fonte oficial do Ministério do Ambiente. O ministério de João Pedro Matos Fernandes explica que o contacto com a Northvolt “aconteceu, naturalmente, e por mão da AICEP, que promoveu a reunião e esteve presente”. A abordagem é justificada com o facto de esta entidade ter tido conhecimento que “era propósito da empresa [Northvolt] a construção de uma refinaria de lítio em Portugal, o que, é publico, é do interesse do Governo português” e admite que, nesse encontro, “foi falado” que “era por nós [Governo] sabido que a Galp tinha interesse semelhante”. Embora a mesma fonte acrescente que “já tinha havido contactos entre as duas empresas”, a verdade é que a Galp nem sequer esteve presente na reunião.

Já os contactos entre Northvolt e as empresas que atuam no lítio em Portugal foram simplesmente ignorados. “Não se falou nessa reunião de qualquer projeto de mineração”, ou seja, nem de Boticas [da Savannah] nem de Montalegre [da Lusorecursos], o que permite concluir que foi apenas abordado o “interesse” comum de Governo, Galp e Northvolt.

AICEP “não faz parcerias” As informações dadas ao i pela alegada promotora do encontro contrariam, porém, a versão do ministério. Ao nosso jornal, fonte oficial da AICEP explica que esta entidade “não faz recomendações sobre parcerias de negócios junto de potenciais investidores que estejam a avaliar Portugal como opção de localização, nem tem um papel de intermediação de negócios entre privados”. A mesma fonte oficial acrescenta que “quem escolhe os seus eventuais parceiros de negócios é a empresa investidora” e que “só coloca em contacto as empresas quando solicitado por estas”, o que, neste caso, não corresponde à forma como o processo decorreu.

A Northvolt colocou, por altura dessa reunião, um ponto final (e abrupto) nos contactos com a Lusorecursos. No início de 2020, numa troca de emails entre Ricardo Pinheiro, CEO da Lusorecursos, e Paolo Cerruti, co-fundador e COO da Northvolt, a que o nosso jornal teve acesso, o gestor sueco informou a empresa portuguesa que “razões técnicas e legais” impediam que as partes avançassem “para um envolvimento mais profundo”. Sem mais esclarecimentos.

O acordo entre Galp e Northvolt ficou fechado em novembro de 2020. E a petrolífera anunciou publicamente a entrada neste universo em janeiro deste ano, após adquirir, por cerca de 5,3 milhões, uma participação de 10% no projeto de mineração da Savannah na mina do Barroso (Boticas) – porém, a ligação entre Galp e Northvolt só seria confirmado na passada quinta-feira, dia 13, numa notícia do Eco, pela voz do… Governo.

Contactada pelo i, a Galp mantém o silêncio sobre o acordo, referindo apenas que “está a trabalhar arduamente para garantir (…) uma cadeia de valor completa de baterias para veículos elétricos em Portugal e na península Ibérica” e que, nesse contexto, teve “contactos exploratórios com vários players e está a conversar com possíveis parceiros de upstream (lítio) a downstream (montagem de baterias)”.

Tensão com lusorecursos O i questionou a Lusorecursos sobre este processo, mas não comentou. “Não conhecemos os pormenores da ‘operação de diplomacia económica’ para a poder comentar”, disse fonte oficial da empresa. “A ser verdade que aconteceram esses contactos, estamos certos que o Estado português, conhecedor que é do projeto da Lusorecursos, avaliou e entendeu que não havia motivo para nos envolver nestas negociações”, acrescentou.

A relação entre Governo e a Lusorecursos tem sido pautada pela tensão. Recorde-se que recentemente o ministro Matos Fernandes, em entrevista ao Político, defendeu que a licença para a mineração da Lusorecursos deveria ser “rejeitada devido à falta de profissionalismo” demonstrada pela empresa, por ter submetido à Agência Portuguesa do Ambiente um estudo de impacte ambiental “claramente insuficiente”. Matos Fernandes chegou a afirma ser “muito improvável a possibilidade” de vir a existir uma mina de lítio em Montalegre, mas, horas depois, em declarações à RTP3, deu um passo atrás, recolocando a Lusorecursos no jogo.