O megaprojeto designado H2Sines, que representaria um investimento de 1,5 mil milhões de euros, para a produção em larga escala de hidrogénio verde em Sines está à beira de ruir, depois de, nos últimos dias, a EDP ter dado o primeiro passo para a desistência. A empresa deve em breve abandonar oficialmente o consórcio em que também participam REN, Galp, Martifer e Vestas, sabe o nosso jornal.
Fonte ligada ao processo, citada pelo Dinheiro Vivo, tornou público que a empresa ainda está «dentro do contexto de avaliação do projeto», mas admite que «a probabilidade de [o projeto] vir a cair é grande». Segundo a mesma fonte, em causa estão «leituras distintas» das entidades envolvidas em relação à estratégia do Governo que prevê a criação de uma vertente exportadora direcionada para o centro e norte da Europa.
O Nascer do SOL sabe, porém, que a principal razão para este ‘atirar a toalha ao chão’ é o montante de 185 milhões inscrito na rubrica dedicada ao hidrogénio e gás renováveis do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – apresentado à Comissão Europeia a 22 de abril (e que deverá subir ao Conselho no prazo de um mês) –, que ficou muito aquém daquilo que os privados esperavam. Fonte próxima do processo ouvida pelo Nascer do SOL confirma que, «feitas as contas, muito provavelmente, a EDP e os outros parceiros terão chegado à conclusão que o investimento público e a rentabilidade não eram suficientes para se manterem no projeto». «As empresas fizeram um ‘favor’ ao Governo em participarem na estratégia do hidrogénio verde, mas nunca tiveram verdadeiramente a intenção de se tornarem em pivots de um grande projeto à escala internacional com este peso e nível de investimento. Então, à primeira oportunidade, aproveitaram para sair», diz a mesma fonte.
As dúvidas em torno do investimento e rentabilidade do projeto já tinham, inclusive, levado o ministro do Ambiente a apelar a Bruxelas a criação de um mecanismo transfronteiriço para subsidiar a produção desta energia. Numa carta enviada à Comissão em dezembro do ano passado, Matos Fernandes explicava que o objetivo passava por criar uma ‘ferramenta’ que permitiria que a produção de hidrogénio verde no país de origem seja, em parte, subsidiada pelos países importadores (ou seja, Países Baixos e Alemanha). O Governo avançava com a possibilidade de os países importadores apoiarem em 50% o preço do custo da energia elétrica usada para produzir hidrogénio verde em Portugal (com um custo estimado entre os 2,5 e os 3,5 euros por quilo) o que permitiria reduzir o custo de aquisição em 35% (passando para os 1,6 a 2,3 euros) – e a eletricidade usada na produção poderia ainda ser usada nas contas nacionais de uso de energias renováveis dos países importadores. A missiva, porém, ainda não mereceu resposta.
Face aos dados atualmente disponíveis, as outras entidades envolvidas no H2Sines estão, neste momento, a ponderar as respetivas posições no projeto, apurou o nosso jornal. EDP, REN, Galp, Martifer e Vestas não pretendem abandonar para já a opção pelo hidrogénio verde, mas o mais provável é mesmo cada uma avançar em projetos em separado – o investimento global, neste caso, ficará sempre muito abaixo dos 1,5 mil milhões do megaprojeto de Sines.
Galamba responde com China No dia em que se conheceu a posição da EDP, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, veio anunciar uma nova possível fonte de financiamento para o hidrogénio verde proveniente da… China. De acordo com o governante, a hipótese surgiu durante uma videoconferência com o novo embaixador daquele país em Portugal, Zhao Bentang, realizada na semana passada, em que foi abordada a possibilidade do gigante asiático apostar no mercado dos veículos elétricos e do hidrogénio verde em Portugal. A aposta no hidrogénio verde é, de resto, o «pilar» em que está assente a estratégia de descarbonização da economia portuguesa delineada pelo Governo e que faz parte do PRR e do Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030). Sines está, ou estaria, no centro da tecnologia, defendida com ‘unhas e dentes’ pelo consultor do Governo António Costa Silva e pelo primeiro-ministro António Costa que, ainda no mês passado, afirmava publicamente que «Sines pode ser um campeão da produção de hidrogénio verde em toda a Europa».
Face aos novos desenvolvimentos, fonte oficial do Ministério do Ambiente, contactado pelo Nascer do SOL, remeteu as respostas para os privados e desvalorizou a questão. O Ministério tutelado por João Pedro Matos Fernandes sublinha que «a formalização dos consórcios é da responsabilidade das empresas que o integram», mas acrescenta que «o cluster de Sines é constituído por seis projetos e não é posto em causa pela eventual desistência de um dos interessados». «A atual dinâmica do mercado nacional conta com vários projetos na área dos gases renováveis, com capacidade de execução um pouco por todo país, e em diversos setores», refere a mesma fonte, que destaca «os 14 projetos candidatados ao POSEUR, [Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos] com um valor de investimento de 108 milhões de euros, que absorvem a totalidade dos fundos europeus disponibilizados (40 milhões)», conclui.
O Nascer do SOL tentou obter reações à posição da EDP e restantes parceiros junto do primeiro-ministro e do Ministério da Economia, mas ambos remeteram esclarecimentos para o Ambiente.
PSD e CDS criticam Governo À direita, PSD e CDS deixaram críticas ao Governo, sobretudo, devido à ausência de esclarecimentos, por esta altura, quanto aos métodos de armazenamento e transporte de hidrogénio. Ao Nascer do SOL, o deputado social-democrata, Hugo Carvalho, considera que a posição dos privados «fragiliza o projeto irremediavelmente» e critica o silêncio do secretário de Estado da Energia, João Galamba – que se tem assumido com voz defensora do plano. O parlamentar Pedro Morais Soares afina pelo mesmo diapasão: considera o H2Sines «um flop» e exige explicações de Matos Fernandes e de Galamba.