por João Campos Rodrigues, em Bissau
Quando o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa arrancou da Praia, em Cabo Verde, após uma curta visita oficial, a 17 de maio, confessou que sofria por não poder mergulhar num «mar humano», como tanto desejava. Mas foi algo que se resolveu rapidamente, horas depois, mal aterrou no aeroporto Osvaldo Vieira, em Bissau, onde foi recebido por uma multidão em êxtase – para desgosto do PAIGC, que está em choque frontal com o Presidente Umaro Sissoco Embaló. Para o principal partido da oposição, a chegada de Marcelo é o «branqueamento e robustecimento do sistema repressivo e ditatorial» na Guiné-Bissau, tornando «inoportuna» «uma visita que devia ser de celebração», lê-se numa carta enviada à embaixada portuguesa.
No entanto, em Bissau, mal se notaram quaisquer frutos dos esforços do PAIGC para boicotar a visita do Presidente português. Dias antes já se adivinhava uma receção calorosa – praticamente toda a gente com quem o Nascer do SOL falou, apoiantes do Governo ou não, prometeram estar presentes – após mais de trinta anos sem a visita de um chefe de Estado português, desde os tempos de Mário Soares, exceto para cimeiras internacionais.
Mas poucos – pelo menos portugueses – esperavam uma maré humana assim, com as ruas ao rubro, ao longo de oito quilómetros, entre o aeroporto e o hotel Ceiba, durante mais de duas horas.
«É o Presidente mais simpático do mundo, pelo que conheço, fiquei muito feliz», disse ao Nascer do SOL Mamude, um jovem aos saltos no meio da multidão. «Os portugueses são nossos irmãos», acrescentou em crioulo Aua Touré, nascida de um soldado colonial guineense, que esperava Marcelo no aeroporto desde manhã, ao lado do filho, Lenin, que salientou: «Ele é um Presidente muito simpático, que não dá problemas». Outros, ali ao pé, pediam «vistos, vistos», para aceder a Portugal, entre faixas exigindo o direito às pensões dos guineenses que combateram pelo império português antes de serem abandonados à sua sorte.
De facto, além dos vários grupos organizados pelo Governo, aos gritos «viva Sissoco», apoiados por sistemas de som gigantescos, que mantinham a festa a mexer, bem como de populares trazidos de autocarro do resto do país, a sensação era de genuína alegria, como o próprio Marcelo reconheceu.
«Além do que há sempre de manifestações com algum grau de preparação, porque se trata de receber bem quem vem de houve um lado intimista, de calor humano, de improviso genuíno», disse o Presidente português. Dando como exemplo que, aqui e ali, enquanto parava para saudar a multidão, se ouvissem referências espontâneas a Portugal. «Pode ser um jogador português ou um clube. Ou referência a combatentes ou filhos de antigos combatentes. Ou referências a um sitio em Portugal».
Contudo, o Presidente português não ignorou o impacto da visita nos círculos da política guineense, onde foi acusado de «alimentar o ego de gente que pretende implantar uma ditadura», nas palavras do PAIGC.
Aliás, enquanto recebia do seu homólogo a mais alta condecoração guineense, a medalha Amílcar Cabral, nomeada em honra de um dos expoentes da guerra de libertação contra o império português, Marcelo fez questão de se afastar das críticas. «Somos protagonistas temporários de uma história que nos ultrapassa», disse a Embaló, acrescentando: «Os Presidentes passam, os Governos passam, as maiorias parlamentares passam, os povos não passam».
Questionado sobre acusações de sequestros e espancamentos de jornalistas, deputados e opositores por parte do Governo guineense, que já surgem desde a altura em que Embaló tomou a presidência, o ano passado, após umas eleições contestadas pela oposição, Marcelo frisou: «Queremos mais Estado de direito democrático no mundo da lusofonia». E até abriu portas à possibilidade de uma visita do primeiro-ministro António Costa, para gáudio do Presidente Embaló, que prometeu uma «diplomacia agressiva» para atrair investimento externo.
O tempo dirá se visitas como a de Marcelo conseguirão cumprir esse papel.