A recente ofensiva de Israel contra a faixa de Gaza expôs um crescente fosso entre Telavive e o seu grande aliado, Washington, onde o Presidente Joe Biden depende de um eleitorado democrata cada vez mais avesso ao Estado israelita, sobretudo entre os jovens. Talvez por isso o Presidente americano – que sempre foi um feroz defensor de Israel, mesmo dentro de um partido alinhado com este Estado há décadas – tenha sido obrigado a puxar das rédeas ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, esta quinta-feira, em vez de ignorar a ampla condenação internacional, o que rapidamente resultou num cessar-fogo.
Não que tenha sido fácil empurrar Biden para essa posição. Durante dias, os Estados Unidos dispuseram-se a ficar isolados diplomaticamente, para impedir uma moção conjunta no Conselho de Segurança das Nações Unidas contra a ofensiva israelita, mas as imagens que chegavam de Gaza, a subida na contagem de mortos, bem como protestos enormes em solo americano (ver foto abaixo), tornaram-se insustentáveis.
Nem que fosse porque, à esquerda de Biden dentro do Partido Democrata, nomes destacados como Bernie Sanders – o grande rival de Biden na corrida a candidato democrata – introduziam no Congresso uma moção para bloquear a venda de 735 milhões de dólares (cerca de 600 milhões de euros) em armamento a Israel.
«Os Estados Unidos têm de liderar rumo a um futuro pacífico e próspero tanto para israelitas como para palestinianos», declarou Sanders, na quinta-feira. «Precisamos de ver de perto se a venda se a vendas destas armas está de facto a ajudar a fazer isso, ou se está simplesmente a alimentar o conflito». Seria um dura quebra para Israel, que recebeu uns 3,8 mil milhões de dólares (3,11 mil milhões de euros), em financiamento e armamento americano, só em 2019.
A questão é que, nesta recente escalada do conflito Israel-Palestina, descobrimos uma América diferente. Se, durante décadas, o apoio a Israel foi dogma bipartidário, salvo raras exceções, já se notavam algumas brechas entre na perceção democrata de Netanyahu, cuja agenda particularmente agressiva era apoiada por Donald Trump. Agora, vemos que essas diferenças são estruturais, mais do que circunstanciais – entre o Black Lives Matter, que ganha crescente destaque, a ligação à causa palestiniana tornou-se praticamente o padrão.
«Palestinianos mostraram a sua solidariedade ao enviarem tweets aos manifestantes em Ferguson sobre como tratar gás lacrimogéneo», contou Reuben Telushkin, um judeu afro-americano, dirigente da Vozes Judias pela Paz, ao Guardian, referindo-se aos protestos no verão. «As pessoas conectam-se nas ruas, conectam-se online, as solidariedades existentes aprofundaram-se. E também pessoas comuns, talvez mais apáticas, estão a politizar-se».
De facto, até entre os judeus americanos, a maré está a virar-se contra o zionismo – apenas 34% se afirmavam contra sanções ao Estado israelita, numa sondagem recente do Pew Research Center.