Começaram ontem a ser julgados no Tribunal de Leiria os onze arguidos do inquérito aos incêndios de Pedrógão Grande, quase quatro anos após a tragédia em que morreram 66 pessoas. O julgamento começou com um atraso na sequência da greve de funcionários judiciais e após terem sido feitas queixas relativamente à capacidade reduzida da sala de audiências.
Aos arguidos, dos quais apenas quatro têm intenções de prestar declarações – os três arguidos ligados à concessionária Ascendi, José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota, e o presidente da Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu – são imputados crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves.
O primeiro a falar foi José Revés, que afirmou que, das “várias fiscalizações das Infraestruturas de Portugal, nunca” recebeu “nenhuma notificação da gestão das faixas de combustível” na Estrada Nacional 236-1, que liga Castanheira de Pêra a Figueiró dos Vinhos. A estrada onde morreram 50 pessoas cercadas por fogo.
Os advogados que defendem as famílias de algumas vítimas fizeram questão de frisar que o objetivo do julgamento não é o de “vingança”, mas sim o de fazer com que este tipo de incêndios não se voltem a repetir. Os mesmos relembraram ainda que o que aconteceu foram factos “extraordinários” e “atípicos”, independentemente de qual tenha sido a atuação dos arguidos. Magda Rodrigues, advogada do arguido Jorge Arnault, comandante dos bombeiros, defendeu que não se deve “sacrificar este homem”, relembrando que tinha poucos meios para travar aquele combate. “Não era possível ter feito mais e melhor”, acrescentou a advogada.
Filomena Girão, advogada do mesmo arguido, frisou que era importante “não se fazer mais vítimas”, afirmando que a acusação contra o comandante é torná-lo “num bode expiatório”.
Manuel Magalhães e Silva, advogado de Valdemar Alves, o presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, afirmou nas exposições introdutórias que o “julgamento foi pervertido desde o primeiro momento pela intervenção abusiva do Presidente da República e do primeiro-ministro, quando nos primeiros dias fazem a afirmação bombástica que lesou a presunção de inocência: ‘todos os responsáveis serão severamente punidos’”. O defensor do autarca comparou os incêndios que decorreram em junho de 2017 a um “tsunami” e que “não passa pela cabeça de ninguém que seja possível combater um ‘tsunami’”.
Recurso do MP O julgamento decorreu após o Ministério Público (MP) ter decidido recorrer por não concordar com a classificação do caso como “megaprocesso”, defendendo que o recurso deveria ter um efeito suspensivo. O recurso foi admitido e subirá ao Tribunal da Relação de Coimbra.
O MP pediu ao tribunal a “nulidade e irregularidade da distribuição”, considerando que “pode ter sido colocado em causa o princípio do juiz natural”. Em resposta, no despacho da juíza presidente, Maria Clara Santos, pode ler-se que a distribuição dos autos foi feita “de forma totalmente eletrónica e aleatória, através da aplicação informática em uso nos tribunais judiciais”, sendo que “inexistem quaisquer nulidades ou irregularidades processuais”. Acrescenta-se que o requerimento foi “manifestamente intempestivo e extemporâneo” por não ter sido solicitado dentro do prazo legal.