Ana Jorge está de saída da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). Ao fim de cinco anos à frente da Unidade de Missão do Hospital da Estrela da SCML para os Cuidados Continuados, a médica e ex-ministra da Saúde apresentou a demissão este mês depois de a sua equipa ter sido informada definitivamente pelo provedor da Santa Casa, Edmundo Martinho, de que não teria lugar na futura direção da unidade, que começou a ser pensada em 2016 e tem abertura prevista para este ano. Nem contavam com eles para funções executivas na área dos cuidados continuados.
Até aqui rosto do projeto, e entusiasta do desenvolvimento da rede de cuidados continuados em Lisboa, Ana Jorge confirmou ao Nascer do SOL o seu pedido de demissão, entregue há cerca de duas semanas. A saída já se consumou: a médica termina a sua comissão de serviço na Santa Casa a 18 de junho, mas está a gozar um período de férias e já não regressa. «É dos sítios de onde estou a sair com mais dificuldades», confessa Ana Jorge, lamentando o afastamento. «Saio lamentando muito. Ao longo da vida saí de vários sítios, como é óbvio, mas neste momento era uma aposta nos cuidados continuados, em criar uma equipa de excelência, com excelentes resultados para os doentes. Foi um projeto que desenvolvemos ao longo dos últimos cinco anos e começou do zero», recorda. «Gostava de ter ficado mais algum tempo para ver concretizados alguns projetos».
Com Ana Jorge, também a restante equipa que nos últimos cinco anos desenvolveu o projeto – lançado ainda por Pedro Santana Lopes enquanto provedor da Santa Casa – apresentou a demissão e já não estará assim em funções na abertura de portas da unidade que vai servir doentes que precisam de cuidados de recuperação pós-cirurgia ou de longa duração na Grande Lisboa.
É o desfecho de um período de indefinição que começou no verão passado. Até aí, o trabalho da estrutura de missão vinha sendo prolongado, mas a equipa receneu a primeira indicação de que seria constituída uma nova direção para a unidade, cessando a atual estrutura. Entretanto a direção não foi nomeada e, agora, foram formalmente informados de que não a integrariam nem continuariam ligados ao projeto. À médica, foi sugerido que poderia ficar noutras funções, não ligadas a funções executivas na estrutura de cuidados continuados, o que recusou, cessando o seu vínculo à Santa Casa.
Ana Jorge justifica a decisão de não continuar com ter sido convidada para a Santa Casa da Misericórdia para promover a área dos cuidados continuados e adianta que não foram apontadas razões para a decisão que lhe foi comunicada. De trás, havia no entanto o que descreve como desencontros de ideias com o provedor da Santa Casa, Edmundo Martinho, que acompanhou o projeto desde o início, tendo iniciado funções como provedor pouco tempo depois da constituição da unidade de missão em 2016. Um dos mais fortes prendeu-se com a criação de uma unidade de cuidados continuados pediátricos no edifício da nova unidade, sendo que o projeto da unidade de cuidados continuados previa já essa vertente quando foi anunciado em 2016. Há cerca de um ano, o projeto da unidade cuidados pediátricos, com obra pronta para ser lançada, foi cancelado.
A médica pediatra, ministra da Saúde entre 2008 e 2011 no primeiro e segundo Governo de José Sócrates considera que na base do desencontro pode estar uma diferença de entendimento sobre a natureza da prestação de cuidados continuados: «A ideia de que os cuidados continuados são uma resposta social e não são. Os cuidados continuados são uma resposta de saúde em que a componente social é muito importante e as equipas são multidisciplinares e interdisciplinares, entre a área social e da área da saúde, mas os cuidados continuados são para quem precisa de uma resposta de saúde».
O Nascer do SOL procurou perceber junto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa o que motivou a decisão de Edmundo Martinho, reconduzido em outubro de 2020 por António Costa para um novo mandato de três anos, mas não obteve resposta.
Obra lançada em 2017
Ainda em dezembro, Ana Jorge dava conta na imprensa de que a unidade da Estrela, a terceira unidade de cuidados continuados da SCML, estava quase pronta para fazer a diferença na capital. Ao todo, são 91 camas que deverão integrar a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), com protocolo ente a Santa Casa e o SNS, a primeira unidade em Lisboa com as três tipologias: cuidados de convalescença, média e longa duração. Junta-se a outras duas unidades da Santa Casa que já integram a RNCCI, a unidade Maria José Nogueira Pinto, em Cascais, e a unidade de São Roque, no parque de saúde do Hospital Pulido Valente, que foi lançada depois da Estrela e abriu portas, mas não consegue responder a todas as solicitações. «Há uma carência de camas de cuidados continuados. É maior nalgumas áreas do que outras, nós precisamos na cidade de Lisboa de 800 pessoas, mas teremos umas 200 – é esta ordem de grandeza», disse na altura a médica.
Ao Nascer do SOL, Ana Jorge reforça a necessidade de alargar a resposta nesta área e lembra que, em 2016, o compromisso da Santa Casa com o projeto foi um passo decisivo. «Até aí a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa nunca tinha aceite integrar a rede de cuidados continuados. Tinha havido um esforço nesse sentido pelo ministro Correia de Campos e depois por mim (enquanto ministra) e nunca tínhamos conseguido. Quando Pedro Santana Lopes diz que sim, foi termos a possibilidade de concretizar algo de muito importante para a cidade de Lisboa».
Na altura, Santana Lopes apontou para que a unidade entrasse em funcionamento no antigo Hospital Militar da Estrela, comprado pela Santa Casa em 2015 por 15 milhões de euros, no final do primeiro semestre de 2017. O concurso para a requalificação do edifício só seria lançado no entanto em setembro de desse ano, na altura já com Edmundo Martinho como provedor.
A obra arrancou em 2018 e ficou concluída no ano passado. A abertura está agora prevista para este ano. Ana Jorge admite que, do ponto de vista da infraestrutura e equipamento, está tudo pronto, incluindo com algumas equipas já constituídas. Neste momento, adianta, a maior dificuldade prende-se com a contratação de enfermeiros.