Que balanço faz do desconfinamento até aqui? Foi mais acelerado do que propunham.
Sim, quisemos sempre dar passos seguros. De cada vez que damos um passo em frente, testar o solo e dar o passo seguinte. É verdade que foi um bocadinho mais célere, mas seguiu as regras propostas por nós, baseando-se em patamares e medidas gerais. Seguiu a precaução. Correu bem e é precisamente essa cautela que propomos nesta segunda fase.
Foi mais difícil chegar à primeira proposta ou a este plano de continuidade apresentado esta sexta-feira na reunião do Infarmed?
A metodologia foi semelhante mas foram ambos trabalhos complexos. Tentamos avaliar não só o impacto das medidas na saúde mas também o seu efeito económico, social e mental. Partimos da revisão da literatura, criámos um instrumento que combina as diferentes medidas com os fatores de risco em cada atividade, tivemos em linha de conta a vacinação, o risco que existe de desrespeito de medidas preventivas. Voltámos a auscultar profissionais de várias áreas, quer nacionais, quer estrangeiros, para perceber o impacto de medidas restritivas, no controlo de epidemia mas também agora numa situação de epidemia controlada. Ouvimos pessoas do Brasil, do Japão, espanhóis, franceses, italianos…
E o que dizem?
O contributo mais importante penso que é, por um lado, a perceção do risco e a necessidade identificada por todos de que é necessário manter medidas de proteção individual, nomeadamente distância e máscara, mesmo em situação de controlo da epidemia como a que estamos a viver. Em alguns locais onde essas medidas foram levantadas, isso foi identificado como um potencial erro e potencial ameaça.
No final das apresentações, o Presidente da República estranhou a ausência de referências à relação entre incidência e stress nos hospitais e alertou para necessidade de legitimar medidas e que com menos internamentos e mortalidade a primazia da saúde pode não ser tão evidente. Como respondeu a Marcelo Rebelo de Sousa?
Temos pontos positivos, que são claros. Já conhecemos melhor o vírus, conseguimos controlar a variante inglesa, a população em geral é colaborante com as medidas e o próprio alívio das restrições contribuiu para uma diminuição da fadiga pandémica. O país tem adotado uma posição cautelosa que protege as populações mais vulneráveis e temos uma boa cobertura vacinal, que está progredir de forma sustentável. Temos um país pequeno, que também ajuda. Temos uma única fronteira terrestre com um país que também está a ter um processo de vacinação rápido. Tudo isto são vantagens. Mas há ameaças. Quais são? Desconhecemos ainda a duração da imunidade conferida pelas diferentes vacinas. Não sabemos quanto dura. Por outro lado, só 5% da população mundial está vacinada. Enquanto houver vírus circulante, há risco de surgimento de novas variantes que rapidamente atingem qualquer parte do mundo. Desconhecemos a resposta das vacinas às novas variantes. E veja-se que agora estamos a assistir aos primeiros relatos de países onde a variante indiana já é dominante.
No Reino Unido, já ultrapassou a variante inglesa e representa 75% dos novos casos.
Precisamente, por isso temos de vigiar e perceber o que acontece. Nós neste momento temos 5% dos casos associados à variante indiana, mas o Reino Unido também começou assim e é dominante. Tentarmos perceber o que vai acontecer lá – não em termos de transmissão, mas de impacto em termos de doença – é fundamental e é isso que sustenta uma proposta com esta cautela.
Há um conjunto de recomendações que voltam a fazer: testagem alargada, rastreio precoce. Houve um aumento de infeções em Lisboa. Teria sido evitável?
Temos de estar preparados de uma muito flexível para a resposta à pandemia. Qualquer região pode, de um momento para o outro, começar a ter um aumento de casos. Vimo-lo várias vezes. Inicialmente vimo-lo na região Norte e rapidamente alastrou para o resto do país. Agora está a acontecer em Lisboa, vamos ver o que vai acontecer no resto do país. Evidente que, com vacinação e com testagem, conseguimos mais rapidamente controlar a situação. Tendo estes patamares de alerta, o que conseguimos é que a saúde pública intervenha rapidamente e localmente. Se seria prevenível, não sei dizer.
Falou-se do efeito Sporting. Há quem defenda que teve impacto, quem o desvalorize.
A evolução dos números é que nos permite perceber o que vai acontecer e se há uma relação temporal com o evento ou não. Agora o que sabemos é que qualquer evento de aglomeração de pessoas sem distanciamento adequado, sem máscara, propicia eventos de super-disseminação. Aquilo que propomos é que é preciso evitar a todo o custo que estas situações ocorram. As autoridades têm de estar preparadas. Às vezes estamos preparados para uma coisa e há surpresas, mas as surpresas devem ser curtas e tem de haver um back-up que nos permita rapidamente um ajuste da estratégia de forma a dar resposta a surpresas.
Defendeu na reunião do Infarmed: nesta fase, eventos no exterior em espaços sem delimitação só se forem passíveis de serem controlados. Ouvimo-lo e vemos de novo ajuntamentos no Porto com a Champions. Está preocupada com o impacto que pode ter?
O que defendemos é que eventos no exterior têm de ser controladas. Todas estas situações são passíveis de ser antecipadas e preparadas. Há surpresas, mas tem de haver uma resposta rápida à surpresa. Resposta rápida é organização de circuitos, delimitação dos espaços para os grupos, ver se estão em número adequado na esplanada, garantir a utilização de máscara.
Mas vê isso acontecer? Vimos já de novo imagens diferentes, gente em cima de mesas nas esplanadas…
São coisas que não podem acontecer.
Apresentam três novas etapas de desconfinamento mas, tal como na primeira proposta, não avançam com uma calendarização. Qual seria o horizonte temporal?
Desde o início que me bato para que não haja datas, haja dados. O que propomos é que se mantenha a mesma metodologia de avaliação semanal por concelhos e a matriz de risco e que a partir do momento em que na avaliação os concelhos se mantenham abaixo do cut-off da incidência cumulativa de 120 casos por 100 mil habitantes a 14 dias, se possa ir avançando de patamar. Se ao fim de duas semanas estivermos nesse patamar, por exemplo, avançar.
Os peritos defenderam a manutenção desses patamares, mas é um dos pontos em que tem havido pressão de mudança, também do Presidente da República.
São níveis mais baixos do que tivemos no ano passado, mas é o que permite à saúde pública intervir rapidamente. É essa avaliação que nos permite perceber se a vacinação está a correr bem, se a testagem está a correr bem, se a saúde pública age rapidamente, se as medidas individuais e coletivas estão a ser postas em prática. Levantamos medidas, a população adapta-se e vemos o impacto. Se estiver abaixo desse nível, avançar.
Mas a ideia é que se avance só, ou os concelhos poderão continuar a recuar para etapas anteriores do desconfinamento? Colocou-se a questão por exemplo em Lisboa, se os critérios poderiam mudar beneficiando a capital…
Com níveis de incidência cumulativa superior a 240 casos por 100 mil habitantes durante duas avaliações consecutivas, a nossa proposta continua a ser andar para trás. Acho difícil que Lisboa suba muito mais, por todas as medidas que estão a ser tomadas. E é para isso que servem estes níveis. Termos uma incidência neste nível permite sinalizar e trabalhar rapidamente no terreno.
Não é excesso de zelo?
Não, é fundamental.
Os concelhos mais pequenos têm mostrado preocupação com os critérios, que com menos população levam a que se esteja mais rapidamente ao patamar de risco. Vimo-lo agora com Arganil, recuou com 11 casos na última semana.
Na nossa proposta inicial propúnhamos que se usasse uma incidência ajustada, que entrava em linha de conta não só com a população do concelho mas com os concelhos vizinhos, fazendo uma ponderação mais alargada. Era a nossa proposta. Agora, por uma questão de perceção pública, aceitamos que se mantenha a métrica que tem sido usada. Há aqui uma questão importante que também é as pessoas saberem com o que contam. A previsibilidade, a estabilidade, são fatores importantes na adesão às medidas.
Na proposta não referem especificamente a abertura de discotecas, mas incluem bares no grupo da restauração. Desaconselham a abertura de discotecas?
Bares e discotecas no sentido de as pessoas andarem dentro de um espaço fechado a deambular de copo na mão são situações que não garantem o distanciamento. Agora o que propomos para o setor da restauração pode aplicar-se para um bar. Para os três níveis, propomos um conjunto de regras gerais: estar sentado à mesa, cumprimento de distanciamento entre mesas de 2 metros, medidas de distanciamento em função de um número de pessoas por metro quadrado e a utilização obrigatória de máscara exceto no momento da refeição. Depois o que aumenta de fase para fase é o número de pessoas à mesa, no interior e no exterior. Um bar que funcione assim, em que as pessoas esteja sentadas, enquadra-se perfeitamente. Não distinguimos os setores, o que recomendamos são medidas gerais. Quando se diz máscara até ao momento da refeição, pode ser a refeição ou beber um copo. O que não recomendamos são situações em que as pessoas deambulem de um lado para o outro.
Portanto pistas de dança.
São locais onde o risco de transmissão alargada é muito grande. Um local onde uma pessoa vai ouvir música, beber uma bebida, fica sentada distanciada da outra mesa, é diferente de um sítio onde há grandes aglomerações, as pessoas estão a beber, deixa de haver distanciamento.
Não referem limitações de horários. Neste momento o que vemos em alguns locais é que a restauração fecha às 22h30 e pessoas vão juntar-se nos sítios habituais.
O que propomos é que a partir do nível C (o primeiro) deixe de haver restrições de horários e passe a haver um cumprimento das medidas gerais e das lotações. A questão da máscara é importante. Passou-se a ideia na restauração de que uma pessoa pode estar à mesa sem máscara. O que propomos é que fique claro que a máscara só se tira no momento da refeição, mesmo nas esplanadas.
Chegou a falar-se de vacinados não terem de usar máscara, como está a ser aplicado nos EUA. Na sua apresentação, sublinhou que um dos princípios que assumem é uma ideia de igualdade: abertura faseada e para todos ao mesmo tempo, independentemente da imunização individual. Ficou afastada essa ideia?
Sim. Entendemos que estar a criar regras para vacinados e não vacinados poderia ser uma iniquidade enorme. Um vacinado poder ir a um restaurante e um não vacinado não poder não faz sentido, sobretudo quando a estratégia do país é vacinar toda a população e isso foi sendo feito por faixas etárias.
Disse também que o objetivo desta estratégia é minimizar os danos da covid-19 e não eliminar o vírus. É isso que nos distingue de uma Austrália que confina um estado com duas dezenas de casos por dia?
É. Não pretendemos tentar eliminar o vírus. Teria um impacto social, económico e social tremendo que não seria viável. Aquilo que estamos a defender é uma estratégia cautelosa, enquanto aumenta o grau de imunização. Sabemos que vamos ter o vírus a circular, mas o que queremos garantir é que não tem efeito nos serviços de saúde e que, em caso de haver uma alteração, o conseguimos detetar e intervir rapidamente.
Mas descarta um novo confinamento? Esta semana o diretor do serviço de doenças infecciosas da Universidade de Coimbra deu-nos uma entrevista em que dizia não acredita que este tivesse sido o último, pelo menos a nível regional.
Não faço futurologia. Qualquer previsão que façamos será sempre com base no histórico e no presente: assumimos sempre que o futuro será semelhante a alguma coisa que aconteceu no passado. As pandemias surpreendem-nos. Em princípio, hoje temos condições para lidar com a pandemia que não tínhamos há um ano. Conhecemos o vírus, conseguimos identificar as variantes, temos um mapeamento muito maior dessa evolução, temos uma vacina. Somos capazes de ir adaptando a vacina que já temos às novas variantes. Sabemos abordar melhor os doentes. Agora a ventilação é muito mais precoce, por exemplo. Tendo estes conhecimentos, custa-me acreditar que a situação por que passámos na fase inicial se repita, mas uma pandemia é sempre uma situação de incerteza.
Mas se chegássemos ao patamar dos 240 casos por 100 mil habitantes, seria a vossa recomendação?
No país? Neste momento acho muito difícil que isso aconteça. Se continuarmos a ter uma boa adesão à vacinação, se a população continuar a aderir à testagem como tem aderido na sua generalizada, se se mantiver a utilização de máscara e o cumprimento de medidas. O nosso país, apesar de tudo, tem tudo para que corra bem. Temos uma comunicação que não está politizada, uma comunicação social que tem tentado transmitir informação de forma séria.
Mas exceções a mais não podem minar esse esforço e adesão?
Não acho que sejam assim tantas as exceções. Nos últimos tempos temos visto acontecimentos que não podem ser replicados. Mas ando de metro e de autocarro e vejo toda a gente de máscara, a higienizar as mãos, quando há mais gente à hora de ponta as pessoas esperam. Nas escolas, nas universidades, na generalidade, as pessoas cumprem. E o que defendemos é que à medida que aumenta a confiança das pessoas, é preciso oferecer-lhe mais espaços organizados onde possam socializar, eventos culturais, desportivos, que até podem envolver os municípios, a Cultura, a Educação.
Agora temos o verão, que pode ajudar a manter o controlo da epidemia. O próximo outono-inverno vai exigir outro plano?
Vai, vamos ter de preparar o próximo inverno.
No ano passado uma das críticas foi não se ter aproveitado o verão.
A nossa equipa já está a trabalhar nisso. Vamos continuar a fazer a monitorização e estamos já a pensar na fase seguinte.
Máscaras serão para manter?
Sobre isso teremos de falar na altura.
O que é que a preocupa mais neste momento? Variantes, cansaço?
A fadiga pandémica e o excesso de confiança, que haja um levantar das medidas de proteção individual e que possamos estragar o trabalho que está a ser feito.