Há uma considerável dose de paranoia na vida política portuguesa. Por um conjunto de razões que não são difíceis de explicar e que decorreram, em geral, de erros cometidos por outros, o PS continua a liderar destacado as intenções de voto. A narrativa adotada é ser a esquerda a entidade mítica que evita os males do mundo, inibe os abusos, defende os cidadãos. Estar com ela é pertencer à face certa da Lua.
É como que a memória de uma certa época e de um modo de pensar que em Portugal se instalou e se plasmava na máxima: «Quem não é do Benfica não é bom chefe de família…». Portanto, o pecado, o erro, é identificado com os outros, os demais. E, para não parecer sôfrego, o PS permite que a esquerda da esquerda o acompanhe.
O ‘Benfica’ são todos quantos se encontram desse lado, os outros são os contrários. A linha certa defende a esquerda como verdade única, como irrecusável caminho para o bem e admite que nela se juntam os que querem o possível e os que imaginam o impossível. Colocando rostos é a imagem da esquerda de Centeno e da esquerda de Mortágua.
Ou, ao nível mais íntimo, a esquerda de Costa e a esquerda de Pedro Nuno Santos. É tanto quanto é permitido. Claro que a coreografia é completada com os duríssimos ataques públicos do Bloco de Esquerda e a sua competição com o PCP e o silêncio interno envergonhado e prometido do Ministro radical.
Mas, por outro lado, mesmo socialistas confessos e com provas políticas dadas são considerados espúrios. O perigo que oferecem é abanar a construção política, ferir a comunhão ideológica básica, abrir brechas. Portanto, quem pense pela sua cabeça e manifeste a desdita de ter ideias, sequer de levantar interrogações, pertencerá à esquerda varrida, a impura, a sugestionada pelo canto das sereias, a vadia. Serão, na linguagem sindical, os amarelos.
A crítica, ou a mera discordância, não são uma sadia atividade intelectual, são um ataque, uma traição. Basta, ao Partido Socialista, governar para os ‘have not’ (o que significa uma substancial parte da população portuguesa) e para os fiéis. Uns e outros são imunes à tentação de saber como poderia ser a sua situação se outras opções políticas fossem encontradas. O benefício tem de ser obrigatoriamente claro e imediatamente atingível. O futuro, a prazo mais dilatado, não interessa, tem o inconveniente de representar um risco.
Não encontram os outros a questão certa, o objetivo a discutir, o modo de criar interesse, o argumento, a linguagem.
E, todavia, para vingança dos deuses, o Sporting é hoje o campeão. Nem assim.
Na tentativa de criar um sentimento alternativo reúnem-se em conclave todos os que se consideram de direita, mais ou menos, outros que também não e alguns livres pensadores. Não me parece ser este o caminho. A tragédia é que o grande partido da oposição e que por isso mesmo deveria constituir a chave da alternativa não consegue ideia, nem força, nem voz. Está. De um lado está o leite e do outro o mel. É uma Terra assim. E, quando a magna reunião terminar, adivinho que nas conclusões se inclua esta frase de resistente desistência. Fizemos o nosso melhor…