A notícia caiu como uma bomba nos operadores de turismo, descarrilou as ações das companhias aéreas e confirmou-se ontem a meio da tarde: dias depois da final da Champions entre duas equipas inglesas no Porto, Inglaterra tirou Portugal do “corredor verde” para turismo, com efeitos a partir da próxima terça-feira. Pelo menos até ao fim do mês, altura da próxima avaliação, os planos de retoma com turistas ingleses ficam em banho-maria, com a obrigação de quarentena de dez dias e dois testes PCR após estadias em Portugal, que até aqui era o único destino europeu com luz verde para os britânicos.
As justificações, dadas pelo Governo inglês e num comunicado em que apesar de haver mais mexidas nas listas se foca em Portugal, foram mais específicas do que aconteceu no passado: em causa não esteve a incidência de novos casos, que apesar de estar a aumentar em Portugal continua a ser baixa comparando com outros países da UE, mas dois aspetos: por um lado, aumentou a taxa de positividade em Portugal (número de positivos entre testados) e também entre os ingleses que regressam a Inglaterra após estadias em Portugal. Na última avaliação, em 501 testes, tinham sido confirmadas três pessoas infetadas, com uma taxa de positividade de 0,6%, que agora duplicou. As autoridades inglesas não divulgaram ontem números ao certo nem especificaram se a avaliação teve já em conta o regresso de adeptos, embora na imprensa inglesa tenham surgido relatos de passageiros de diferentes voos a receber mensagens para se isolarem durante uma semana. Por outro, as autoridades britânicas justificaram a decisão com o facto de terem sido identificados casos da variante indiana, agora classificada de delta, com uma mutação adicional, “potencialmente prejudicial”.
À BBC, o ministro dos Transportes britânico, Grant Shapps falou de uma “espécie de mutação do Nepal”. Em causa, confirmou ao i João Paulo Gomes, responsável pelo estudo da diversidade genética do SARS-CoV-2 no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, estão casos da variante indiana (B.1.617.2) associados à mutação S:K417N. A questão já estava a ser seguida pela comunidade científica, como explicitou ontem nas redes sociais por exemplo Jeffrey Barret, especialista em genómica do Sanger Institute no Reino Unido, salientando que nada tem a ver com o Nepal, dado que não são conhecidos casos lá. Em todo o mundo estão sequenciados 90 casos, o que levou este investigador britânico a reconhecer que a mutação pode ser problemática pela maior transmissibilidade mas que não é, nesta fase, “algo com que as pessoas tenham de se preocupar”.
O Reino Unido, onde a variante indiana já é dominante, é de resto o país que tem mais casos da variante B.1.617.2 com esta mutação específica (36), seguindo-se o Japão (14) e Portugal com 12 casos confirmados, isto de acordo com as bases de dados internacionais de informação genómica, onde investigadores de todo o mundo descarregam dados, incluindo Portugal. O Nepal não tem nenhum e a OMS confirmou ainda ontem que não tem conhecimento de qualquer variante nepalesa. João Paulo Gomes sublinha que esta não é nova mutação, já estava identificada e em vigilância e explica que os casos que têm vindo a ser detetados em Portugal são classificados como variante indiana (agora delta), que continua a ser a referência dos investigadores. Essa aumentou na última semana e são agora 74 casos confirmados no país, revela, mas ainda com uma prevalência de 4,8%, inferior ao que se passa no Reino Unido, onde representa 75% dos casos. “Todas as variantes vão sofrendo mutações ao longo o tempo. Esta (S:K417N) é seguida porque já tinha sido identificada na variante sul-africana e porque é uma proteína do vírus que se liga às células e que por isso poderá levar a que haja uma maior transmissibilidade, mas neste momento isso é tudo pura especulação”, diz o investigador ao i, mostrando incredulidade com a decisão inglesa. “De fumo fazem um enorme incêndio”, diz, considerando a reação desproporcional: “O maior erro epidemiológico da pandemia foi cometido pelo Reino Unido, quando em dezembro comunicou a variante inglesa à OMS quando já tinha uma prevalência de 65% no país. A variante do Reino Unido dominou todos os países onde entrou e agora nós temos 12 casos da variante indiana com uma mutação e fazem isto”, critica. “Penso que é um pretexto para o Reino Unido atingir um objetivo qualquer que ainda não percebi qual é. Estou incrédulo, como acho que todo o país está incrédulo”, afirma.
Sobre o aumento de casos da variante indiana em Portugal, de 46 na semana passada para 74 agora – dados que serão divulgados esta sexta-feira no habitual relatório de monitorização das linhas vermelhas de controlo da epidemia – João Paulo Gomes considera que é cedo para perceber qual será a evolução e o contributo na transmissão do vírus. “Temos de deixar o tempo correr. A variante de Manaus há dois meses atingiu um pico de 4% dos casos e no mês a seguir caiu. Não sei se é isso que vai acontecer, mas tal como a de África do Sul, são variantes que levantaram preocupações por causa da potencial falência vacinal. Sobre a variante indiana ainda há poucos estudos”, admite.
O i tentou perceber junto da Direção Geral da Saúde quantos testes positivos de adeptos ingleses que estiveram em Portugal foram reportados mas não teve resposta. Também não houve uma posição sobre a questão da evolução da variante indiana suscitada publicamente agora pelo Reino Unido. O balanço de ontem da DGS mostrou mais uma vez uma subida dos diagnósticos, que acelera também no Norte do país.