Anacom já gastou milhões com advogados

Média ronda meio milhão por ano, mas a soma vai crescendo desde que Cadete de Matos tomou posse. Anacom justifica gastos com ‘aumento de litigância’ e que se acentuou com 5G.

A Anacom gasta em média, meio milhão de euros por ano em adjudicações diretas a gabinetes de advogados, apesar de contar com vários juristas nos seus quadros. Segundo apurou o Nascer do Sol, as despesas com advogados já duplicaram desde que o presidente do regulador das telecomunicações tomou posse, em 2017.

Feitas as contas, desde que está à frente da Anacom, Cadete de Matos já gastou mais de um milhão e meio de euros em advogados externos, cerca do dobro da sua antecessora: Maria de Fátima Barros, que adjudicava uma média de cinco contratos por ano a escritórios externos. Entre pareceres e patrocínios jurídicos, Cadete de Matos, ultrapassa já a média de 11 contratos anuais.

No seu mandato, os custos com patrocínio jurídico contratualizado pelo regulador aumentaram, tendo quadruplicado de 2018 (quase 130 mil euros) para 2019 (556 mil euros), segundo os números avançados no Relatório de Contas de 2019. No entanto, este valor foi reduzido para 434 mil euros no ano passado e nos primeiros meses deste ano já somam 120 mil euros.

Uma pesquisa pelo Portal Base permite ainda perceber que os contratos com escritórios de advogados foram, na maioria das vezes, feitas através de adjudicações diretas.

Ao Nascer do Sol, a Anacom diz que «nos últimos anos a litigância contra a Anacom tem aumentado, como aliás é público. De facto, tal remonta a 2014. Releva-se que o atual presidente da Anacom só assumiu funções em agosto de 2017. Essa litigância tem-se acentuado ainda mais no passado recente, sobretudo devido ao dossier do 5G».

Quanto ao facto de o regulador ter juristas nos seus quadros e contratar externamente, a Anacom lembra que «nem todos os juristas são advogados», acrescentando que «muitos dos juristas que a Anacom tem nos seus quadros não são advogados e não podem sequer estar inscritos na Ordem de Advogados por imposição legal /incompatibilidade com a função de instrutor de processos de contraordenação. Daqui decorre que existem muitos processos desta natureza recorridos, pelo que precisa de contratar externamente advogados que assegurem o exercício do patrocínio judiciário».

O regulador acrescenta ainda que «num contexto mais vasto, a necessidade de contratação de advogados surge quando é preciso assegurar o patrocínio da Anacom em ações judiciais, seja do foro administrativo, tributário ou cível, ou ao nível da fase judicial dos processos de contraordenação». Assim, «essa contratação, dada a natureza urgente de alguns processos – com curtíssimos prazos de reação – e/ou a natureza (intelectual) dos serviços a prestar, justificam as adjudicações por ajuste direto».

A entidade liderada por Cadete de Matos justifica ainda que por vezes tem também a necessidade de requerer a emissão de pareceres jurídicos externos, «para melhor a habilitar à adoção de determinadas decisões (que se revelam de especial complexidade ou de particulares especificidades) ou para efeitos de junção a processos judiciais em curso» e chama a atenção para o facto de não ser o presidente que decide, nem faz adjudicações de qualquer natureza, uma vez que esse é um papel do conselho de administração.

No entanto, o nosso jornal sabe que há adjudicações que ultrapassam os valores legalmente permitidos para adjudicações diretas. Foi o que aconteceu recentemente, em fevereiro de 2021, quando contratou o advogado Pedro Brito Veiga Moniz, por 40 mil euros, para a representar a processos antigos de 2019.

Outra das exceções também no mesmo mês foi a adjudicação no valor de 80 mil euros à sociedade de advogados Sérvulo & Associados para defender a Anacom em três processos que a Vodafone Portugal interpôs no ano anterior.

Já em 2019, o regulador fez três adjudicações diretas em oito meses a esta sociedade de advogados no valor total de 160 mil euros : a primeira em janeiro no valor de 60 mil euros, a segunda em maio de mais 60 mil e, dois meses depois, um novo contrato no valor de 40 mil euros.

O nosso jornal sabe que, além de contratar advogados externos para representar a Anacom nos processos judiciais também paga milhares de euros a grandes escritórios de advogados para assessoria, informações e pareceres jurídicos. No entanto, confrontada com esta questão, a entidade liderada por Cadete de Matos garante «nem tudo corresponde à contratação de advogados (dada a confusão que é feita entre advogados e juristas)», acrescentando que, sobre o contrato no valor de 80 mil euros «releva-se que dada a missão da Anacom e a dimensão e capacidade económico-financeira de grande número das entidades reguladas é fácil depreender que diversas empresas do setor contratam grandes equipas jurídicas (de conhecidos escritórios) para litigar contra o regulador».

A Anacom diz ainda que os estatutos da Ordem dos Advogados preveem que «nos honorários que são cobrados, os advogados devem atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por eles assumidas e aos demais usos profissionais». Por isso, «tendo em conta as matérias em causa, a complexidade dos processos, o grau de responsabilidade assumido, a grande dimensão das peças processuais a que é necessário reagir nos curtos prazos legalmente fixados – que implicam, muitas vezes, que os advogados trabalhem em equipa – e os conhecimentos e a experiência que são requeridos, bem como a quantidade dos processos para que a Anacom é citada ou tem necessidade de intervir justificam os valores em causa».

Ora, sempre que as contratações se destinam à representação em determinado processo, «o valor contratado abrange todas as fases processuais, distribuindo-se, assim, pelo período de tempo em que perdurar o processo em causa (por vezes, mais de uma década)».

O regulador lembra ainda que tem levado a cabo um programa de racionalização de custos, nomeadamente em relação às despesas com fornecimento e serviços externos, «que se comprova pela redução aproximadamente 2,9 milhões de euros (equivalente a quase 29%) do valor desses gastos, observada nos últimos 10 anos, em termos médios». E acrescenta: «Verifica-se que nos últimos cinco anos, período em que as restrições da troika foram aliviadas, os gastos com os fornecimentos e serviços externos mantiveram uma tendência descendente. A única exceção foi o projeto de migração da TDT».

É certo que o regulador tem vindo a reforçar as provisões para processos judiciais, uma vez que, tem atualmente em curso litigância com as três operadoras.