O número de internamentos associados à covid-19 voltou a aumentar a nível nacional nas últimas duas semanas mas a subida verifica-se essencialmente na grande Lisboa e é mais expressiva do que revelam os boletins da Direção Geral da Saúde, que dão a cada dia a soma global dos doentes hospitalizados no país e acabam por não refletir as diferenças regionais.
Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que faz a monitorização da epidemia a partir de dados fornecidos pela DGS, avança ao i que desde 13 de maio o número de doentes com covid-19 internados em enfermaria na região de Lisboa mais do que duplicou, passando de 55 para 136, acompanhando o aumento da incidência de casos na região, superior ao resto do país. A subida nos internamentos incide maioritariamente na faixa etária dos 30 aos 49 anos, mas na região de Lisboa os diagnósticos têm estado a aumentar em todas as faixas etárias, incluindo nos maiores de 70 e 80 anos, que já estão maioritariamente vacinados. “É um alerta, na medida em que se aumenta a incidência, vamos ver mais pessoas a precisar de internamento, ainda que população mais jovem. À partida são quadros menos graves, que motivam internamentos menos graves e que não precisam tantas vezes de cuidados intensivos, e o que vemos é que a percentagem de infetados que vai para UCI é cada vez menor. Mas se aumentarmos as incidências nestes grupos, vamos aumentar os internamentos. Só a partir dos 60 anos é que já se verifica uma menor proporção de internamentos face ao número de casos mas até aos 60 anos já temos uma maior prevalência de internamentos em enfermaria do que tínhamos em maio e em UCI dos 50 aos 59 já temos mais pessoas agora do que tínhamos em maio”, diz o investigador, chamando no entanto a atenção que o aumento da incidência acaba por chegar a todas as faixas etárias.
A equipa da FCUL defende a necessidade de mais dados sobre perfil vacinal dos doentes internados. Ao i, Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, que esta semana defendeu uma revisão da matriz de risco por forma a incluir mais indicadores, faz o mesmo repto. “O que vemos é que os internamentos estão a aumentar, sobretudo nos grupos que não estão vacinados mas vemos com preocupação internamentos de pessoas que estão vacinadas”, revela, defendendo a análise genómica de todos os casos graves e de infetados previamente vacinados que dão entrada nos hospitais, por forma a despistar casos sobre variantes. Na última reunião do Infarmed, a DGS apresentou dados relativos a maiores de 80 anos, dando de nota de 272 casos de idosos infetados depois de terem feito duas doses da vacina, dos quais 15 precisaram de internamento. Não se registou nenhum óbito neste grupo. No entanto estes são números que não refletem a totalidade de maiores de 80 anos diagnosticados com covid-19 nos últimos meses. Só nas duas últimas semanas registaram-se mais 282 novos casos nesta faixa etária, muito menos do que no pico da epidemia, mas casos sobre os quais não têm sido fornecida informação sobre se eram pessoas vacinadas ou não. Em Inglaterra, onde a disseminação da variante indiana faz surgir agora receios de uma terceira vaga, David Kong, antigo conselheiro do Governo e responsável pelo observatório Independent SAGE, que acompanha a epidemia, alertou nos últimos dias que um em cada 25 novos casos no país são de pessoas que já tinham as duas doses da vacina, o que traduz em 400 casos por dia. Para Carlos Antunes, combina-se neste momento o efeito da vacinação com a sazonalidade, que significará uma subida mais moderada do número de casos, e entre estes, de casos graves. Ressalva no entanto que quando se diz que duas tomas da vacina têm 80% de eficácia na prevenção de doença grave, que desce no caso de ser apenas uma toma, significa que 20% dos vacinados continuam a poder ter formas graves de doença. “A nova variante indiana é mais transmissível, pelo que poderemos precisar de coberturas vacinais mais elevadas.” A relutância de mais jovens em testarem-se e fazer a vacina são duas preocupações neste momento.
Dia de decisões
Esta quarta-feira, o conselho de ministros decide que concelhos avançam para as novas etapas do desconfinameno, que deverá ser a maioria, já que apenas oito concelhos ficaram sinalizados (dois com medidas mais restritivas e seis em alerta). Com os diagnósticos feitos nos últimos dias, mesmo com uma descida na testagem a nível nacional no feriado e na sexta-feira, o concelho de Lisboa atingiu uma incidência cumulativa a 14 dias de 207 casos por 100 mil habitantes, sendo a terceira semana consecutiva acima dos 120 casos por 100 mil habitantes. A manter-se a estratégia anunciada na semana passada, não avança no desconfinamento e continua com restaurantes a fechar às 22h30.
Na área metropolitana de Lisboa há um aumento de casos em vários concelhos mas apenas Cascais passou a barreira dos 120 casos por 100 mil habitantes nos últimos dois dias, adianta Carlos Antunes. Deverá assim ser o único concelho da AML a ficar sinalizado, mas Almada e Loures são os concelhos agora mais perto da linha de alerta. O investigador salienta que existe uma ligeira desaceleração na subida de casos em Lisboa, que começou por volta do dia 8 de maio, mas a tendência continua a ser de aumento, mais lento, o que poderá levar Lisboa a passar o patamar dos 240 casos por 100 mil habitantes na próxima semana, atingindo então um pico de casos em torno dos 1400 casos semanais.
A região de Lisboa como um todo acusa a subida de diagnósticos agora mais disseminada a toda a área metropolitana: ontem atingiu uma incidência cumulativa a 14 dias de 110 casos por 100 mil habitantes, acima da incidência a nível nacional na casa dos 70 casos por 100 mil habitantes a 14 dias. A Norte, o concelho de Braga também não regista ainda melhorias, tendo atingido os 176 casos por 100 mil habitantes, pelo que também deverá ficar para trás no desconfinamento.
As projeções do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, que traça cenários a quatro semanas, colocam agora Portugal entre os poucos países da UE onde se prevê que as infeções continuem a aumentar, podendo chegar aos 5 mil casos semanais no fim de junho se não houver uma inversão (com um intervalo de incerteza significativo, como se pode ver no gráfico produzido pelos investigadores com base nos modelos de diferentes equipas). Nos últimos sete dias, já se voltaram a registar no país mais de 4 mil casos semanais, depois de a incidência ter chegado a reduzir a 2500 casos por semana. Um aumento que agora se traduz em menos vítimas mortais, mas que pode significar uma nova subida no número de óbitos ao longo das próximas semanas, passando-se de nove mortes a sete dias para 35 óbitos no início do mês.