A TAP abriu um inquérito disciplinar por causa de um vídeo gravado por dois diretores de recursos humanos do grupo em Madrid, onde anunciavam estar a contratar um diretor para a operação de carga em Espanha. Em causa está Pedro Ramos, diretor de recursos humanos da TAP, e João Carlos Falcato, diretor de recursos humanos da Manutenção & Engenharia. “Pois é, estamos aqui em Madrid, eu e o meu colega e amigo João Falcato. Já fizemos seleção de pessoas esta tarde… E como é selecionar pessoas? Anda lá, Falcato, vamos fazer 360 graus: isto é a praça mais fantástica!”, começa por dizer Pedro Ramos no vídeo. E vai mais longe: “E como é selecionar pessoas neste contexto pandémico em que se vê o pessoal a afastar-se? Não, é mentira… Aqui há pandemia, mas o pessoal não se está a afastar, não há distanciamento social e estamos a fazer assessments”, continua.
Depois, responde João Falcato: “Para já há uma cultura diferente. São muito mais abertos, estão muito mais à procura de oportunidades e acham que isto já passou. O que é muito importante, porque continuamos a encontrar gente com excelente qualidade, que está disponível no mercado fruto da pandemia. Esperamos trazer para a TAP gente que não estaria disponível e que neste momento vamos conseguir contratar”.
No vídeo, ambos aparecem sem máscara mas garantem ter recebido testes negativos. E continuam: “Vamos selecionar os melhores, neste caso vamos selecionar o melhor. O nosso responsável da área de carga. Em Portugal? Não, em Madrid. Não, em Espanha. É um gosto e vamos continuar nesta Plaza Mayor, que é encantadora! Madrid nos encanta”, conclui Pedro Ramos.
O vídeo não caiu bem principalmente numa altura em que a companhia aérea enfrenta um duro processo de reestruturação, tendo já dispensado quase 1800 pessoas e prevê reduzir mais 200 e já garantiu que vai abrir um inquérito. Ao i, fonte oficial da TAP esclarece que, depois de ter tomado conhecimento da situação e “dado o momento que a TAP vive, em que a todos são pedidos sacrifícios”, o Conselho de Administração da TAP decidiu “abrir, de imediato, um processo de inquérito seguido dos procedimentos disciplinares aplicáveis a esta situação”.
A mesma fonte acrescenta que “neste momento delicado da vida da companhia, o Conselho de Administração expressa a sua solidariedade para com todos os trabalhadores da TAP e apela ao bom senso e recato de todos”.
A empresa explica este processo com o facto de o responsável comercial do negócio de Carga em Madrid estar “de saída da empresa (por iniciativa própria)”. Por isso, a companhia aérea “precisa de recrutar um novo responsável para a TAP Air Cargo no mercado espanhol, uma função que exige um know-how muito específico do negócio de Carga – que tem registado crescimentos significativos na TAP – e um profundo conhecimento do mercado espanhol”.
“Indignado” O Ministério das Infraestruturas não demorou muito a pronunciar-se: “O Ministério das Infraestruturas e da Habitação está indignado com o vídeo que circula com dois trabalhadores da TAP com elevadas responsabilidades na companhia, sendo um deles o diretor de Recursos Humanos, e aguarda pelos resultados do processo de inquérito instaurado pela TAP”, mensagem que foi também partilhada pelo ministro da pasta, Pedro Nuno Santos.
Pouco depois, em declarações à RTP3, Pedro Nuno Santos confirmou a resposta da TAP: “O que estava em causa era a saída do responsável comercial de carga em Espanha. Saiu voluntariamente e a prática normal é que seja substituído por alguém que conheça o mercado em concreto. É uma prática de gestão normal. Não há um processo de recrutamento aberto, o que há é a necessidade de substituir alguém que vai sair voluntariamente”, disse. E foi claro: “Não tinha [conhecimento], nem tenho de ter. Ao contrário do que muitos dizem, não estou a gerir a empresa”. “Represento o acionista e o Estado enquanto soberano que está a fazer o auxílio à TAP. Não sou gestor da empresa”, acrescentou o governante.
Reações As reações não se fizeram tardar. No Twitter, Inês João Rodrigues escreveu: “Não, isto não é aceitável. Não, o diretor de recursos humanos da TAP, não pode andar a dizer à boca cheia, que está em Espanha a recrutar. Não quando a empresa está prestes a enfrentar um processo de despedimentos coletivo”. Reação partilhada por Ana Gomes que acrescenta que este caso dá direito a “despedimento por justa causa”.
Já o Bloco de Esquerda fez questão de questionar o Governo sobre esta situação. “Como explica o Governo, o principal acionista da TAP, que contrate em Madrid no mesmo momento em que despede em Lisboa? Para este grupo parlamentar esta decisão é inaceitável e exigimos o esclarecimento cabal da situação. Assim, exigimos que o Governo venha esclarecer se o despedimento de efetivos está a ser compensado com a contratação de trabalhadores a prazo, com menos salário, direitos e condições de trabalho. Se o Governo está a aproveitar este momento de crise para limpar a empresa para depois logo de seguida vendê-la”, lê-se no documento enviado pelo BE.