Cardoso Pereira são os apelidos do comentador político e desportivo, na televisão, na rádio e nos jornais, indicado por António Costa para comissário executivo das comemorações do 50º aniversário da revolução do 25 de Abril. Mas ninguém o conhece pelos apelidos herdados do pai, porque Pedro optou por se fazer conhecer publicamente pelos de sua mãe, Adão e Silva, cujo pai foi um influente republicano e maçon, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano.
O casamento entre a família Adão e Silva e o poder não é coisa deste século. O avô materno de Pedro – Armando Adão e Silva – foi figura proeminente no combate ao salazarismo e um destacado membros das elites burguesas de esquerda da segunda metade do século XX.
Já Pedro Adão e Silva, pertencente à mesma elite, é um conhecido comentador da nossa praça. Associado à defesa intransigente do PS, tem plataforma pública nacional há vários anos em sítios como o RTP, TSF, Expresso, Sport TV e Record.
É possível que o seu apelido lhe tenha facilitado a vida. A verdade é que, devido à importância que o seu avô teve nos meios revolucionários, carregar o apelido Adão e Silva em círculos de esquerda é bastante diferente do que, por exemplo, carregar o apelido Cardoso Pereira, do pai. Para a esquerda portuguesa, ‘Adão e Silva’ significa status, como reconhece ao Nascer do SOL_um histórico militante socialista e maçon.
Grão-mestre, do PS à AD
Armando Adão e Silva não foi apenas um destacado antissalazarista. Foi, sobretudo, um proeminente maçon. Nasce em Lisboa em 1909 e em 1931 forma-se em Direito pela Universidade de Lisboa. Passados quatro anos é iniciado na maçonaria pela Loja da Liberdade nº 197, com o nome Mestre de Avis, mantendo-se na clandestinidade até 1974. Em 1968, juntamente com Luís Dias Amado, forma os Pentágonos – células paramaçónicas cujo objetivo era o de difundir o espírito da maçonaria junto da juventude. Após o 25 de Abril teve um papel importante na reorganização do Grande Oriente Lusitano, tendo sido também importante no processo de devolução do Palácio Maçónico (conquistando-o ao PPD, que quase logrou ter ali a sua sede). Em 1981 viria a suceder a Dias Amado como grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, cargo em que se manterá até 1984.
Também comemorou um centenário: o da República
Em 1943, Armando Adão e Silva e um conjunto de intelectuais de esquerda fundam a União Democrato-Socialista, núcleo antifascista que mais tarde viria a fundir-se com o Núcleo de Doutrinação e Acção Socialista e formar a União Socialista. Ainda nesse século, foi uma das principais vozes a favor da entrada de Portugal na NATO.
Em 1959 é preso – uma situação que, dois anos mais tarde e devido a ter sido um dos 62 signatários do ‘Programa para a Democratização da República’, voltaria a repetir-se. A sua calcorreada republicana acabaria por juntá-lo a um grupo de influentes opositores do regime, composto por advogados, médicos, maçons e republicanos, onde constavam figuras como Mário Soares, Nuno Rodrigues dos Santos, Mayer Garção, Mário de Azevedo Gomes, Joaquim Bastos, Carlos Pereira, Piteira Santos, Armando Castanheira ou Acácio Gouveia. E é com este grupo que, em 1960, viria a assinalar o cinquentenário da República, através de um almoço comemorativo que decorreu no restaurante Colombo, como exposto numa das fotografias que acompanha este texto (Adão e Silva é o segundo em pé da esquerda para a direita). O mesmo «grupo de republicanos» deslocar-se-ia ainda aos Jerónimos para depositar «ramos de flores nos túmulos de Teófilo Braga, Herculano, Garrett e Junqueiro», tal como o Diário de Lisboa noticia a 4 de Outubro de 1960.
Dá-se, portanto, a coincidência de, em 1960, Armando Adão e Silva ter integrou as comemorações do cinquentenário da República e Pedro Adão e Silva, em 2024, ser o comissário oficial das comemorações do cinquentenário do 25 de Abril.
Armando Adão e Silva, em 1976, integrou, com Adelino Palma Carlos, o extinto Partido Social-Democrata Português (a razão para a confusão entre os nomes PPD/PSD), de onde sairia diretamente para o Partido Socialista. Contudo, a sua passagem pelo PS foi sol de pouca dura: em 1978 sai e, juntamente com António Barreto, Medeiros Ferreira, Francisco Sousa Tavares e outros, integra o ‘Grupo dos Reformadores’ – grupo que juntar-se-ia à Aliança Democrática nas eleições intercalares de 1979, acabando por eleger Armando Adão e Silva como deputado por Aveiro.
De notar ainda que Armando Adão e Silva foi Presidente da Associação de Futebol de Lisboa e membro do Conselho Jurisdicional do Sport Lisboa e Benfica. Um ‘benfiquismo’ que Pedro Adão e Silva perfilha, tendo sido candidato a vice-presidente do clube pela lista de Noronha Lopes em 2020.
Após receber a Comenda da Ordem da Liberdade em 1980 e ser agraciado como Grande-Oficial da Ordem de Mérito em 1989, viria a morrer, em Lisboa, em 1993.
O menino de ouro de Ferro
E Pedro Adão e Silva? Quem é e como se tornou alguém tão acarinhado dentro do PS? Um histórico socialista explicou-nos qual foi o seu percurso no partido, garantindo-nos que «todos têm pena» de que ele se tenha ido embora tão novo. Explicou-nos, por exemplo, que a ala que o apadrinhara politicamente foi a ala divergente da de Mário Soares, camarada do avô Adão e Silva. Trata-se da ala do «sótão do Guterres»: composta pelo próprio, Ferro Rodrigues, Jorge Sampaio e Vitor Constâncio, que «em nada tem a ver com a ala maçónica republicana do Armando» e que conspirou contra Soares até 1985, tomando conta do partido após a sua saída.
Explica a mesma fonte que Pedro Adão e Silva «tem umas ascensão meteórica mais por causa de Ferro Rodrigues» do que pelo nome de família: «Quando Ferro chega a secretário-geral do PS vai buscar dois jovens que vêm do ‘grupo do ISCTE’: Adão e Silva e Paulo Pedroso». Adão e Silva era apontado como o mais «equilibrado e ponderado», começando, por isso, a «brilhar» no partido. Contudo, quando Sampaio decide não antecipar eleições e Ferro se demite, Adão e Silva «desilude-se, sai do PS e desiste da política».
Mas a mesma fonte acredita que esta sua nomeação, por escolha direta de António Costa, vai de encontro à ideia de Adão e Silva estar próximo do poder e, contudo, nunca o representar. E considera a defesa «acérrima» e «com erros» de Marcelo «estranha», ironizando que isso talvez seja um sinal de uma aproximação ao PSD – fazendo, então, assim o mesmo percurso político de seu avô.