por Ana Maria Simões
Desde Marcelo a Costa, passando por Adão e Silva e ficando um pouco mais na recente polémica que envolve o cronista, que se vê a si mesmo como jornalista, com o historiador, e também cronista, José Pacheco Pereira, eis o resultado de uma entrevista que João Miguel Tavares fez questão que fosse tida como um debate entre entrevistadora e entrevistado, talvez porque um e outro, mais coisa menos coisa, fazem faz parte da mesma tribo urbana – mesmo que o truculento cronista insista que não faz parte de nenhuma tribo, ou melhor, faz, daquela tribo que gostaria que Pedro Passos Coelho voltasse a ser o primeiro-ministro de Portugal. Nessa impossibilidade, João Miguel Tavares admite que António Costa é o melhor primeiro-ministro «disponível».
É pai de quatro filhos – ‘o povoador’, como lhe chamou recentemente Ricardo Araújo Pereira -, é escritor, guionista, jornalista, comentador, empresário e historiador. E vamos começar por aí. O que tem trazido para o debate público, além da sua opinião sobre as pessoas que dizem coisas, e, algumas delas, historiadores?
O ponto é exatamente esse, é comentar pessoas que dizem coisas e gostar que as pessoas possam dizer coisas livremente e sem sentir que cai sobre elas uma espécie de censura, que não tem a ver com o debate livre de ideias mas com uma série de preconceitos que são atirados à cara das pessoas, ou mesmo ensinados nas escolas, e que são tidos, no espaço público, como uma verdade absoluta. Na verdade, não sou historiador, e a sua pergunta parte de um pressuposto que evidentemente renego, o que sou, aquilo que é a minha atividade profissional, é jornalista. Há muita gente que se incomoda por eu assinar como jornalista no final dos textos de opinião, mas, e na verdade, sou jornalista, não quer dizer que os textos de opinião sejam jornalismo, naquilo que é o sentido, digamos assim, mais tradicional do termo, entendido no sentido de alguém que escreve notícias e que tem obrigação de estar a ouvir os dois lados, isso não existe num artigo de opinião, mas existe um desejo de olhar para um mundo com honestidade intelectual, e sem pertencer a tribos. Embora a pertença a uma tribo é uma coisa que me é frequentemente atribuída, mas, e a meu ver, de forma profundamente injusta.
Não pertence à tribo da direita liberal?
Nego isso se se estiver a fazer uma leitura séria daquilo que eu sou, ou seja, podemos pertencer a um espaço ideológico, que ainda por cima tem muito a ver com o país e com a época em que vivemos, mas até isso eu recuso como um absoluto, porque acho que aquilo que são as nossas convicções ideológicas, em termos de direita ou de esquerda, vem muito da geografia e divergem muito quando olhamos para o tempo em que vivemos, ou seja, estão relacionadas com o tempo em que vivemos e no espaço em que vivemos, sou de direita liberal em Portugal em 2021. Não acredito que o fosse há 50 anos, e, muito provavelmente, não seria assim que me classificaria nos Estados Unidos da América. Quanto à questão do historiador, evidentemente não sou historiador, a sua pergunta pressupõe uma espécie de julgamento de autoridade, mas aí, e como não sou político, não poderia falar sobre política ou como não sou sociólogo, não poderia falar sobre sociologia. Nós somos aquilo a que chamam – e quando querem desprestigiar a função – de tudólogos, e faz algum sentido, porque quem escreve nos jornais, e escreve três vezes por semana, está constantemente a escrever sobre coisas e sobre coisas acerca das quais não tem um profundo conhecimento. Aliás, quem escreve nos jornais, quem é jornalista, não percebe profundamente de coisíssima nenhuma sobre o que tem de escrever. Quando muito ouve especialistas.
Comecei por aí, pelo papel de historiador, para chegar à sua mais recente picardia pública. Parece que há no João Miguel uma necessidade quase adolescente, e não o interprete como coisa má, de picar e de se picar com pessoas como, por exemplo Pacheco Pereira, que o reenviou para os bancos da escola. Na sua resposta o João Miguel decide enumerar todas as contradições do Pacheco Pereira. E é aqui que eu pergunto: o que trouxe de novo ao debate? O lado marxista do Pacheco Pereira?
É verdade que fui buscar o lado marxista e maoísta do Pacheco Pereira, mas não fui só buscar isso, quando ele entra na democracia – e foi maoísta na democracia – foi muitas coisas…
Faz uma evolução…
Não faz bem uma evolução, se quisermos simpatizar com aquilo podemos pensar que faz uma evolução, não vejo assim. Como evolução entendemos começar no ponto A e acabar no ponto B, no caso do Pacheco Pereira, e depois de ter passado pelo ponto A e B, está a voltar para trás, está a fazer uma inversão relativamente àquilo que já foi. Podemos pensar que mudamos de opinião consoante o espírito do tempo, mas tenho para mim que Pacheco Pereira muda de opinião de acordo com aquilo que são as suas simpatias pessoais das pessoas que, em cada momento, mandam no país e mandam no PSD.
Está a fazer um juízo mais moral do que intelectual. Reconhece ou não no Pacheco Pereira o historiador?
Claro que reconheço. Não só reconheço o historiador, como o Pacheco Pereira é uma pessoa que leio com muito gosto, tenho a maior admiração pelo que ele está a fazer na Marmeleira e partilho com ele o gosto pelos papéis velhos, e muito. Aí temos uma paixão comum.
Mas não teve pudor algum em o estraçalhar num artigo de opinião, sem acrescentar muito mais. Vejo-o a travar uma espécie de guerra de trincheiras onde se morre muito e se avança pouco. De que forma é que contribui para o debate público? Ou faz o que faz pelo gozo de provocar?
Não se trata de dar gozo. Trata-se do meu papel e do desempenho a minha profissão. Dá-me gozo no sentido em que gosto de desempenhar a minha profissão, sem dúvida alguma. A minha coluna no Público chama-se ‘o respeitinho não é bonito’, porque entendo que existe um problema grave de respeitinho em Portugal, e que sempre existiu. Quanto à questão do historiador ou do não historiador: sou uma pessoa que olha para o país de uma determinada maneira e que está muito relacionada com a infância que tive, o mundo de onde venho e do confronto da província com a capital – no que é uma história muito antiga – e considero que é importante o papel que desempenho na comunicação social portuguesa. Tenho uma aversão, não às pessoas específicas, mas àquilo que é a cultura intelectual lisboeta, àquilo que é uma elite lisboeta e que domina o país desde sempre. E este é o problema neste debate da questão do Estado Novo. As pessoas só olham para o facto de que estou a embirrar com o Pacheco Pereira, que já escreveu mais livros de história do que eu, já leu mais livros de história do que eu. A questão não está aí, a questão é que Pacheco Pereira atacou o Nuno Palma, que é um historiador, e é um historiador sério, aliás, muitos dos trabalhos que estão a ser atacados foram feitos por pessoas de esquerda, como o Pedro Lains…
Sabe que a relação entre o Nuno Palma e o Pedro Lains, recentemente falecido, não foi assim tão tranquila, houve crispação entre os dois, mas continue…
Não faço ideia. Mas sei que escreveram papers em conjunto sobre a temática que está aqui em causa: o analfabetismo, a questão da mortalidade infantil ou a convergência do PIB durante o Estado Novo. O Nuno Palma foi lá defender isto (à convenção do Movimento Europa e Liberdade, MEL), se ele foi lá defender isto e se há pessoas que têm outros números e outros dados, que os apresentem. Não tenho nada contra quem vier, com um trabalho académico, e disser: ‘Não, neste paper, neste trabalho académico do Nuno Palma, isto está errado, ele fez mal a contagem, o PIB não se pode ver assim; na questão do analfabetismo ele está enganado’. Não foi isso que aconteceu, o que aconteceu, após aquele colóquio, foi a destruição daquilo que é a linha de pensamento de uma pessoa em função de preconceitos que, pessoalmente, já não consigo ouvir, e, sobretudo, esta ideia que foi repetida com Nuno Palma, foi repetida com a nomeação do Pedro Adão e Silva, que é: ‘Tu não concordas com estas opiniões, logo, és um adepto do Salazar, és um fascista, está a branquear o Estado Novo’. Para isso não é preciso ser historiador, porque é o grau zero da indigência intelectual. E é isso que o Pacheco Pereira não pode vir subscrever porque é de uma desonestidade intelectual gigantesca.
Vivemos num mundo de perceções, as pessoas não leem de forma atenta e profunda…
…quem é que são as pessoas? O povo em função do olhar das elites? O povo que não atinge, voltamos ao mesmo.
Há uns dias li How nasty was Nero, really?, na New Yorker, escrito pela Rebecca Mead, em que ela defende, apoiada pelo testemunho de historiadores, que é provável que Nero tenha sido vítima de uma campanha difamatória, e onde lemos que o monstruoso imperador nem estaria em Roma quando o incêndio deflagrou, em 64 a.c., ou seja, defende um ponto de vista suportado por historiadores. Num dos seus artigos falou do debate, no domínio da História contemporânea, entre a Irene Pimental e o Duncan Simpson (sobre a PIDE e a forma como a polícia política estava integrada na sociedade portuguesa), deixe-me perguntar-lhe, leu a tese do Duncan Simpson?
Não vamos saltar de assunto em assunto. Voltamos à questão do Nuno Palma, até porque isto é uma entrevista muito conversada, estamos aqui mais num debate do que numa entrevista, e nesse nosso debate diga-me: o PIB não convergiu com a Europa durante o Estado Novo, sim ou não? Ou a mortalidade infantil não decresceu? Ou o analfabetismo não foi combatido e praticamente eliminado entre as crianças na década de 1950, 1960, sim ou não?
Em termos relativos, sim, ‘mas’. E podemos comparar o que se diz sobre o Estado Novo com o que se diz hoje quando dizemos que Portugal está na cauda da Europa, depende dos indicadores que olharmos e como os quisermos olhar.
Não, não. Não depende dos dados. Lá está! Nós podemos ter diversas interpretações, mas não podemos ter divergências sobre factos. Não sou historiador, e não sou historiador daquela época, então que venha um historiador daquele período dizer: ‘Nuno, você está errado’ (mais recentemente Rui Ramos veio dizer que está certo). Continuar a achar que o Nuno Palma tem alguma simpatia pelo Estado Novo e pelo Salazar é que não. O meu problema é, justamente, o contrário, é o que existe ainda de Estado Novo na democracia portuguesa. É o que existe de corporativismo e de salazarismo nos dias de hoje. Isso é o que me preocupa. E andam-nos a atirar à cara com as questões de branqueamento do Estado Novo, quando vivemos numa democracia corporativa em que a linha com o Estado Novo não foi quebrada.
Já escreveu artigos com o título ‘a cultura pidesca do Estado Novo continua bem viva’. Tem um espaço amplo no debate público português, só queria perceber qual é sua intenção e a forma como aborda as questões. É que mesmo quando diz que a sua intenção não é branquear o Estado Novo, a verdade é que parece.
Não é de facto, e quero lá saber se parece que é! Está a ver? O parecer que é não me interessa neste caso. Mas parece a quem? Quem esteve no MEL percebeu que a intervenção do Nuno Palma foi sobre a evolução de Portugal ao longo de 200 anos, nem sequer foi só sobre o Estado Novo, era sobre a questão de uma continuidade que é esquecida. O meu problema, e mais uma vez, e parece que também é o problema do Nuno Palma, não é dizer que há um núcleo da democracia portuguesa a querer voltar ao Estado Novo, mas, e como existe uma continuidade de subdesenvolvimento ao longo de 200 anos, significa que nós não somos capazes de o combater – o que tem mais a ver com uma questão de continuidade, do que com qualquer espécie de desejo de voltar ao passado. É ridículo.
Passemos ao 25 de Abril e ao comissário executivo para as celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, já ouvi e li o que disse e escreveu sobre Pedro Adão e Silva, peço-lhe, agora, um ou dois nomes alternativos ao Pedro Adão e Silva?
Um nome da geração dele? Pedro Magalhães, um nome que não provoca alergias à direita ou à esquerda e que tem uma intervenção mais moderada no espaço público. Mas a questão não é o Pedro Adão e Silva, é o processo. Quer dizer, há um lado que é o Pedro Adão e Silva e porque é que eu acho que o Pedro Adão e Silva foi escolhido…
Sim, até escreveu, mais coisa menos coisa, que vamos ter um 25 de Abril à moda do Rato.
Sim, exatamente, é isso que acho. Nós estamos numa altura historicamente sensível por causa daquilo que é especificamente a ‘geringonça’ e, portanto, acho que isso é uma questão sensível. Tenho muita curiosidade em perceber o que vai acontecer, e se o PS continuar a precisar do apoio nomeadamente do PCP vai ser divertido perceber como é que vai ser celebrado o arco do PREC. Vai ser muito divertido de ver. Há um combate sobre o passado no presente, sem dúvida, mas a questão prévia ao Pedro Adão e Silva, é o método, quando se quer fazer um Ministério para celebrar os 50 anos do 25 de Abril e esse Ministério ultrapassa o período da atual legislatura, mandaria o bom senso que o PS falasse com o PSD e se encontrasse um nome que pudesse abarcar todo o regime, o facto de não abarcar todo o regime, para mim, é significativo. Esse é o primeiro ponto importante. O outro ponto importante é a escolha do Pedro Adão e Silva, sendo que são duas questões diferentes.
Quer dizer que para o João Miguel a diferença essencial entre o Pedro Magalhães e o Pedro Adão e Silva é que o Pedro Magalhães seria um pouco mais impoluto do ponto de vista partidário, digamos assim…
Não só, há um tema favorito, meu e seu, chamado José Sócrates, que para mim é um tema decisivo na democracia portuguesa, e para além de todos os problemas de ser do PS e tudo isso, percebo muito mal que qualquer pessoa que tenha intervindo ativamente na defesa de José Sócrates, a partir ali de 2008, 2009, possa ser convocada para celebrar Abril. Não perdoo isso. Não foi só andar com os olhos fechados, foi defender ativamente a maior ameaça que houve à liberdade em Portugal desde o 25 de Abril. A maior ameaça que houve às liberdades em Portugal desde o 25 de Abril chama-se José Sócrates. Pedro Adão e Silva defendeu ativamente José Sócrates, logo, não pode celebrar o 25 de Abril.
Ó João Miguel, apetece-me dizer aqui aquilo que os nossos avós diziam: ‘O que é que o cu tem a ver com as calças?’ – e peço desculpa por usar essa expressão. Mas há demasiadas pessoas, e com alguma decência pessoal e intelectual, que se equivocaram na avaliação que fizeram de José Sócrates…
…tem razão, mas essas pessoas, como a Clara Ferreira Alves, por exemplo, vieram dizer publicamente: ‘Eu errei, arrependi-me, isto aconteceu’…
… já ouvi Pedro Adão e Silva referir-se a José Sócrates, publicamente, como um sociopata.
Não é só criticar José Sócrates, é criticar-se a si mesmo, é criticar o seu próprio comportamento como político…
… quer que se faça um ato de contrição, uma confissão pública? Sabe que tudo isso me parece um bocado assustador.
Não é preciso fazer isso, mas não se pode disfarçar, que é o que acontece com inúmera gente. Não quero um ato de contrição maoísta, mas não quero fingir que as coisas não se passaram.
O que tem o engº Sócrates a ver com a leitura histórica e celebrativa que temos de fazer do 25 de Abril?
Quer que lhe repita o que acabei de dizer? O 25 de Abril existe para celebrar a liberdade, alguém que não viu a maior ameaça à liberdade em Portugal depois do 25 de Abril e até participou ativamente ajudando-a – certamente que Pedro Adão e Silva não andou a conspirar na sombra com José Sócrates para a tomada da TVI – mas eu li o que ele escreveu sobre muitas coisas e quando ele escreveu sobre essas coisas, ou quando esteve, em 2009, a defendê-lo no congresso do PS, nessa altura já se sabia quem aquele homem era. Podia andar-se muito distraído. Mas andar distraído é um defeito, as pessoas que em alturas absolutamente fulcrais da História se distraíram, convém perceber que se distraíram. Para mim, Sócrates é um momento historicamente essencial na democracia em Portugal, historicamente essencial, e a quem andou distraído nessa altura tem de lhe ser dito: ‘Meu amigo, andaste distraído, quando não podias andar distraído, falhaste quando não podias ter falhado’. Eu não falhei. E não basta calar, é preciso contar, há uma dimensão misteriosa em Sócrates, e a bem da clareza do espaço público, que precisava de ser contada pelas pessoas que lhe foram próximas, até hoje, e das pessoas que lhe foram próximas, tirando o artigo da Fernanda Câncio, na Visão, em que dava um lamiré, não conheço um testemunho, um livro, nada escrito a dizer: ‘Fui enganado por esta pessoa da seguinte forma’. Espero ansiosamente que isso venha a acontecer.
Vamos mudar de assunto, antes disso, o João Miguel faz tanta coisa que se transformou numa espécie de Clara Ferreira Alves da década 2020…
…mas há uma diferença, a Ana não acha que aquilo que eu faço seja bem-feito.
Talvez com esta comparação me tenha traído. Vamos prosseguir. Vamos passar do historiador para o comentador. Esta semana assinalam-se os primeiros 100 dias do segundo mandato do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que leitura faz deste tempo?
É uma leitura igual à que faço dos cinco anos do primeiro mandato e dos anos de coabitação com António Costa. Acho que são duas pessoas que gostam um do outro, acho que isso afeta a relação deles no sentido em que há ali uma solidez, e não é só porque gostam um do outro, é porque se compreendem um ao outro, percebem quais são os limites um do outro, e desconfio que cada um acha do outro que é pessoa mais competente para o desempenho do cargo. Ou seja, acho que Marcelo é o melhor político português disponível. Não há ninguém que se chegue ao pé dele ele – talvez Passos Coelho, mas Passos não tem espaço para reemergir neste momento. E, depois, acho que o Marcelo sempre teve e sempre terá problemas com aquilo que seja o confronto político muito evidente com um primeiro-ministro como o António Costa, ainda que haja descontentamentos, pequenos arrufos, notícias a sair em que o Presidente diz que não gostou disto ou daquilo ou a enviar indiretas à frente das câmaras de televisão. Mas nunca acontecerá nada disruptivo entre o primeiro-ministro e o Presidente, enquanto um for António Costa e o outro Marcelo Rebelo de Sousa.
E tudo isso porque não há melhor?
Mas isso é uma boa razão. Não haver melhor é a melhor explicação para o tempo em que vivemos. Faça-me justiça, as pessoas – ou porque acham que não sou suficientemente inteligente ou suficientemente culto para ocupar o espaço mediático que ocupo – não leem com atenção aquilo que escrevo, o que não tem mal nenhum. Há, certamente, pessoas mais interessantes e estimulantes do que eu, mas como não leem, fazem constantemente retratos que não correspondem a mim ou ao que eu escrevi. Qualquer pessoa que leia com atenção aquilo que tenho vindo a escrever, notará o tratamento diferenciado que dou ao primeiro-ministro António Costa relativamente ao que dei ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, e ao contrário de muita gente de direita que acha que aquilo é tudo farinha do mesmo saco. Acho que há uma continuidade no PS com a qual António Costa estrategicamente rompeu, não acabou com ela, mas não são farinha do mesmo saco. António Costa é um primeiro-ministro muito competente, que, e a meu ver, tem uma visão muito errada para o país, porque ele não acredita num Portugal reformista. Mas tem uma visão para o país que respeito, é péssima, faz muito mal ao país, mas é a visão dele, e eu respeito essa visão. Estamos a falar de um político muito habilidoso, com o que habilidoso tem de mau e de bom. Qualquer bom político é habilidoso, passa a ser mau quando a habilidade se limita a uma gestão do dia-a-dia, que é aquilo que acontece com o Governo de António Costa, e que provoca a estagnação do país. E temos um país estagnado há 20 anos. Mas, e dito isto, são duas pessoas, tanto Marcelo como Costa, que impedem que o país se desgrace. E nós mantemos as nossas liberdades, embora a corrupção do poder, que advém do facto de se manter esse poder durante demasiado tempo, seja uma coisa muito visível.
Aquilo a que chama a União Nacional. Há uma diferença muito grande entre a União Nacional e o PS, desde logo, e para começar, o regime, porque diz estas coisas, estas frases…
…provocatórias? Porque a provocação faz parte de uma presença interessante no espaço público. Todas as pessoas que são interessantes ou que foram interessantes, e que ainda hoje lemos ou lembramos como bons colunistas são pessoas provocadoras, incluindo Pacheco Pereira, José Miguel Júdice, Miguel Sousa Tavares, Miguel Esteves Cardoso, Paulo Portas ou Vasco Pulido Valente, algum deles é ou foram pessoas mornas?
Acredita realmente em tudo o que diz ou que escreve? Não há um João Miguel dentro de si que se desata a rir quando diz ou escreve certas coisas, como, por exemplo, o PS é a União Nacional.
Não. Ouça, comecei a escrever nos jornais por volta de 2002, 2003, apanhei como primeiros-ministros – sou um cronista político – talvez ainda o final de Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e António Costa, vá ver o que é que escrevi sobre cada um deles. Diga-me: enganei-me profundamente sobre algum deles? Enganei-me, por exemplo, com a questão da geringonça quando achava que não teria a solidez, no início, depois quando percebi a estratégia do Centeno, percebi que aquilo tinha solidez, mas no início não achei que houvesse solidez suficiente para aguentar o país, para aguentar a geringonça, aí, enganei-me. Mas era importante que alguém fizesse esse exercício, e se quiser perceber o meu trabalho, analise onde é que me enganei nesses momentos essenciais. Uma coisa é nós termos uma escrita, e a escrita deve ser musculada, há um prazer da escrita – e esse prazer explica o meu sucesso como colunista no Público, parte de ele – que não tem tanto a ver com as minhas opiniões – porque pelas opiniões estão sempre a mandar-me para o Observador –, mas mantenho-me como colunista há tanto tempo, não é só por causa das minhas opiniões, é por causa da minha escrita. E esse lado da escrita e da qualidade da escrita, independentemente da opinião, também precisa de ser lido com mais atenção. Há, sim, vontade de provocar, ou aquilo que o Pacheco Pereira critica que é o de colocar o nome das pessoas nos títulos, sim, coloco o nome das pessoas nos títulos porque odeio textos abstratos, de falar d’ ‘eles’, e eles porque eu e os meus amigos sabemos de quem é que estamos a falar. Se reparar estou sempre a explicar aquilo que foi dito, os meus textos estão cheios de citações, e aí há um lado jornalístico, sim, não dou como adquirido, como imensa gente, de que quem me está a ler sabe do que estou a falar. Não estou a escrever para as pessoas, mas para os meus amigos do Twitter e do Facebook, eu não faço isso. Quando digo que o PS parece a União Nacional da democracia, evidentemente, isto é uma comparação, é claro que o PS não é a União Nacional, mas também não podemos acabar com as metáforas, é a mesma coisa se me disserem que não posso escrever águias para me referir ao Benfica porque uma águia é uma ave de rapina.
Começámos esta conversa pela minha tentativa de perceber até que ponto a sua intervenção no espaço público está para além destas frases mais ou menos provocatórias.
Eu próprio me questiono muitas vezes sobre isso. A minha questão como colunista é: por que sou tão lido?, e sem falsa modéstia, conheço pessoas mais inteligentes do que eu, mais cultas do que eu, e por que sou eu que estou ali? A melhor resposta que encontro é simples: é porque penso pela minha própria cabeça, que é uma coisa que devia ser banal, mas que infelizmente não é.
Concordará comigo que a expressão ‘penso pela minha própria cabeça’ está tão banalizada que já ninguém a leva a sério.
Pode estar banalizada, mas não é praticada. Porque isso significa estar contra a tribo, estar sozinho. As pessoas adoram caricaturar e dizer: ‘Ah!, aquele gajo está a dizer o mesmo que outros 300’. É mentira, estou muitas vezes sozinho, outras tantas, contras as pessoas do meu espaço ideológico, isso acontece muitas vezes, inúmeras vezes…
Estar sozinho no ataque ao Sócrates também foi o que o fez no espaço público.
Estar sozinho contra o Sócrates é uma injustiça, porque para isso era preciso uma certa lucidez para se perceber quem aquele homem era, e não fui eu que foi lúcido, foi a Ana e outras pessoas – e a Ana não tendo uma participação mediática, tinha nas redes sociais – que foram cegos, vocês é que foram cegos. E isso faz diferença. E essa cegueira – e isto é um ponto importante é uma cegueira de grupo, é uma cegueira de tribo. E quando começa a nossa conversa a falar dos quatro filhos, os quatros filhos aí são importantes, mas o facto de me manter, ainda hoje, uma distância daquilo que é o circuito do Lux, do Bairro Alto e das elites lisboetas, isso foi essencial para ver o país como ele é. Temos uma geração mediática de pessoas que se tratam por tu e se conhecem todas.
Mas isso não ilude a seriedade das pessoas na sua vida pessoal e profissional.
Sim, e são pessoas ideologicamente diversas, umas são de esquerda e outras de direitas, são pessoas simpáticas, sensatas, são pessoas com quem é agradável jantar. Não estou a dizer que são pessoas desonestas, nunca o disse. Mas em Portugal não existe o cuidado de se sair dessa elite. Temos um discurso uniforme e não compreendemos as coisas fora dessa bolha e essa bolha é trágica para o país, e é trágica há 200 anos, há 200 anos que temos regimes a serem liderados a partir do Terreiro do Paço. Isto não é brincar ao Estado Novo, é perceber o quanto do Estado Novo continua na democracia portuguesa.
Voltando atrás, à relação entre o PR e o PM, temos então que António Costa é o melhor primeiro-ministro ‘disponível’, o que quer dizer que temos, também, e por isso mesmo, um problema com os restantes líderes, com aqueles que podem ser uma alternativa ao atual PM?
Não é só isso, não se trata só das lideranças dos outros partidos. As lideranças estão indexadas ao estado do país e ao Estado, e nomeadamente à questão da bazuca, do dinheiro que vai chegar a Portugal, tudo isso está interligado, e não ajuda a que não haja uma alternativa de direita que as pessoas reconheçam como válida.
Insisto, voltando a Marcelo Rebelo de Sousa e à sua natureza política, ao espírito maléfico que o trouxe até aqui, não lhe parece que está a dar sinais de alguma atividade? E a vida do Governo não está fácil. Se lhe pedisse três casos que deviam ter consequências imediatas, o que me diria?
Deixe-me falar do Marcelo. As pessoas envelhecem e institucionalizam-se, e neste caso num sentido positivo, o Marcelo é Presidente da República, e ele não é ‘lelé da cuca’, ou seja, tem consciência da importância do cargo que ocupa, já não dá para ser o brincalhão dos tempos do Expresso. Acho que Marcelo continua a ter uma natureza lúdica, e isso nota-se bem naquilo que é o exercício do seu cargo público, mas sabe que é a primeira figura da nação, e aqui o cargo transforma a pessoa.
Sim, com índices de popularidade consideráveis que o Presidente não vai querer pôr em causa, mas voltando à questão…
…à história dos casos? Quando diz casos, quer dizer exatamente o quê? Ou seja, não há nada de incompreensível, no sentido em que se percebe bem aquilo que está a acontecer, o que é mais grave, e que já vem da primeira legislatura mas em que há cada vez menos pudor, tem a ver com aquilo que é, e por parte de quem está no poder, o assalto ao Estado. Esse assalto não é específico da esquerda, também aconteceu nos 10 anos do cavaquismo, mas, e porque o PS está há muito tempo no poder, e a alternância que houve com o PSD, foi no período da troika, a partir daí não houve mais possibilidades – o PS até conseguiu escapar a uma punição exemplar pelos anos de 2005 a 2011, o que teria merecido – e, embora numa primeira fase, António Costa tenha feito um esforço para não entrar a pé juntos, a partir daí começamos a ver o que tem sido: com Mário Centeno; a questão da procuradora (substituída no cargo) ou do procurador europeu (com irregularidades na nomeação); a questão de Ana Paulo Vitorino; na questão dos reguladores em constantes conflitos com o Conselho de Finanças Públicas. Há sempre um grande desejo pelo aparelho de Estado, e aí António Costa é um brutal pragmático, sabe que o poder em Portugal está no Estado, temos uma sociedade brutalmente dependente do Estado, e, portanto, ele, que não é minimamente ingénuo… e temos outro exemplo, o Conselho Geral Independente da RTP, que já deixou de ser independente e não tem nada a ver com o modelo que Miguel Poiares Maduro tentou instituir. E, portanto, tudo isso está dinamitado e aquelas tentativas de abertura do país que aconteceram durante o Governo de Passos Coelho, em parte por convicção pessoal, em parte por imposição da troika, vão sendo travadas. Olhe, eu tinha os dentes muito tortos, coloquei aparelho nos dentes, quando tirei o aparelho…
…os dentes têm memória.
…e quando se tira o aparelho, é preciso uma contenção para manter os dentes no sítio. O António Costa tirou a contenção e os dentes, tendencialmente, voltam mais ou menos ao lugar onde estavam, isto é, voltamos a um país corporativo. E depois é evidente que temos uma oposição, nomeadamente a questão do Rui Rio, que é um político muito particular, com uma mistura de ingenuidade e de provincianismo acho que nunca deixou de ser presidente da Câmara do Porto, nota-se pelo Twitter…
…ao dizer que Rio nunca deixou de ser presidente da Câmara do Porto, está a dizer que não tem dimensão para ser um político nacional e nem sequer para congregar o legado do PSD?
Não, quer dizer que lhe falta, às vezes, uma capacidade para perceber o país como um todo. E Portugal tem essa mistura muito grande, de que falava Mattoso ou Orlando Ribeiro, parece que somos um país muito homogéneo mas na verdade somos um país dividido em dois, seja pelo Tejo, seja ali a partir de Rio Maior, não temos um problema de cisão, mas são dois países muito diferentes, e é preciso perceber os dois lados. Rui Rio, que até é tão próximo de António Costa, e que teriam tudo para se darem bem, acontece que ele não percebeu o António Costa. Há muita ingenuidade nesta coisa do Rio de andar aos pulinhos a dizer que o António Costa o está a desperdiçar como líder da oposição, que está disponível para fazer reformas e o Costa não quer fazer reformas com ele, e tudo isto num tom de donzela abandonada a meio do baile…
Não terá sido esta necessidade de parecer diferente de António Costa que colocou Rio numa terra de ninguém? Rui Rio diz que tem uma visão para o país, acontece que não sabemos qual é a visão para o país de António Costa, como disse, ele é um pragmático, que ele tem uma visão de dia-a-dia…
Mais do que um pragmático, acho que Costa é um liberal e que não é uma pessoa evidentemente de esquerda, da esquerda do PS. Ele, a cada momento, está onde é preciso estar. Na Câmara de Lisboa – e eu votei António Costa, já disse isso, e até votei no Medina – abriu a cidade de uma maneira como eu nunca tinha visto. O que significa abrir a cidade? Deixou as pessoas fazerem coisas. E a cidade mudou muito devido a essa postura liberal do Costa.
E Rui Rio, acha que essa necessidade de ser diferente do António Costa o empurrou para um lugar desconfortável, onde não é uma coisa nem outra, onde não tem identidade política definida?
E não controlou o partido. Numa primeira fase seria sempre difícil essa afirmação, até porque a bancada vinha dos tempos de Passos Coelho. Rio quis recentrar o partido, veio com aquela conversa de que não somos um partido de direita, somos um partido de centro e isso tornou-lhe a vida muito complicada. Eu sou dos que acha que ele teve um bom resultado nas legislativas (27,76%), mas nem com uma nova bancada parlamentar conseguiu unir o partido.
E, já agora, como vai ficar o PSD?
Não é só o PSD, o sistema político português mudou de forma irreversível a partir das últimas eleições legislativas, em 2019. A direita fragmentou-se de forma irreversível, não vão ser possíveis quaisquer governos de maioria absoluta, terá de haver sempre uma coligação de partidos, e tenho dúvidas se isso não vai acontecer à esquerda no pós-António Costa. Diria que também vai acontecer à esquerda.
E quando vai ser esse pós-Costa?
Acho que Costa vai continuar como primeiro-ministro. Se tivesse de apostar, diria que ele vai continuar depois de 2023. Ele vai ter, é um bocado como o Cristiano Ronaldo, os anos suficientes para bater recordes, e o António Costa tem à sua frente algo – e se eu fosse político seria para mim invejável – que é o de ser o primeiro-ministro durante mais anos em democracia. E não me parece que ele vá perder essa oportunidade. Toda a gente fala das ambições europeias de António Costa. Tenho algumas dúvidas de que ele tenha ambições europeias. Acho António Costa um português, não tem nada a ver com o Durão (Barroso), não há nele um cosmopolitismo, há um cosmopolitismo lisboeta, mas não há um cosmopolitismo de Bruxelas. Posso estar enganado…
Os cabelos do primeiro-ministro, nos últimos anos, ficaram exclusivamente brancos, e mesmo para um homem como ele, e quando está a levar porrada de todos os lados…
Como assim? O homem está nos 40%! Lá está, mais uma vez a bolha. O homem está sentado em cima de 40% (das intenções de voto) que é uma coisa extraordinária ao fim destes anos, e a vida do António Costa sempre foi o PS, entrou para o partido muito, muito jovem, e não há aqui qualquer desmerecimento porque acho que a carreira política, e, ainda por cima, quando se é tão talentoso como ele, que a carreira política é uma carreira tão válida como qualquer outra, convém é que não sejam todos, os filhos, os primos e demais família, essa é outra questão, o nível de endogamia deste Governo é uma coisa nunca vista, e isso também é sintomático, mas o António Costa é uma pessoa do PS e o PS para ele é tudo. Ele vai abdicar do PS quando tem os fundos todos às mãos para gastar e o PS está com uma hegemonia que nunca teve, corre o risco de ter uma distância para o segundo partido como nunca se viu? E Costa vai desperdiçar isso? E quando já se percebeu, tipo União Nacional, que o PS está tão aborrecido com tudo o que acontece e com a fraqueza da oposição, que já começam a engalfinharem-se uns com os outros, eles sentem que já não precisam de exterior e, interiormente, estão todos a tentar perceber quem vai ser o próximo. Acho que o António Costa vai fazê-los esperar.
Não sabemos quando é que vamos voltar a ter uma outra oportunidade para ter um nome português num cargo relevante no contexto europeu…
Mas não se trata só de sugerir a oportunidade, António Costa não iria abandonar o Governo a meio, ninguém vai repetir a ‘barrossice’.
Acha que esta necessidade de empurrar o António Costa para a Europa vem do próprio partido?
Não sei sequer se ele está a ser empurrado para a Europa, parece-me mais conversa de colunista. Não vamos levar isso muito a sério. Quem está sempre a falar na televisão, entre os quais me incluo, estás sempre a fazer cenários, é a tua profissão, é o teu emprego, dizer coisas sobre a política, agora, convém não confundir as coisas que dizemos com a tradução do ambiente da pátria.
Então, e vou insistir na relação do PR com o PM, que, aparentemente, já conheceu dias melhores, também aqui acha que os jornalistas e os comentadores políticos estão só a tentar ver formigas na outra banda?
Não, não acho. Concordo que haja aqui uma coisa ou outra, por exemplo, acho que o Marcelo já apontou a porta de saída ao Eduardo Cabrita imensas vezes. Mas não acho que haja uma tensão significativa entre Marcelo e António Costa e nem prevejo que no futuro isso vá acontecer.
Na sua opinião, com estes atores políticos, e nesta realidade, Marcelo Rebelo de Sousa é o nosso melhor Presidente e António Costa é o nosso melhor primeiro-ministro?
Não, e isso dito dessa maneira comprometer-me-ia. Acho é que entre todas as pessoas que existem em Portugal, que o primeiro-ministro devia ser o Passos Coelho, mas isto são as minhas convicções políticas.
E aí não está sozinho, aí faz parte de uma tribo, já se deu conta disso?
Sim, fazemos parte de uma tribo. Acho que dentro daquilo que é o espaço da esquerda, e não vejo maneira de outros que não os que estão no espaço da esquerda, a tomarem conta do país, sim, no atual contexto, dentro desse espaço da esquerda, o António Costa é a melhor pessoa disponível no mercado. E já escrevi isso, antes das eleições, quando tínhamos António Costa e Pedro Passos Coelho, escrevi que, naquele momento, concorriam os dois melhores políticos portugueses que lideravam a esquerda e a direita. Eram as duas melhores pessoas disponíveis. Há várias pessoas melhores que António Costa como primeiro-ministro, mas não dentro do PS.
E voltando ao 25 de Abril e à ‘epopeia coletiva não traumática’, penso que o João Miguel acha esta ideia um perfeito disparate?
A minha mulher nasceu em 1975, em Lourenço Marques, basta ver o que foi a vida dos meus sogros e percebo que a ‘epopeia coletiva não traumática’ é ofensiva. É isso. Mas se me perguntar se a descolonização era inevitável? Sim. E se podia ter sido feito de outra maneira? Gostava de dizer que sim, mas tenho imensas dúvidas, há momentos da História em que não é possível fazer as coisas da forma certa, e a forma certa já tinha passado, e aí, verdadeiramente, a culpa foi do Estado Novo, não é da democracia.
E acha que as celebrações dos 50 anos do 25 de Abril não devem ter medo do lado mais traumático da História?
Vimos isso com a questão Marcelino da Mata. Quando o presente se radicaliza, a História volta a ter uma importância que não tinha. E o combate político vai também para o campo da História.
Qual é o objetivo da sua escrita ou das suas intervenções públicas? Penso que já não escreve para ganhar dinheiro…
Não escrevo para ganhar dinheiro? Claro que escrevo, é uma das minhas fontes de rendimento. Quanto ao meu objetivo, é dizer aquilo que penso e esperar que aquilo que penso seja suficientemente estimulante para as outras pessoas. Felizmente tem acontecido. Parece que é tão pouco. Mas é isso.