As manifestações de domingo, em Cuba, foram uma visão pouco comum naquele país das Caraíbas. A protestar contra o Governo de Miguel Díaz-Canel, milhares de cubanos que saíram à rua – bem como jornalistas – foram recebidos com detenções e violência policial para os dispersar. Como não há uma ação sem uma reação, a presença policial nas ruas de Havana foi fortalecida nos dias seguintes, e os cubanos amanheceram na segunda-feira sem acesso à internet e com poucos incentivos para regressar às ruas do país. Em poucas horas, a comunidade internacional não demorou a apontar dedos, e Portugal, na realidade, não foi dos países mais ruidosos sobre o assunto. A maioria dos partidos portugueses, fora o PCP e a IL, mantiveram relativo silêncio perante os protestos. Uma atitude que, confessa José Manuel Fernandes, publisher do Observador, ao i, é “estranha e triste”. “Aquilo que aconteceu em Cuba é extraordinário, com caraterísticas únicas, e vamos ver se vão mesmo ser únicas ou não. Já há uns tempos que havia sinais vindos de uma juventude que não tem nada a ver com a revolução, ligada aos subúrbios de Havana, dando sinais de distanciamento do regime. Lamento que os partidos democráticos [em Portugal] estejam em silêncio”, continuou, acusando o “provincianismo” dos mesmos, num país onde “parece que o mundo acaba em Badajoz”.
O rastilho do incêndio Cuba não vivia manifestações desta magnitude desde o “Maleconazo” de 1994, e as faíscas que fizeram acender este incêndio são várias. A escassez de produtos como comida e medicação no país são um fator diário na vida dos cubanos, tal como as limitações à liberdade pessoal, o fraco acesso a meios de comunicação como a Internet, e uma crise pandémica que se agrava diariamente, e que não conjuga nada bem com a diminuição do número de remessas que o país recebe dos residentes no estrangeiro e com a falta de turistas, fruto da própria pandemia da covid-19, um dos setores que contribui para a economia da ilha. Todos estes fatores andam de mãos dadas com uma galopante inflação que, segundo afirmam alguns especialistas, poderá disparar entre 500% a 900% nos próximos meses, o que dificulta ainda mais o panorama para um país cuja economia se encolheu 11% no ano passado.
Apoio português a ambos os lados Do Governo português, a única menção sobre as manifestações cubanas veio do ministro dos Negócios Estrangeiros, em conferência de imprensa após uma reunião dos homónimos europeus. “Estamos a assistir ao que nos parece ser uma evolução muito preocupante da relação do regime cubano com o direito de manifestação. Vamos ver como é que as coisas evoluem, e em que é que nós podemos influenciar para que evoluam num sentido positivo”, confessou Augusto Santos Silva.
Por cá, o PCP foi o mais marcante membro do universo político nacional a dar um parecer sobre as manifestações cubanas. O PCP escreveu uma carta aberta, publicada a 12 de julho, intitulada Fim ao bloqueio dos EUA – Solidariedade com Cuba. “O Partido Comunista Português expressa a sua solidariedade com Cuba, o Governo e o povo cubanos que, enfrentando uma situação exigente e complexa inseparável da intensificação da ação de ingerência e de agressão do imperialismo, se empenha de forma determinada no combate à epidemia, na defesa da sua soberania e independência e dos seus legítimos direitos, incluindo ao desenvolvimento”, lê-se no primeiro parágrafo da carta comunista, que segue a linha de opinião da Rússia, aliada do regime cubano, que acusou “ingerência” estrangeira nas manifestações. O PCP condenou “veementemente a política da atual Administração norte-americana que não só insiste na continuidade do criminoso bloqueio económico, financeiro e comercial, com caráter extraterritorial, imposto há mais de 60 anos pelos EUA contra Cuba e o povo cubano, como mantém as medidas de cruel recrudescimento deste bloqueio implementadas pela Administração Trump”.
Ao i, no entanto, a deputada não inscrita Cristina Rodrigues mostra uma outra opinião sobre o assunto, defendendo que foi “o contexto da crise económica e social gerada pela covid-19” que “reforçou o desânimo de parte da população que há décadas se vê privada de votar numa alternativa”. Ainda assim, a deputada faz questão de realçar que “devemos contextualizar que o isolamento de boa parte da comunidade internacional de Cuba acicatou, e de certo modo mantém, este mesmo regime”. “Face às circunstâncias é normal que os cidadãos de Cuba saiam às ruas para exigir um regime democrático”, refere, antes de apontar o dedo ao “mesmo bode expiatório” que se faz ouvir “quando se fala em liberdade cívica e de imprensa ou mesmo manifestações de protesto contra regimes de partidos únicos ou pseudo-democráticos”, referindo-se à “ingerência estrangeira” alegada pelos russos e pelo próprio PCP. Sobre a carta aberta dos comunistas, Cristina Rodrigues não poupa nas críticas: “É a mesma visão obtusa que emana do PCP a qualquer regime comunista ou proto comunista. Tanto faz ser a militarista Coreia do Norte, a imperialista República Popular da China, ou outro regime pró comunismo que é cegamente defendido pelo PCP. Resta saber se o PCP tivesse oportunidade implementaria ou não um regime idêntico àqueles que defende internacionalmente”.
PCP e IL foram os únicos dois partidos portugueses com assento parlamentar que se pronunciaram oficialmente sobre estas manifestações, para além de Cristina Rodrigues.
Em apoio aos manifestantes cubanos esteve também a Iniciativa Liberal que, com poucas palavras, partiu para o Twitter, onde escreveu “Comunismo ou Liberdade”, acompanhando uma fotografia das manifestações no país. Em resposta ao i, a Iniciativa Liberal definiu-se como sendo “intransigentemente opositora de todas as ditaduras”, condenando “veementemente a violenta ditadura cubana”. A IL “espera que o povo cubano tenha sucesso na sua luta pela liberdade, pela democracia e pela esperança de uma vida melhor”, e faz fortes críticas ao Executivo cubano: “60 anos depois, o salário médio líquido mensal de um cubano ronda os 25 euros por mês. O verdadeiro comunismo, usou os mesmos métodos de sempre e obteve os mesmos resultados de sempre.” O partido liberal fez ainda questão de relembrar que “na Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa de 2021, publicada pelos Repórteres sem Fronteiras, Cuba ocupa um dos 10 últimos lugares”, e que, em Cuba, “não foi apenas na economia que Cuba falhou”, argumentando que no país “não há eleições livres, não há liberdade de movimentos, não há liberdade de expressão”.
Também a ex-candidata à Presidência da República, Ana Gomes, demonstrou apoiar os manifestantes cubanos, defendendo ser “preciso muito desespero e muita coragem para os cubanos virem para a rua protestar” contra o Governo do país. Num tweet, Ana Gomes defendeu que “só gente muito reacionária não entende e não apoia quem protesta”, apontando o dedo, tal como Cristina Rodrigues, a quem usa o embargo americano “como seguro de vida do regime opressor do povo cubano”.
Reações internacionais Um pouco por todo o mundo as vozes políticas alçaram-se, ou para apoiar o Governo de Miguel Díaz-Canel – no caso da Rússia, principalmente – ou para apoiar os manifestantes, o caso dos EUA. Aliás, o mesmo foi visível, especialmente, na cidade de Miami, conhecida pela sua extensa comunidade cubana. Os protestos contra o regime cubano fizeram eco na cidade norte-americana, onde Orlando Gutíerrez, dirigente dos cubanos exilados em Miami, não deixou dúvidas em declarações à agência EFE: “Chegou o dia em que o povo de Cuba se levantou.”
Também em Espanha, onde a comunidade cubana é significativa – fruto de décadas de imigração e de uma ligação histórica ao país – os protestos ecoaram, até entre os partidos políticos do país e o próprio Governo. O Ministério espanhol de Negócios Estrangeiros, através do ministro José Manuel Albares, exigiu a libertação da jornalista espanhola Camila Acosta, correspondente do diário ABC, e pediu às autoridades cubanas que respeitem o direito à manifestação. Ainda assim, o Partido Popular (PP) criticou as comunicações do Ministério, acusando-o de “não condenar a repressão nem apoiar a reivindicação de liberdade do povo cubano”. Palavras de Pablo Hispán, deputado ‘popular’. Na mesma onda esteve Iván Espinosa, do partido Vox, que saudou as manifestações em Cuba, e definiu o comunicado do Ministério espanhol de Negócios Estrangeiros como “morno” e “carente de qualquer tipo de claridade”.
Já o Podemos, através do porta-voz Pablo Fernández, garantiu que “a melhor forma de ajudar Cuba neste momento é levantar o bloqueio norte-americano ao país” que, garante, “impede que cheguem alimentos e medicação à ilha”.