A região de Aveiro é conhecida, entre ovos moles e moliceiros, pelas suas praias de areia branca e mar agitado. São Jacinto é a única praia do concelho que dá nome ao distrito (a Barra e a Costa Nova são de Ílhavo)… mas há um curso de água, ele próprio com o mesmo nome, que se estende muito para além da cidade, bordejando locais como Ovar, Estarreja e Murtosa, a cerca de 30 quilómetros do centro de Aveiro.
A região centro do país é única numa realidade: tem praias para todos os gostos. Aqueles que gostam de grandes areais e de ver o oceano, podem deleitar-se com a orla costeira que vai desde Mira até ao Furadouro. Do outro lado, no entanto, está a Ria, e, em seu redor, uma seleção de praias fluviais que servem para aqueles que preferem molhar os pés na água calma e serena deste espelho aquático que é tão icónico da região.
Na Torreira, vila piscatória do concelho da Murtosa, localiza-se uma das mais interessantes praias fluviais da Ria de Aveiro. Do lado do oceano, um extenso areal é imagem postal da vila, mas do lado da Ria a paisagem não é menos fascinante. Diga-se que, entre um lado e o outro está apenas pouco mais de um quilómetro de terra, o que permite aos banhistas andar de moliceiro de manhã e fazer surf à tarde sem precisar de andar muito.
«Una caña, por favor», ouve-se assim que se chega ao Monte Branco Caffe, espaço dedicado na praia homónima para refrescar-se após um dia de calor. Ponto de chegada dos vários turistas, nacionais e internacionais, é o principal produto de uma requalificação levada a cabo pela autarquia em 2013, que se dedicou a tornar a Praia do Monte Branco na Torreira – local de eleição dos murtoseiros (mas não só) para passar férias – novamente num espaço agradável, com Bandeira Azul. Aliás, apenas esta praia e a Praia do Bico, na Murtosa, ostentam este símbolo em toda a Ria de Aveiro.
Falta a icónica prancha sobre a Ria, que serviu de cartão de visita durante décadas, mas o espírito da praia que recebia, nos anos 80 e 90, centenas de imigrantes norte-americanos, continua em alta, e que o diga António Almeida, o homem por trás do café principal da praia de Monte Branco. O empresário, de 39 anos, que também se dedica ao alojamento local e à organização de passeios de moliceiro, recorda com carinho os verões passados na praia onde agora exerce a sua profissão, e elogia a requalificação levada a a cabo pela autarquia na última década. «Com as novidades, a praia ficou mais amigável, especialmente para as famílias, porque a ria é mais calma, e deu um espaço para quem prefere vir aqui fazer praia, do que ir para o areal do outro lado», defende o mesmo, originário da Murtosa, que fez ainda uma descrição breve do tipo de turista que chega à praia ‘estuarina’ do Monte Branco. «Os turistas estrangeiros que aparecem são de caravana, de carro, ou então em pequenos grupos, que vêm cá à Torreira para depois irem visitar Aveiro, Coimbra e o Porto», revela.
Para além da concessão do principal bar da praia de Monte Branco, António Almeida também é o principal responsável pelos passeios de moliceiro que se fazem entre a praia e a Murtosa. Uma aventura que, até há pouco tempo, só podia fazer-se mediante reserva. Agora, no entanto, a viagem faz-se frequentemente, «como uma carreira», brinca o mesmo. Isto, claro, quando o vento o permite. «Não é a mesma coisa que o passeio nos canais de Aveiro, aqui há vento e é mais movimentado», adverte, explicando, no entanto, que a atividade agrada também um nicho de turistas que procura uma versão mais ‘selvagem’ da viagem de moliceiro, e que chegam a repetir a experiência, no centro urbano de Aveiro, e nas águas da ria entre o Monte Branco e a Murtosa.
A prancha que está escondida
Um objeto surge na mente dos vários murtoseiros que falaram com o Nascer do SOL quando se fala dos ‘tempos dourados’ da praia do Monte Branco. A prancha. A mítica prancha que servia de postal, icónica desta praia, que entretanto foi retirada da água, com o seu regresso a ser muito esperado por quem frequenta esta praia do concelho da Murtosa.
O museu que é estaleiro
À beira da praia do Monte Branco surge também uma interessantíssima estrutura, renovada e moderna: o Museu/Estaleiro da Praia do Monte Branco. É um espaço dedicado à história da construção dos barcos moliceiros, que serviam, antigamente, para apanhar o ‘moliço’ – algas para adubo – da Ria de Aveiro. Aliás, este, curiosamente, também é um dos temas recorrentes em quem falou com o nosso jornal. O abandono dos barcos moliceiros do seu objetivo original (atualmente só se utilizam principalmente para fins turísticos) deixou marcas na água da Ria, que passou a ter todo o moliço depositado no fundo e, consequentemente, alterou a sua composição.
Murto-americanos
Uma presença é ainda notável na Murtosa e na Torreira: milhares de locais desta localidade emigrara, nos anos 50, 60 e 70, para os Estados Unidos da América, focando-se, principalmente, em New Jersey e Newark, na costa este do país. Hoje em dia, as marcas ainda são visíveis nas casas murtoseiras, que muitas vezes exibem bandeiras norte-americanas, e nas próprias vozes que se fazem ouvir na praia do Monte Branco, de filhos e netos de imigrantes murtoseiros que regressam à terra dos seus pais ou avós para passar férias.
O fortalecimento do euro perante o dólar, no entanto, levou a que as ‘enxurradas’ de emigrantes deixassem de escolher tão frequentemente a Murtosa como destino nas férias, apesar de que, segundo confessa António Almeida, ainda haja, neste Verão, emigrantes de segunda e terceira geração a visitar o Monte Branco. «Sem o Hip Hop nem a House Music que se ouvia nos anos 80», no entanto, brinca o mesmo.
Cais do Bico, paz e tranquilidade
Já do lado de ‘cá’ da Ria, longe do mar, mas perto do centro da Murtosa, uma outra praia ‘estuarina’ surge. ‘Estuarina’ porque, na realidade, não está num rio, mas sim numa ria, tal como o Monte Branco. Trata-se da Praia do Bico, um extenso areal que acompanha o mítico Cais do Bico, a poucos metros do centro da Murtosa.
A visão longínqua de Aveiro relembra quem visita esta praia que, afinal, não está tão longe da cidade que dá o nome ao distrito onde se insere. O caminho de mais de 30 quilómetros, que circunda a ria, não facilita as ligações. Isso, no entanto, nem sempre é um fator negativo. Na Praia do Bico, que existe há décadas, mas foi requalificada em 2016, reina a paz e a tranquilidade, onde poucos banhistas ocupam o areal que se instala ao som de uma ria que bate com suavidade na areia.
Os moliceiros estão parados, esperando quem os embarque, e um extenso areal, fruto de anos de dragagens e movimentos de areia, espera ansioso pelos banhistas desta terra que está intrinsecamente ligada à Ria, primeiro através da pesca e da apanha do moliço, e, agora, através do turismo. Ao lado da praia, encontra-se um agradável jardim para passar a tarde à sombra, onde os locais discutem os temas do dia, jogam à sueca, e fazem a sua vida depois de almoçar no restaurante O Bico da Murtosa, onde Paulo Marques recebe diariamente dezenas de locais e turistas – franceses e espanhóis são os mais populares, mas os americanos já foram muitos mais, e a pandemia não veio ajudar à afluência. Ainda assim, o sorriso na cara mantém-se, procurando formas de dar a volta às limitações impostas pela situação que pôs em pausa o mundo desde março de 2020.
Paulo é murtoseiro, do Bico, a poucos metros do Cais com o mesmo nome. Conhece bem a ligação da terra à América, e foi testemunha das obras de que foi alvo a Praia do Bico ao longo dos anos, com grande ênfase para a requalificação feita há cerca de cinco anos, quando tomou as rédeas do restaurante. Desde então é a figura responsável por encher os depósitos de quem, depois de uma manhã de praia, procura recuperar energias.