Agressões a comerciantes em Reguengos de Monsaraz não são inéditas

Um grupo de agressores causou o pânico nas ruas de Reguengos de Monsaraz na sexta-feira. A realidade, no entanto, não é novidade, e já mereceu a atenção dos partidos políticos.

Por José Miguel Pires e Maria Moreira Rato

A polémica em torno dos desacatos vividos em Reguengos de Monsaraz, na passada sexta-feira, está longe de acabar, e parece não ter sido a primeira vez que uma situação desse género aconteceu na localidade. Naquele momento, um grupo de indivíduos partiu para a agressão após a entrada num estabelecimento lhes ter sido negada “porque não se faziam acompanhar do respetivo certificado digital COVID”, como se lê em comunicado da GNR. Uma informação, no entanto, que contradiz as declarações do proprietário do estabelecimento em questão que, citado pela RTP, garantiu ter proibido ao grupo em questão a venda de bebidas alcoólicas, o que terá levado às agressões.

O i sabe, no entanto, que esta não é a primeira vez que um grupo de agressores ameaçou e agrediu comerciantes da pequena cidade alentejana. Uma outra situação semelhante terá ocorrido, recentemente, quando um estabelecimento se negou a vender bebidas alcóolicas a um grupo – onde se inseriam, segundo o i apurou, alguns dos mesmos membros responsáveis pelos desacatos de sexta-feira. Na altura, também os militares da GNR destacados para a ocorrência terão sido os mesmos envolvidos nos desacatos da passada sexta-feira.

A pequena dimensão da cidade e o medo de retaliação foram os motes para evitar a queixa nas autoridades que, segundo o i sabe, terão deixado sob a responsabilidade do estabelecimento em questão o confronto inicial ao grupo de indivíduos que causava alvoroço.

Conforme foi documentado em vídeo – que, nas redes sociais, gerou centenas e centenas de comentários e reações – os militares da GNR presentes no momento observaram passivamente as agressões, sem intervir, o que causou grande alvoroço na esfera pública.

“Pessoas a gritar e a chorar” João Pedro Pacheco, proprietário do estabelecimento que serviu de palco aos desacatos vividos na noite de sexta-feira, definiu o episódio como “horrível”. “Nunca assisti a uma coisa assim na vida, deitei-me na cama e só ouvia pessoas a gritar e a chorar. Não há palavras que possam descrever aquilo que se passou, é horrível, acreditem que quem estava presente ficou apavorado, em choque”, contou o mesmo, numa publicação nas redes sociais.

Ventura acusa ‘impunidade’ da comunidade cigana Os relatos que dão conta das agressões de sexta-feira à noite revelam que alguns dos agressores são indivíduos de etnia cigana. Em reação aos desacatos, com especial ênfase para este detalhe, André Ventura acusou PS, PSD e Bloco de Esquerda de serem “os grandes responsáveis por permitir que este clima se adense e a comunidade cigana não seja chamada à sua responsabilidade”, no mesmo dia em que o partido que dirige apresentou um pedido de audição de Eduardo Cabrita e do presidente da Câmara de Reguengos de Monsaraz, José Calixto. Em declarações ao i, o líder do partido Chega começou por fazer um panorama geral da situação, colocando o ónus dos acontecimentos sobre a “impunidade” que, acusou, se sente nas comunidades ciganas. “Aquilo que aconteceu em Reguengos é a todos os títulos miserável, mas também revelador: uma grande maioria de ciganos vive numa bolha de impunidade e acha-se no direito de ignorar por completo as leis da República”, começou por atacar Ventura, que deixou ainda uma certeza: A comunidade cigana tem de ser chamada à responsabilidade, “e, no que depender do Chega, vai ser”.

No rescaldo dos acontecimentos, Rui Rio, dirigente do PSD, pediu esclarecimentos sobre a atuação da GNR. André Ventura, ainda assim, considerou esta atitude como “sofrível”. “Se atuasse [a GNR] com firmeza, lá vinham depois os arautos do racismo e dos coitadinhos? Se atuasse com ponderação, provavelmente ainda seriam agredidos por membros da comunidade cigana”, disparou o dirigente do Chega, antes de concluir com um aviso: “A comunidade cigana, como todas as minorias, tem de perceber que apenas tem lugar no Portugal democrático quem cumpre a lei e aceita os seus valores fundamentais.”

“Os sucessivos governos têm feito a casa pelo telhado” O destacamento da GNR de Reguengos encontra-se subdividido nos postos territoriais de Vila Viçosa, Bencatel, São Romão, Alandroal, Santiago Maior, Reguengos, Telheiro, Mourão e Granja, sendo que todos disponibilizam atendimento aos cidadãos entre as 9h e as 17h. O posto de Reguengos tem um efetivo de 16 militares e proporciona à população um patrulhamento de 24 horas, no entanto, tal ocorre, por vezes, devido aos esforços conjuntos: os guardas do posto juntam-se aos dos postos contíguos.

No entanto, a título de exemplo, o posto de São Romão dista 50 quilómetros do posto de Reguengos. “Há uma escassez humana muito grande. O poder político tem solicitado à GNR vários tipos de missões, contudo, não lhe deu as condições para organizar os homens e as mulheres”, começa por explicar António Barreira, coordenador da Região Sul da Associação dos Profissionais da Guarda – APG/GNR –, alertando que “os sucessivos governos têm feito a casa pelo telhado porque atribuem mais valências à GNR mas, ao nível de cursos de formação não dão entrada de novos elementos para colmatar as saídas”. Na ótica do cabo do posto de Gavião, em Portalegre, “os e as patrulheiras têm uma idade avançada e isto prova que há poucas entradas de jovens”, sendo que “basta dizer que há uns anos havia listas de 1000 militares em formação e, agora, estamos a conta-gotas com alistamentos de 200, 200 e tal”, pois “o Estado paga a cada patrulheiro, por mês, apenas 59 euros de subsídio” e tal não cativa os eventuais aspirantes a militares.

“No caso de Reguengos, a área é enorme e já há muito tempo que a APG alerta o Governo que há necessidade de haver um olhar diferente para a situação lastimável a que chegámos. Independentemente de concordarmos com a evolução da instituição nas várias valências, não nos podemos esquecer de que a sua essência é o patrulhamento. E, deste modo, atribuo a culpa exclusivamente ao Governo”, explica António Barreira, lembrando que, em 2019, o Diário de Notícias deu conta de que, no distrito de Évora, 2165km2 chegavam a estar a cargo de somente um militar. Ou seja, um único profissional tinha de trabalhar em prol de 25 mil habitantes em determinados turnos.

Por outro lado, o dirigente associativo questiona o Governo acerca do investimento de um milhão de euros, em armas elétricas, previsto até ao ano corrente. Em outubro de 2018, era noticiado que o Ministério da Administração Interna havia adquirido 417 destas no valor de 640 mil euros para GNR, PSP e SEF. “Esse dinheiro foi gasto? O Governo comprou aquilo que disse que ia comprar? As armas foram compradas e estão com os elementos mais preparados?”, pergunta, adiantando que, no caso da posse de um taser, os militares que tiveram de intervir na ocorrência de Reguengos poderiam ter manietado os indivíduos com uma descarga elétrica a uma distância de segurança. “Coisa diferente será puxar de uma arma de fogo. Nas imagens, vemos dois militares com arma à cintura e os bastões deviam estar no carro. Não têm mais nada. Limitaram-se, e bem, a pedir reforços”, sublinha, adicionando que “o diploma que regulamenta o uso da arma de fogo é do tempo do António Guterres”. “Quando se puxa de uma arma de fogo, nem que seja para mandar um tiro de advertência, temos de ver onde estamos. A pessoa que filmou o vídeo está numa varanda. O militar pode infringir o diploma e até matar alguém inocente”, indica, lembrando que “um elemento provocador sabe perfeitamente que um agente da autoridade tem medo de reagir porque tem de cumprir regras”.

“Não é possível dar segurança ao cidadão quando os próprios elementos policiais não se sentem seguros das suas intervenções. Nem sequer têm as bodycams [câmaras incorporadas na farda dos militares] ainda. É fácil criticar. Os homens e as mulheres nunca deixarão que isto aconteça, mas se houvesse um dia sem forças de segurança, os críticos dariam mais importância aos mesmos”, refere o coordenador, condenando o tweet publicado pelo presidente do PSD, Rui Rio. “Preocupou-se com as formigas e esqueceu-se dos elefantes. Condena a GNR e os militares, mas o essencial é o poder político”.