Na semana passada, num canal de TV, um médico que julgo chamar-se Pedro Simas contava a seguinte história:
Estando a caminhar na praia, veio ao seu encontro um amigo – supostamente mais velho – que lhe perguntou se devia vacinar-se contra a covid-19.
O médico caiu das nuvens. Como era possível o amigo fazer-lhe semelhante pergunta? Sendo uma pessoa razoavelmente culta e informada, como podia ainda ter aquela dúvida absurda?
Claro que lhe disse que devia vacinar-se – e imediatamente. Não tenho a menor dúvida sobre as boas intenções do médico. Deste e de todos os outros que vêm apelar à vacinação sem quaisquer reservas.
Eu também não tenho dúvidas sobre os benefícios da vacinação em termos coletivos. Mesmo que haja reticências quanto à sua eficácia, penso ser claro que a vacina protege a sociedade no seu conjunto e reduz o número de mortes.
Mas, estando naturalmente o médico a dizer aquilo em que sinceramente acredita, não disse toda a verdade. Omitiu intencionalmente uma parte da verdade. Porquê?
Porque é impossível que não tenha conhecimento de problemas relacionados com a vacina. E digo que é impossível, porque, não sendo eu médico nem tendo neste momento uma vida social intensa, conheço diretamente quatro casos de reações adversas de alguma gravidade. Dois desses casos foram ataques de herpes de inusitada violência, outros dois foram de gripe muito agressiva.
Nos casos de herpes, os médicos assistentes admitiram uma relação direta com a vacina. E isto porque, cito, «são vírus da mesma extirpe». Como se sabe, a herpes é provocada por um vírus que hiberna dentro do organismo do paciente, que pode estar anos sem se manifestar, mas que a vacina terá despertado. Nos casos de gripe, ambas as ‘vítimas’ me disseram: «Tive uma gripe fortíssima, como nunca tinha tido na vida».
Ora, se eu tive conhecimento destes casos, ocorridos com pessoas das minhas relações, não é crível que um médico não tenha conhecimento de muitos mais, alguns eventualmente mais graves. Só que decidiu não os referir. Por razões que eu compreendo: achando que a vacinação é importante e que as pessoas devem vacinar-se, omitiu informação que poderia desmotivar os espetadores de o fazerem. Dito de outro modo, sacrificou a ‘verdade’ àquilo que considera ser um ‘bem superior’.
Acontece que é este exatamente o princípio da censura. Nenhum regime, nenhuma instituição cria uma censura dizendo que se trata de um capricho ou de um devaneio: a censura é sempre justificada em função de um ‘bem superior’.
No tempo de Salazar, a censura era explicada em nome da tranquilidade dos espíritos, da necessidade de manter a ordem, de evitar alarmismos, de impedir uma propaganda que, no dizer do regime, só visava a agitação e a desordem.
E na URSS a censura – bem mais rigorosa, aliás – era justificada pela necessidade de defender o regime comunista dos seus inimigos. Considerando-se que estava em construção a ‘sociedade perfeita’, era evidentemente criminoso atentar contra essa magna tarefa. E era perfeitamente legítimo censurar todos os que tentassem fazê-lo através da escrita ou da palavra. Que importância tinha a liberdade de alguns perante um objetivo tão grandioso como a construção de uma sociedade sem classes?
O médico de que vimos a falar pensou exatamente deste modo. Se é fundamental as pessoas vacinarem-se, se a vacinação salva vidas, então é totalmente legítimo omitir considerações ou informações que possam afetar esse objetivo. E, acrescento eu, visto que a maior parte das pessoas tem pavor da doença, não só aceita essa censura como até concorda com ela.
Estamos num tempo muito perigoso. Porque o que se passa com a vacinação contra a covid tende a estender-se a outras áreas. Os movimentos feministas radicais, antirracistas, anti-homofóbicos, etc., aproveitam este clima para justificar uma nova censura e medidas repressivas. Como tenho vindo a escrever, a censura de textos nas redes sociais, o banimento de pessoas com o pretexto de que atentam contra a ‘verdade’, são outras manifestações do mesmo princípio.
Vamos sempre cair na questão dos fins e dos meios. Temos de ter constantemente presente que os fins não justificam os meios. Não é legítimo recorrer a meios condenáveis com o argumento de que os fins são bons. Através do mal nunca se atinge o bem. Esconder informação, escamoteá-la em função de um ‘bem superior’, é um péssimo caminho.