Ainda não há fumo branco sobre vacinação de crianças

Especialistas estão divididos e DGS tomará decisão final, que deverá basear-se no risco individual. Seria preciso vacinar adolescentes e haver adesão total à vacina nos adultos para se atingir cobertura vacinal de 90% da população.

Os especialistas estão divididos e ainda não há um veredicto final sobre a vacinação de adolescentes contra a covid-19, que a acontecer deverá iniciar-se em agosto, quando para já está garantido que a vacina chegará aos jovens com 18 anos ou mais. Ontem veio a público um parecer preliminar da Comissão Técnica de Vacinação da Direção Geral da Saúde, que para já recomenda que os jovens entre os 12 e os 15 anos só sejam vacinados contra a covid-19 se tiverem doenças prévias que confiram maior risco em caso de infeção com o coronavírus. A posição dos peritos, que não foi unânime e ainda não é a final, não é vinculativa, cabendo à Direção Geral da Saúde emitir uma recomendação. O i tentou perceber junto da DGS quando tal acontecerá, mas não obteve resposta.

Em junho, o Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças recomendou que a vacinação de adolescentes em risco elevado de ter quadros graves de covid-19sejam prioritários na vacinação, não fechando uma posição sobre a vacinação universal de crianças. Entre os aspetos a considerar apontava a disponibilidade de vacinas (que se mantém problemática) e o nível de transmissão nestes grupos etários. Seguiram-se posições a diferentes ritmos na Europa após os EUA terem sido pioneiros na vacinação de adolescentes – a vacinação entre os 12 e os 15 anos arrancou em maio.

Em Inglaterra, a posição do comité nacional de vacinação (JCVI na sigla inglesa), conhecida esta segunda-feira, foi no sentido de recomendar a vacinação entre os 12 e os 15 anos apenas a crianças com riscos de saúde acrescidos, incluindo crianças com doenças do foro neuromuscuscular, síndrome de down, imunossupressão e incapacidade intelectual. O JCVI recomendou igualmente a vacina a crianças entre os 12 e os 17 anos que, além destas doenças, vivam na mesma casa de pessoas com imunosurpressão, para diminuir o risco de exposição dos familiares. Já jovens a três meses de completar 18 anos deverão ter acesso à vacina, isto para garantir proteção no momento de entrada no ensino superior/mercado de trabalho. Questões que cá também estão em cima da mesa.

Com base no conhecimento atual, o JCVI não recomenda para já a vacinação de crianças de forma rotineira, considerando que as crianças são um grupo etário de baixo risco.

Estudos

Até ao momento, apenas a vacina da Pfizer obteve autorização condicional para ser administrada em crianças com mais de 12 anos, aguardando-se um parecer idêntico por parte da Agência Europeia do Medicamento em relação à vacina da Moderna na próxima semana. No caso da vacina da Pfizer, o parecer da EMA seguiu-se a um estudo que envolveu 2260 crianças entre os 12 e os 55 anos, que concluiu que a resposta imunitária neste grupo era comparável à apurada em jovens entre os 16 e os 25 anos. De 1005 crianças que receberam a vacina, nenhuma desenvolveu sintomas de covid-19, comparando com 16 casos em 978 crianças a quem foi administrado um placebo.

Concluiu-se, informou a EMA em maio, que a vacina foi 100% eficaz na prevenção de covid-19, embora admita que a eficácia situar-se-á entre 75% e 100%. Os efeitos adversos mais comuns replicaram os dos adultos: dor no braço, cansaço, dor de cabeça e, em alguns casos, febre, o que levou o comité a concluir que os benefícios superam os riscos. Não foram detetados efeitos adversos raros, admitindo contudo a EMA que foi analisado um universo relativamente pequeno. Desde esta tomada de posição, surgiram nos EUA e em Israel relatos de casos de inflamação cardíaca associados à vacina, um quadro de miocardite que pode ser desencadeado por infeções ou doenças auto-imunes. No final de junho, o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças norte-americano manteve a recomendação de que a vacina seja administrada a crianças com mais de 12 anos.

Meta de vacinar 90% da população impossível sem crianças

Se só a longo prazo haverá mais dados científicos, a questão de vacinar ou não vacinar adolescentes coloca-se sob o prisma de atingir ou não a imunidade de grupo e do papel que as crianças e jovens podem ter na transmissão mesmo com a maioria da população adulta vacinada. Com a variante delta atualmente dominante, a estimativa de vários especialistas, do epidemiologista Manuel Carmo Gomes a Anthony Fauci nos EUA, é que seria preciso vacinar mais de 90% da população para se conseguir esse efeito, tal como no sarampo, o vírus mais contagioso, se pensa que a imunidade de grupo está garantida quando mais de 95% da população está vacinada. Acresce à equação o facto de as vacinas não conferirem uma proteção de 100% em nenhum grupo etário.

Num cenário de imunidade de grupo, espera-se que casos importados possam levar a pequenos surtos, mas não transmissão disseminada na comunidade. Sem vacinar crianças esse patamar torna-se impossível, não havendo por agora conclusões em nenhum país sobre se funciona na prática e qual a diferença entre ter 70%, 80% ou 90% da população completamente imunizada.

Malta é, a nível mundial, o país com maior percentagem da população totalmente imunizada, com 71% dos seus 502 mil habitantes com as duas doses da vacina. Há uma semana, o país anunciou que dois terços das crianças entre 12 e 15 anos já fizeram a primeira dose da vacina e esperam concluir a inoculação desta faixa etária esta semana. O país tem estado debaixo de críticas a nível europeu por exigir certificado de vacinação a maiores de 12 anos. Registou nos últimos dias um aumento de diagnósticos, na casa das duas centenas e regista neste momento 18 pessoas internadas por covid-19 nos hospitais. Segue-se, em termos cobertura vacinal, a Islândia, outra ilha, com 70% da população com as duas doses. Emirados Árabes Unidos, Barém, Chile e Uruguai são os outros países no pelotão da frente da vacinação, com 60% da população totalmente imunizada.

Em Portugal, segundo as últimas estimativas de população residente do INE referentes a 2020, vacinar 90% da população implicaria que perto de 9,3 milhões de portugueses fizessem a vacina. Se toda a população maior de idade aderisse à vacinação, o país atingiria uma cobertura vacinal de 85,5%, um cenário inverosímil mesmo não havendo taxas elevadas de recusa de vacinas. Só vacinando maiores de 12 anos e com total adesão seria possível alcançar níveis de cobertura vacinal acima de 90%. Dadas as elevadas taxas de vacinação necessárias, a ideia de imunidade de grupo tem vindo a ser descartada pela comunidade científica, mantendo-se um princípio: a vacina tem demonstrado elevada eficácia na prevenção de doença grave e, a nível coletivo, pode por essa via diminuir o risco de rutura nos serviços de saúde. Por agora, na Europa, França, Países Baixos. Áustria e Itália são alguns dos países que se decidiram pela vacinação das crianças. Na Alemanha, tal como no Reino Unido – e como se afigura a decisão mais provável em Portugal –, a opção foi por recomendar nesta fase a vacinação acima dos 12 anos apenas a crianças com problemas de saúde prévios.