Houve muita polémica à volta das comemorações do 25 de Abril por causa da pandemia. Concorda com a decisão de manter a cerimónia no Parlamento?
É uma atitude correta e de alguma forma corajosa. Mas confesso que faço um certo frete em todos os anos corresponder ao convite que me é enviado pelo presidente da Assembleia da República para comparecer à cerimónia solene da comemoração do 25 de Abril. Faço um certo frete em ir lá porque os representantes de cada um dos partidos fazem discursos de circunstância. É uma efeméride notável de que tivemos conhecimento e de que fizemos parte e que tem sido comemorada ao longo destes anos todos, corretamente. Não fazia sentido deixar de o comemorar. A verdade é que o Parlamento tem funcionado normalmente. Não fazia sentido que o Parlamento deixasse de funcionar no dia 25 de Abril.
Ficou surpreendido com o movimento que se criou contra as comemorações no Parlamento?
Há vozes que dizem que não faz sentido porque toda a gente é obrigada a estar em casa e afinal agora vão comemorar o 25 de Abril. Mas as regras e o distanciamento vão ser mais apertados e só lá vão estar presentes 65 deputados. Não faz sentido lutar contra a comemoração do 25 de Abril. Aqueles que não querem que o Estado assinale a efeméride e comemore o 25 de Abril estão a proceder mal.
Ainda há inimigos do 25 de Abril?
Então não há, pá. A petição que foi posta a correr estalou logo de 300 para quase 40 mil pessoas que se assumiram contra a sessão solene na Assembleia da República. Há pessoas com saudades do conservadorismo de Salazar. Há pessoas com saudades de ter alguém que mande, em vez de ter alguém que comande.
Mas seria um sacrifício se tivesse de ir à cerimónia?
Fico feliz por não ter de lá ir. Para mim seria um frete ter de usar gravata e vestir um fato completo para estar presente nas galerias a assistir aos discursos. Prefiro ver os discursos pela televisão. Mas acho que se deve manter o ato solene e a presença do Presidente da República porque é importante. É importante para o país e para o povo, sobretudo para quem viveu esse acontecimento notável. Sempre que pude estive presente na Assembleia. Só não fui lá em 2015 por questões de saúde, porque nesse ano fui operado em março.
Os capitães de Abril também não foram à sessão solene na Assembleia da República nos tempos da troika.
Foi por causa de Cavaco Silva. Foi contra Cavaco Silva e atitudes que ele teve em relação ao 25 de Abril e aos militares. E houve atitudes e decisões da parte do Governo que caíram mal. Continuo a não concordar com elas e não sei até que ponto são justificáveis, como, por exemplo, as privatizações que foram feitas de empresas nacionais, que eram um orgulho nacional e que rapidamente foram transformadas em dinheiro para dar vazão para a economia que se estava a debilitar. Houve um confronto sério, sobretudo com o Presidente da República Cavaco Silva, na altura, mas também com algumas decisões governamentais de uma maioria de direita que não foi exatamente ao encontro daquilo que esperávamos de um Governo.
A solução encontrada por António Costa para governar está mais perto daquilo que deseja para o país?
António Costa fez um trabalho aceitável. Conseguiu os apoios necessários para governar. Demos um apoio grande à aliança desenhada por Costa, mesmo que a solução não tivesse resultado numa coligação de Governo porque nem o Bloco de Esquerda nem o PCP entraram na composição governamental.
Aquilo que sonhava para o país a seguir ao 25 de Abril é muito diferente da sociedade em que vivemos?
Havia um grande entusiasmo e um grande dinamismo da população. Havia a possibilidade de se criar uma democracia direta em que o povo participasse ativamente na vida política do país e apresentasse os seus representantes, sem ser a nível partidário, que pudessem tomar conta de tudo o que fosse atividade política das comunidades. Gostava que essa participação fosse efetiva e viva. Podíamos ter criado um exemplo novo de regime que não passasse por aquilo que já era para mim a caducidade da democracia burguesa representativa, de uma classe com interesses e que é dominante. Podíamos ter feito uma coisa diferente, mais viva e que tivesse ido mais profundamente ao encontro dos interesses da população. Não foi possível.
Como viveu aqueles dias a seguir ao 25 de Abril, em que tudo era novo e diferente?
Com enorme entusiasmo. Vivi e vi esses dias com um grande entusiasmo. E foi isso que me levou a considerar, depois de discussões com o Vasco Lourenço e o Melo Antunes, a possibilidade de que podia surgir um novo regime político que pusesse a grande massa trabalhadora do país num caminho em que seria possível abrir espaço para fazerem parte do poder. Não foi possível. Na altura, os meus camaradas ligados ao 25 de Novembro avançaram e eu parei imediatamente a minha atividade considerando que nunca entraria em guerra aberta ou em luta contra aqueles que tinham feito comigo o 25 de Abril.
Ainda se candidatou à Presidência da República em 1976…
Nunca tive o mínimo interesse pelo exercício de poder. Tive oportunidade de poder ser Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas. Tive oportunidade de poder ser primeiro-ministro e Presidente da República. Fui convidado e foi feita pressão sobre mim para aceitar cargos desses. O Vasco Gonçalves insistiu que fosse eu a substituí-lo como primeiro-ministro. E fez pressão. Numa sessão em São Julião da Barra, na presença de Costa Gomes e do Pinheiro de Azevedo, o Vasco Gonçalves avançou com o meu nome para o substituir. Recusei e disse que não me sentia minimamente preparado para ser primeiro-ministro.
Foi o Almirante Pinheiro de Azevedo…
O convite acabou por ser dirigido ao Pinheiro de Azevedo que aceitou. E foi assim. Os meus camaradas também queriam que fosse Presidente da República porque não gostavam do Costa Gomes. Disse-lhes: ‘epá, vocês não pensem numa coisa dessas. Chutado assim para a presidência sem eleições, sem nada… Nem pensem nisso’. Senti-me aliviado dessas pressões quando chegou o 25 de Novembro. Pensei: finalmente vou descansar disto. Mas uma vez, fui assistir a uma sessão na Universidade de Lisboa, ali na zona do Campo Grande, e à saída do edifício havia uma multidão enorme de malta aos gritos a exigir que me candidatasse à Presidência da República. Eu disse: ‘Nem pensem, pá’.
Mas acabou por se candidatar…
Decidi aceitar só para ver se o povo concordava com as minhas ideias. Queria perceber se era possível criar um regime político diferente em Portugal. Fiz uma campanha bonita. Tive quase 17%. Foi um resultado magnífico, mas que felizmente não me levou à Presidência.
Não queria ser Presidente da República?
Não tinha interesse nenhum em ser Presidente da República. Nunca tive interesses pelo poder e por isso não tenho mágoas nenhumas de não ter exercido alguns cargos.
O destino do país teria sido diferente se naquela altura tivesse sido Presidente da República?
Penso muitas vezes nisso. O que teria sido se tivesse aceitado alguns cargos. O que me teriam feito? Já tive tantos desaguisados durante o período revolucionário e tantas broncas, então a exercer um cargo desses imagino o que seria.
Algum dos partidos políticos que hoje existem se aproxima das suas ideias?
Não me identifico com nenhum.
Qual a sua opinião acerca destes novos partidos, como por exemplo, o Chega?
Nem tenho palavras para os definir. Espanta-me que haja alguns nichos da sociedade portuguesa empenhados em reavivar um passado de há 50 anos. O Chega quase ultrapassa o CDS, que é um partido que foi liderado por homens como o Freitas do Amaral ou o Adelino Amaro da Costa. Eram pessoas com uma perspetiva de direita e conservadora, mas eram inteligentes e tinham capacidade de liderança e juízo.
Como vai viver este 25 de Abril com os constrangimentos provocados pela pandemia?
Vou ficar em casa. Fui convidado para uma entrevista pela televisão, mas estou com uma disposição física muito negativa. Não estou em boas condições físicas. Não me sinto com vontade de estar presente numa entrevista. Os meus camaradas vão participar num programa da RTP e vou ficar aqui a vê-los e a recordar o papel de cada um naqueles